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Crítica | Batman vs Superman: A Origem da Justiça (Com Spoilers)

por Luiz Santiago
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  • Leiam, aqui, as críticas sem spoilers e da Edição Definitiva do filme.

Algumas das vantagens de escrever a crítica um tempo consideravelmente depois do buchicho de lançamento de um blockbuster como BvS (no presente caso, um ano e oito meses depois) é o tempo maior para rever o filme, pensar menos apaixonadamente a respeito e, principalmente, fugir das rinhas entre críticos e espectadores que inevitavelmente tomam conta das mídias nessas ocasiões. Em A Origem da Justiça, não faltaram defensores ou condenadores e, por mais polêmico que tenha sido o filme, sua importância para o Universo Cinematográfico DC é tamanha que passamos a usá-lo como marco (para o bem ou para o mal, mas isso não importa, a referência e importância permanecem) da fase moderna da DC nos cinemas.

Em filmes cujo material-base é bastante conhecido, o nível de exigência e expectativa dos espectadores são bem diferentes se comparados aos de outras produções. E aqui começam as divergências sobre BvS, justamente em algo que o longa parece não acertar em nenhum momento: a organização da história através da montagem. O roteiro é escrito a quatro mãos, por Chris Terrio (Argo) e David S. Goyer (Blade – O Caçador de Vampiros, Batman Begins, O Homem de Aço) e começa com caminhos soltos que se afunilam progressivamente até que façam mais ou menos sentido ao chegarem à batalha da Trindade contra Apocalypse. Todavia, se tomarmos brevemente as referências basilares dos roteiristas (a trilogia de Nolan; o artigo O Mito do Superman, de Umberto Eco e o fantástico poema O Museu de Belas Artes, de W. H. Auden, sobre a inevitável vinda do sofrimento e do desespero para o homem e a humanidade), veremos que a proposta de dividir caminhos e mostrar pequenas tragédias em cada um deles se faz presente na película e pode colocar algum senso no aparente caos.

Dezoito meses se passaram desde a luta entre Superman e Zod e é em torno desse acontecimento que o mundo e os principais personagens giram. Em primeiro lugar há uma grande polaridade de opiniões em relação ao Superman, que a despeito da pequena quantidade de falas é quem aglutina as histórias. Até a sua morte, no final da película, serve como motivação para Bruce convidar Diana para procurar os meta-humanos. Da desconfiança à amizade rápida e sincera admiração (nada de estranho aqui, isso é algo bastante recorrente na relação entre Batman e Superman desde Uma Noite em Gotham City, só para citar algo da Era Mordena), a relação entre os dois possui um tom amargo desde o início, sendo o Superman alvo de uma constante manipulação da mídia para difamar a sua imagem e o Batman fortemente engajado em uma busca para poder vencer o kryptoniano, alguém que ele considera uma grande ameaça e claramente se enraivece ao perceber que o Azulão recebe adoração de milhões de pessoas ao redor do mundo.

O significado dessas cenas e o poder infame da comunicação de massa são pequenas joias incrustadas no paredão de montagem desordenada que é o filme. Aliás, este é infelizmente um padrão que pode marcar espectadores em diferentes status de análise ou mesmo em clara mudança de opinião, como foi o meu caso. Quando vi o filme nos cinemas, meu engajamento foi absoluto. Anotei um número pequeno de problemas (daria 4 estrelas na avaliação crítica e talvez 5 só na emoção de fanboy) e entendi o filme a partir de um prisma bem mais inovador do que ele me pareceu agora, na terceira visualização. Como se percebe — e como ficará mais claro no decorrer da crítica — eu ainda gosto do filme e certamente defendo muitas de suas conquistas, todavia, os problemas de ritmo (edição e montagem) e de roteiro (construção da trama central, desenvolvimento de personagens, articulação dos diálogos e entrelaçamento das histórias paralelas à coluna vertebral da fita) pesaram bem mais para mim depois desse tempo todo.

Notem que em todo primeiro ato o filme serve como uma larga vitrine de situações, algumas de origem, como as cenas que acompanham os créditos de abertura (destaque para a belíssima fotografia e boa escolha de ângulos na sequência do assassinato dos Wayne) e outras de interação geopolítica e até de laços entre os personagens que avançam até quase o último ato… coisas que vão do encontro de uma rocha no Oceano Índico até Clark fritando ovos (sem camisa!) para o café da manhã ou as suas constantes demonstrações de amor por Lois. Em crescente clima de paranoia e ódio em torno do Superman vemos a ascensão de Lex Luthor, uma ou outra participação efetiva do governo (à parte o furo de roteiro na identificação da bala, não há muitos problemas nessa camada) e o clímax de um dos blocos da fita, na explosão do tribunal do Capitólio.

Dirigido com bastante competência por Zack Snyder — da subida das escadarias até o corte para a cena seguinte — o momento da explosão transmite ira, decepção e dor pelas vidas perdidas. A sequência se torna dramaticamente ainda mais interessante quando levamos em conta o desespero expressado pela personagem de Holly Hunter antes do momento fatídico (quando ela percebe o que virá e como isso afeta o seu discurso é algo incrível) e a expressão no rosto de Henry Cavill, que junto da sequência à la Superman de Paul Dini e Alex Ross, no salvamento da criança no Día de Los Muertos e no momento em que dá o último adeus a Lois, tem um dos seus melhores takes no filme.

A cada vez que o roteiro “termina” um pequeno momento narrativo há a abertura para um outro ciclo, diretamente baseado nas consequências do anterior. De um lado, o mundo se movimentando com medo ou entrega ao Superman. Do outro, um Batman com essência de O Cavaleiro das Trevas se preparando para a batalha, utilizando recursos tanto quanto Luthor, mas para fins distintos. O texto brinca com o reflexo e a refração de personalidades, pensamentos ou atitudes, jogando humanidade contra deuses (caraterística do artigo de Umberto Eco que inspirou o roteiro, além do conceito da jornada do herói e do próprio laço trágico que os super-heróis têm com as muitas mitologias) e promovendo encontros, como o de Bruce com Diana e Clark em um espaço social, todos ligados por um laço invisível, buscando mais ou menos a mesma coisa, mas adotando métodos diferentes para conseguir.

A tragédia no Capitólio encontra um crescimento ainda maior na raiva do Batman, que ganha em Ben Affleck uma representação pragmática, quase esnobe, caindo como uma luva ao personagem nesse momento da vida, já com duas décadas de batalha e constantemente atormentado por sonhos, visões e lembranças físicas de suas tragédias do passado. O mesmo cansaço existencial e fina e controlada crueldade é vista e problematizada pelo Alfred do excelente Jeremy Irons, que consegue fazer frente à personalidade irascível e impaciente do patrão, tanto nos momentos de criticá-lo quanto de apoiá-lo. Muito se discutiu e ainda discute sobre as atitudes do Batman aqui, destacando-se as cenas em que ele persegue o caminhão de Luthor para roubar a kryptonita e encontra o Superman pela primeira vez; seja na estrondosa sequência do resgate de Martha. O que podemos dizer é que levando em consideração essa encarnação do Batman, a postura em relação aos bandidos faz sentido. Já na postura do personagem contra o Superman, porém, vejo problemas de dissonância com a persona mais analítica que é o Cavaleiro das Trevas. Desconfiar de um alienígena é uma coisa, mas alienar-se pela mídia e seguir por muito tempo em um pré-julgamento com base em notícias, sendo um dos maiores detetives do mundo, não me parece algo inteligente a ser levado adiante pelo roteiro.

Para incrementar o pessimismo e a paranoia, temos o momento do pesadelo distópico de Bruce, onde se misturam referências de Injustice: Gods Among Us e Ponto de Ignição ou Crise nas Infinitas Terras. É interessante constatar a mensagem e o caráter de demonstração desses momentos não racionais de Bruce e Clark. O primeiro sonha com um mundo distópico. O segundo tem uma lição de vida dada pelo seu pai. Em cada sonho/delírio, um ritmo diferente: intenso, cheio de batalhas, esfeitos e com fotografia que lembra ambientes áridos. Já em outro cenário, um momento plácido, com contraste do branco da neve e as cores do figurino de Clark e o pai, com trilha sonora acompanhando a cena, não a compondo de maneira narrativa (os dois usos de música são ótimos, apenas estou destacando a caraterística de cada um). Snyder consegue fazer bem a captura das cenas de movimentação, mas como seus planos são curtos e o filme padece nas mãos da montagem, fica difícil dar um maior sentido a esses momentos, que possuem mais valor quando os analisamos no conjunto, o que muitas vezes pode terminar em floreios bobos para encobrir os erros do filme. Isso, porém, vai de espectador para espectador.

A batalha contra Apocalypse, momento grandioso e trágico do filme, mostra a remissão de Snyder em relação a alguns de seus cacoetes na decupagem das cenas. Embora eles ainda existam, aparecem em menor quantidade aqui e se diluem em meio ao trabalho de planos mais abertos, levando-nos para onde são delineadas as referências messiânicas em relação ao Superman, onde a trilha sonora então composta para a Mulher-Maravilha é tocada durante a batalha e intensifica o engajamento do espectador (nota para a entrada triunfal de Gal Gadot em uniforme), coroando a cena de uma forma que, dado o apelo emotivo da morte do Azulão (ligações com o quadrinho aparecem aqui) e pelo significado ligado à óbvia ressurreição do herói-Messias (com direito a intensidade da trilha sonora e maior contraste fotográfico nas cenas finais, recurso inteligente mas um pouco preguiçoso, já que o fator emotivo deveria ter mais peso através do roteiro) muitos dos problemas de finalização podem ser repensados.

Batman vs Superman: A Origem da Justiça é um filme que apela para a nossa nostalgia e quanto mais ligado aos quadrinhos for o espectador, mais afeiçoado ao filme, ao menos no aspecto de tratamento, ele será. Ficam alguns impasses em relação às motivações de Luthor e à interpretação cheia de maneirismos levada a cabo por Jesse Eisenberg, mas se pensarmos na medida de “reformulação” proposta pelo roteiro, esse tipo de Lex pode ser aceitável. Quanto às suas motivações há quem diga que existam sugestões delas no roteiro (elemento hipotético, portanto, se for assim, estamos diante de uma falha enorme de roteiro, já que roteirista não pode brincar de “encontre a motivação escondida“. Isso é a base de um enredo, deve ficar clara, não apenas sugerida) e há quem diga que elas simplesmente não existem. Para mim, o filme ensaia algumas demonstrações e outras são facilmente encaixadas pelas ações do jovem Luthor no decorrer da obra, mas é certo que faltou cuidado dos autores ao criarem o caminho vilanesco, que mais adiante resulta na polêmica (ou nas piadas) relacionas a Martha Kent.

Como se vê, BvS propiciou de tudo um pouco para o público. Não é à toa que se tornou um filme marcante para a DC, independente de suas falhas e acertos. Trata-se de um bom longa-metragem, é verdade. Mas com muito mais problemas do que deveria, alguns deles em um nível não aceitável para uma produção desse porte.

Batman vs Superman: A Origem da Justiça (Batman v Superman: Dawn of Justice) — EUA, 2016
Direção:
Zack Snyder
Roteiro: David S. Goyer, Chris Terrio, Bob Kane, Bill Finger, Joe Shuster, Jerry Siegel
Elenco: Ben Affleck, Henry Cavill, Gal Gadot, Amy Adams, Jeremy Irons, Jesse Eisenberg, Diane Lane, Laurence Fishburne, Holly Hunter, Tao Okamoto, Jason Momoa, Ezra Miller, Scott McNairy, Callan Mulvey, Lauren Cohen, Michael Shannon, Carla Gugino, Kevin Costner
Duração: 151 minutos.

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