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Crítica | Batman: Cruzado Encapuzado – 1ª Temporada

É assim que se usa nostalgia.

por Ritter Fan
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O anunciado retorno de Bruce Timm à uma série animada do Batman deixou todo mundo animado, mas as mudanças internas na Warner depois de sua aquisição pela Discovery trouxe incertezas sobre a produção que, depois, foi licenciada para o Prime Video em uma decisão que pode ter confundido muita gente, mas que desonera sob diversos aspectos a “dona da marca”, por assim dizer, que precisava e talvez ainda continue precisando passar por profundas revisões internas. No entanto, o que realmente importa é que Batman: Cruzado Encapuzado saiu do papel e a primeira temporada da série não só é uma lição de como se usar o Batman, mas também de como fazer da nostalgia um artifício embebido na narrativa e não, como é o padrão por aí, uma muleta para fãs apontarem o dedo para a tela a cada “referência”, esquecendo-se do que realmente importa.

A nova série do Homem-Morcego já diz a que veio em sua rápida sequência de abertura em preto e branco e música tema evocativa de Frederik Wiedmann que mostra sequências em uma Gotham City art-deco muito familiar para quem viu Batman: A Série Animada, mas com um Batman mais esguio e com uniforme que tira inspiração diretamente daquele criado por Bill Finger e Bob Kane em 1939, inclusive com aquelas clássicas luvas pequenas que, infelizmente, não são roxas como as originais. Além disso, vemos os nomes por trás da produção que, além de Timm, conta com J.J. Abrams, que entende muito bem de produtos pop, Matt Reeves, atualmente o “homem do Batman” no lado live-action, Ed Brubaker, um dos melhores roteiristas de quadrinhos mainstream responsável, dentre outras, pela célebre HQ Gotham Central (por aqui Gotham City contra o Crime ou Gotham: DPGC) e James Tucker, talvez o nome “menos conhecido”, mas que é um executivo que está por trás de praticamente todas as animações de personagens DC desde a série Liga da Justiça, de 2001, ou seja, um time de respeito.

Mas o que Cruzado Encapuzado faz além de situar a história na década de 40, como Dan Jurgens e Mike Perkins fizeram recentemente em Bat-Man: Primeiro Cavaleiro? Bem, para começo de conversa, a ambientação é um cruzamento perfeito entre a citada série noventista de Timm, que já contava com uma pegada retrô, com a década em que a narrativa se passa, sem que haja concessões para modernidades, a ponto de a batcaverna não ser mais do que um “porão” na Mansão Wayne cercada de fichários e estantes, com um bat-computador não passando de um quadro de vidro que Batman observa atentamente e onde ele faz anotações. No entanto, a principal ideia da série, pelo menos nesta primeira temporada, é que Batman é um ser misterioso que permanece nas sombras. Em começo de carreira, ele ainda não tem nem a experiência, nem a confiança dos personagens que sabemos que, em algum ponto, serão seus aliados, pelo que suas aparições são relativamente esparsas, com os roteiros dos 10 episódios focando muito mais em coadjuvantes e vilões do que no suposto protagonista.

Considerando o quanto o Batman é um personagem desgastado por seu uso constante pela DC e Warner ao longo das décadas, essa abordagem é, para mim, refrescante e um remédio perfeito para o “culto ao herói fantasiado” que é a regra hoje em dia. Sem Batman (Hamish Linklater) nos holofotes, o que Bruce Timm faz é trabalhar o Comissário James “Jim” Gordon (Eric Morgan Stuart), sua filha, a defensora pública Barbara (Krystal Joy Brown) e a detetive de polícia Renee Montoya (Michelle C. Bonilla) como os bastiões incorruptíveis em uma delegacia de polícia podre – a corrupção é eminentemente representada pelos asquerosos detetives Harvey Bullock (John DiMaggio) e Arnold Flass (Gary Anthony Williams) – em uma cidade podre, com o promotor público e candidato a prefeito Harvey Dent (Diedrich Bader) funcionando como o fiel da balança ao mostrar-se moralmente flexível em seu inevitável caminho na direção de tornar-se o Duas-Caras.

Duas-Caras, aliás, é o único vilão clássico que ganha uma temporada inteira para sua origem. Todos os demais ou já existem, como é o caso de Oswalda Cobblepot (Minnie Driver), o Pinguim desse universo, ou ganham origens em apenas um episódio, como a Mulher-Gato (Christina Ricci) ou, como no caso de Arlequina (Jamie Chung), que ganha motivações e origens completamente desconectadas do Coringa, é introduzida em sua forma “civil” em um capítulo e revelada como vilã em outro. E essa é a estrutura da série, ou seja, a de “vilão da semana”, com uma história única e recorrente por trás, o que permite manter a temporada sempre repleta de novidades, especialmente porque, mesmo com a ambientação nos anos 40, Timm faz uso tanto de personagens clássicos, em versões próximas às originais da época, caso do Cara-de-Barro (Dan Donohue), como de personagens modernos, como a citada Arlequina ou Onomatopeia (Reid Scott), que são, então, reinventados de acordo com a era em que a ação se passa, em um esforço criativo que merece aplausos. Confesso que, em alguns casos, teria apreciado mais lentidão nessas origens que por vezes parecem instantâneas demais, mas, no geral, tudo funciona mais do que a contento, com inteligentes mergulhos no sobrenatural, algo raro de se ver em relação ao Batman e, também, piscadelas referenciais muito bem sacadas como é a do episódio 8, Noturno, em que vemos não um, não dois, mas nada menos do que quatro (futuros ou não, depende do caminho que a série seguirá) sidekicks do Batman.

Mas o Batman/Bruce Wayne não é de forma alguma esquecido, mesmo que seu uso seja limitado pela escolha narrativa de Bruce Timm. Em Cruzado Encapuzado, além de ele ser jovem e ainda relativamente experiente, o lado detetivesco do personagem se sobressai em comparação com o lado atlético e/ou cheio de gadgets. Além disso, ele mostra não ter muito controle entre suas personas, por vezes “revelando-se” inadvertidamente, como acontece quando ele usa a “voz de Batman” como Bruce Wayne diante de Harvey Dent. No entanto, as duas melhores sacadas dos roteiros em relação ao herói e que se comunicam, vale dizer, é enquadrar o Bruce Wayne menino (Santino Barnard), depois da tragédia que o abateu, como um assustador mini sociopata que acorda Alfred Pennyworth (Jason Watkins) no meio da noite para dizer, em tom monocórdio, que quer se vingar de todos os criminosos e, no presente, fazer com que ele, já adulto, literalmente trate Alfred, na melhor das hipóteses, como um subalterno, seja pela total frieza em relação a ele que se materializa com mais constância pelo fato de Batman/Wayne chamá-lo pelo sobrenome, mas também por momentos em que ele realmente destrata seu mordomo/pai adotivo. É isso que cria o arco de personagem para o protagonista, ou seja, ele humanizando-se e entendendo que sua vida de vigilante só ficará mais difícil sem a ajuda de pessoas chave, começando por Alfred, claro.

Com trabalhos de voz estupendos mais uma vez, valendo especial destaque para Hamish Linklater que cria um Batman sem precisar arranhar suas cordas vocais, um design de produção nostálgico, mas cuidadoso, que chega até mesmo a se encaixar com a espetacular série animada dos anos 40 do Superman (aliás, a Lois Lane de lá aparece aqui) e que consegue recriar personagens clássicos tanto da época como modernos com perfeita fluidez e relevância, e uma animação competente mesmo que econômica, é perfeitamente possível afirmar desde já que Bruce Timm mais uma vez entregou uma versão memorável de Batman. Existe muito a ser explorado ainda e eu espero que a série, já renovada para uma segunda temporada, permaneça no ar com essa qualidade para bem além disso.

Batman: Cruzado Encapuzado – 1ª Temporada (Batman: Caped Crusader – EUA, 1º de agosto de 2024)
Desenvolvimento: Bruce Timm
Direção: Christina Sotta, Matt Peters, Christopher Berkeley
Roteiro: Jase Ricci, Greg Rucka, Adamma Ebo, Adanne Ebo, Ed Brubaker, Halley Gross, Marc Bernardin
Elenco: Hamish Linklater, Jason Watkins, Eric Morgan Stuart, Krystal Joy Brown, John DiMaggio, Gary Anthony Williams, Michelle C. Bonilla, Jamie Chung, Diedrich Bader, Bumper Robinson, Tom Kenny, Cedric Yarbrough, Roger Craig Smith, Grey DeLisle, William Salyers, Yuri Lowenthal, Corey Burton, Vincent Piazza, Jason Marsden, Santino Barnard, James Arnold Taylor, Kimberly Brooks, Christina Ricci, Reid Scott, Dan Donohue, Mckenna Grace, Toby Stephens, Minnie Driver, David Krumholtz, Haley Joel Osment, Paul Scheer, Jackie Hoffman, David Kaye, Jim Pirri, Peter Jessop, Kimberly Brooks, Jeff Bennett, Lacey Chabert, Donna Lynne Champlin, Juliet Donenfield, Amari McCoy, Carter Rockwood, Henry Witchter, SungWon Cho, Josh Keaton, Kari Wahlgren
Duração: 255 min. (10 episódios)

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