- Leiam, aqui, as críticas com spoilers e da Edição Definitiva do filme.
Diferente da Marvel, que planejou cuidadosamente seus passos, lançando filmes isolados de cada um dos seus heróis (5 no total), antes de conceber o crossover em Os Vingadores, que ainda possuiu uma continuação feita sobre o sustento de sequências daqueles filmes isolados (mais 5), servindo como base de colocar só agora seus principais expoentes bem desenvolvidos – Capitão América (Chris Evans) e Homem de Ferro (Robert Downey Jr.) – para brigar, no lançamento próximo Guerra Civil (só depois de 12 filmes); Batman vs Superman: A Origem da Justiça, como sugere o título, é um filme que já quer chegar nessa mesma etapa de colocar os dois principais heróis da DC para travarem uma batalha épica, no segundo filme de universo compartilhado, também ficando responsável, por introduzir a origem da Liga da Justiça, sem nunca ter apresentado nenhum do seus personagens anteriormente, incluindo aí o próprio Batman (Ben Afleck), assim, demonstrando o quão desesperado está a Warner em ter de alcançar a concorrência o mais rápido possível.
A aposta de Zack Snyder, em parceria aos roteiristas Chris Terrio (Oscarizado com Argo) e David S. Goyer (escritor da trilogia O Cavaleiro das Trevas), portanto, já nasce refém da própria ambição. Inchado com a quantidade de coisas a fazer para se resolver enquanto provedor do universo compartilhado e não tendo tempo para desenvolver isoladamente os parâmetros motivacionais que justificariam o embate entre seus heróis, inevitavelmente, deixando boas ideias como se fossem elementos jogados em tela, de tão supérfluo que fica o modo que as acaba colocando, inflando ainda mais, um filme já de pretensões grandiosas, que acaba engolido pela própria escala. Devo dizer, antes disso acontecer, que ao menos, o filme começa promissor. A sequência de abertura, característica do diretor desde Watchmen, mostra novamente a morte de do menino Wayne numa montagem de forte poder imagético, que entrelaça a origem do morcego estranhamente bem a sua motivação presente de querer se livrar do Superman (Henry Cavill), ao acompanhar a sequência de destruição de Metropolis em O Homem de Aço sobre o seu ponto de vista.
Como imaginava desde aquele filme, era inevitável que uma continuação explorasse essas consequências de um personagem, naquele momento, inexperiente. A humanidade discutindo o caráter divino do poder do alienígena, se é um sinônimo de ameaça ou salvação, é um ponto de partida plausível a incitar uma divergência ideológica entre as figuras centrais que levaria ao confronto. No lado do Batman, temos uma introdução dele já como experiente, em 20 anos de manto que certamente o levou a passar por muitos traumas – infelizmente, sugerido apenas por referências de quadrinhos, ao invés de genuinamente exploradas no filme para justificar o fato dele chegar a usar armas de fogo (?) no filme – e teria uma paranoia e desconfiança naturais de ficar no lado da moeda que o enxergaria como ameaça. Pelo outro lado, o Superman, depois do salto temporal a sua história de origem, estaria no início da sua construção heroica mais “pureza” – representadas por cenas posudas, remetendo a simbologias religiosas, e não realmente, momentos que ele salva pessoas, a não ser a Lois Lane (Amy Adams) –, olhando para a metodologia do Batman violento e amargurado como errônea.
O problema começa quando Batman vs Superman: A Origem da Justiça não aprofunda nenhum desses vieses e passa a focar em inserir outros elementos que não vem ao caso e ficam igualmente não aprofundados. Ao invés de gastar a primeira hora oferecendo histórico de ações práticas a complementar a teórica de seus posicionamentos conflitantes, ele prefere correr a história para dar tempo de inserir as zilhares de subtramas dos demais personagens ao redor da história e elementos futuros a serem trabalhados em outros filmes (para que tantas sequências de sonho?), eventualmente os colocando para fazer parte da montagem deste principal, e consequentemente os atrapalhando pela falta de organicidade. É o caso do Lex Luthor (Jesse Eisenberg, péssimo no papel), um vilãozinho afetado de segunda, descaracterizado da sua origem quadrinesca, mais parecendo um Coringa “Zuckerberg” que quer ver o circo pegar fogo, com a diferença de ser uma criança birrenta e irritante que nem os próprios secundários presentes na história aguentam o ouvir.
Metendo o nariz onde não é chamado, o conflito de bases ideológicas fortes vira uma briga de colégio, de motivações pessoais baixas, por conta dum plano todo furado, que não faz o menor sentido lógico e compromete a coerência de qualquer outro movimento de trama interligado para ele dar certo. É bem complicado entrar em detalhes, mas digamos que a luta do século só ocorre por uma sucessão de mal-entendidos vindos desse tal plano, e pior, se resolve com uma coincidência de nomes, das mais estapafúrdias imagináveis – pode até ser chamada criativa, mas nem vem que isso faria os personagens transformarem a opinião e personalidades radicalmente tão rapidamente. Fora que, a luta enquanto ação – e isso vale para as outras sequências também –, não empolga como deveria, pelo complexo de grandiosidade mencionado que sofre seu diretor, filmando qualquer cena da construção narrativa, no mesmo tom estapafúrdio, grandiloquente. Assim, quando chega o momento que realmente deveria ser grandioso, ele fica na mesma sinergia do restante, em que o espectador já está exausto de acompanhar pelo mesmo filtro de fotografia, amplamente escura, acinzentado e sem vida, que dificulta a compreensão geográfica (basicamente inexistente) dos acontecimentos.
O atropelamento de eventos épicos fragmentados, a partir da segunda metade, acentua a concha de retalhos de um texto basicamente guiado por frases de efeito – sem efeito algum por virem uma após a outra – e uma atmosfera sombria que pede para se levar a sério, mas não oferece verossimilhança com tanta fragilidade levantada pelos buracos estruturais. Batman vs Superman: A Origem da Justiça é como uma casa de cartas do baralho, no primeiro sopro de questionamento por um ponto, qualquer que seja, desmorona por inteiro, ficando difícil de se manter envolvido constantemente na parte sensorial da experiência, que tem seus méritos em quadros esporádicos muito bonitos – a especialidade de Zack Snyder –, na presença empolgante da Mulher Maravilha (Gal Gadot), além da trilha enérgica de Hans Zimmer com Junkie XL, que dita melhor o ritmo do que a montagem e seu incrivel feito de conseguir ser extremamente objetiva – a ponto de parecer que faltam cenas entre umas e outras – e cansativa em mesmas proporções.
Infelizmente, as escolhas desdenhadas tanto na base do projeto, como para seus desdobramentos finais, expõem mais prerrogativas preocupantes do que potencial. Não há base para o futuro que o longa gasta tanto tempo em tentar dizer que é importante, nem a êxtase de ter aproveitado o crossover que se disponha a contar, principalmente em termos de substância. Há um certo acontecimento no final, que não tem como não pensar que alguns degraus foram pulados no processo, pois qualquer sentimento emocional vindo dele parte muito mais duma relação extra filme do que consequência da sua construção em si. Batman vs Superman: A Origem da Justiça expande do universo da DC nos cinemas de uma vez, sem nem o começar de fato e no processo, sacrifica a essência de seus personagens em prol do espetáculo mais megalomaníaco e bagunçado possível.
Batman vs Superman: A Origem da Justiça (Batman v Superman: Dawn of Justice | EUA, 2016)
Direção: Zack Snyder
Roteiro: David S. Goyer, Chris Terrio
Elenco: Ben Affleck, Henry Cavill, Gal Gadot, Amy Adams, Jeremy Irons, Jesse Eisenberg, Diane Lane, Laurence Fishburne, Holly Hunter, Tao Okamoto, Jason Momoa, Ezra Miller, Scott McNairy, Callan Mulvey, Lauren Cohen, Michael Shannon, Carla Gugino, Kevin Costner
Duração: 151 minutos.