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Crítica | Bebê Rena

Gentileza abre as portas do inferno.

por Ritter Fan
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Baseado em rotina cômica de Richard Gadd, por sua vez inspirada por suas experiências na vida real, Bebê Rena é tudo menos comédia e é muito mais do que sua premissa básica deixa entrever. Na superfície, a minissérie lembra o aterrorizante Louca Obsessão, filme de Rob Reiner baseado em conto de Stephen King, com uma mulher desequilibrada obsessivamente perseguindo um aspirante a comediante e barman depois que ele lhe faz uma gentileza, mas, não demora e ela toma outros contornos que são igualmente aterrorizantes e perturbadores, mas por uma série de outras razões que vão bem além do que se pode esperar.

O barman e aspirante a comediante em questão é Donny Dunn, versão ficcional de Gadd vivida por ele mesmo, e sua assediadora (em todos os sentidos da palavra), uma mulher bem mais velha, com um sorriso contagiante – ou enlouquecedor, pode escolher – que parece viver em um mundo paralelo, é Martha Scott, encarnada por Jessica Gunning, que, não demora, é revelada como alguém que já fez isso antes várias vezes. Mas essa é a ponta do proverbial iceberg, apenas o chamariz para o espectador mergulhar em uma história que não é exatamente sobre a relação doentia entre Donny e Martha, mas sim sobre o que essa estranha conexão desperta em Donny que, então, inicia, mesmo sem inicialmente ter plena consciência do fato, uma dolorosa jornada de autoconhecimento que envolve sua própria sexualidade, sua autoestima, sua carreira e até mesmo – ou talvez principalmente – sua saúde mental.

E essa jornada é uma que Gadd convida o espectador a fazer como ele fez, sem ter exatamente ideia aonde ela vai chegar, se é que chegará em algum lugar, com um roteiro que se vale do artifício do enquadramento, ou seja, fazendo com que um Donny esbaforido, atônito e nervoso adentre uma delegacia de polícia para denunciar Martha, somente para hesitar quando o policial que o atende pergunta o porquê de ele ter demorado seis meses para isso. Nesse momento, retornamos para a sequência do bar seis meses antes em que uma Martha entristecida entra e, depois de indagada por Donny se quer um chá, diz que não tem dinheiro para pagar, levando-o a oferecer a bebida por conta da casa em um ato de gentileza que ilumina o rosto da cliente que, então, começa a falar sem parar, a mentir sem parar, com Donny passando a gostar dessa atenção, a querer essa atenção.

Falar muito mais sobre como a história se desenvolve é estragar o prazer de se assistir Bebê Rena (o título é o “apelido carinhoso” que Martha dá a Donny), bastando dizer que ela é pesada, violenta física e psicologicamente, consideravelmente explícita, repleta de sequências repulsivas, com o protagonista passando por uma profunda análise de si mesmo – e que coragem de Gadd se apenas uma pequena parte da história for mesmo verdadeira! – que retorna para até cinco anos no passado, em um evento traumático em sua vida. Talvez “prazer” nem seja seja a melhor palavra para usar, na verdade, pois o “prazer” é pelo lado puro do audiovisual, por assim dizer, pela construção dos roteiros, pelos trabalhos de direção de Weronika Tofilska e Josephine Bornebusch que fazem uso inclemente de close-ups, pelas performances especialmente da dupla central, mas também da tão doce quanto dura Nava Mau como Teri e do sinistro, mas irresistível Tom Goodman-Hill como Darrien O’Connor. No lado da história, o caminho de Donny é tão doloroso e o de Martha tão triste – de certa forma, é possível dizer que são almas irmãs – que o “prazer” é relativo e dependente do quanto o espectador conseguirá relacionar-se com o drama ou criar empatia por personagens que, sob os mais variados aspectos, são desagradáveis.

Bebê Rena é uma obra rara por sua coragem em lidar com seus assuntos e pela forma como expõe os problemas e desafios de seu protagonista quase como um thriller que usa uma estrutura de reviravoltas não por mero artifício narrativo, mas sim para permitir mergulhos cada vez mais profundos na psiquê fragmentada de Donny Dunn, algo que a minissérie só erra no momento catártico exageradamente expositivo que ocorre no palco no penúltimo episódio, já que ele explica detalhes daquilo que já havia ficado claro. Seja como for, no final da experiência a sensação é de exaustão psicológica e até de cansaço físico, mas, ao mesmo tempo, de recompensa por desbravar uma minissérie tão rica e complexa como essa, um verdadeiro achado daqueles que o espectador tem grandes chances de jamais querer se aproximar novamente, mas de que jamais esquecerá.

Bebê Rena (Baby Reindeer – Reino Unido, 11 de abril de 2024)
Criação: Richard Gadd
Direção: Weronika Tofilska, Josephine Bornebusch
Roteiro: Richard Gadd
Elenco: Richard Gadd, Jessica Gunning, Nava Mau, Tom Goodman-Hill, Amanda Root, Mark Lewis Jones, Hugh Coles, Danny Kirrane, Michael Wildman, Shalom Brune-Franklin, Nina Sosanya, Alexandria Riley, Thomas Coombes, Tom Durant Pritchard, Laura Smyth
Duração: 235 min. (sete episódios)

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