Eram tempos sombrios para o Homem-Morcego. Uma grande ironia, na verdade, pois o Morcego encontrava- se no limbo após ser ridicularizado no excessivo e cartunesco Batman & Robin, de Joel Schumacher. E para o reboot mais realista e maduro de Christopher Nolan, Batman era apenas reconhecido musicalmente por dois temas musicais: o da série de TV de Adam West composto por Neil Hefti e a icônica peça de Danny Elfman para os filmes de Tim Burton. Para servir à pegada mais sombria de Batman Begins, Nolan iniciava a gloriosa parceria com Hans Zimmer, além de contar com James Newton Howard.
A colaboração entre os dois era clara: Zimmer se concentraria na ação, enquanto Howard lidaria com os temas mais dramáticos. E antes de mergulharmos na análise da trilha em si, vale apontar a brilhante sacada da dupla ao batizar cada uma de suas faixas:
- Vespertilio
- Eptesicus
- Myotis
- Barbastella
- Artibeus
- Tadarida
- Macrotus
- Antrozous
- Nycteris
- Molossus
- Corynorhinus
- Lasiurus
Cada um desses atípicos nomes em latim referem-se a diferentes espécies de morcegos, e o observador mais persipcaz reparou que as iniciais das faixas 4 a 9 formam um nome… Enfim, apenas uma divertida brincadeira da dupla.
O estilo adotado aqui serve como um amálgama da própria personalidade dividida de Bruce Wayne, o que levou a dupla a um equilíbrio forte entre música clássica e eletrônica. O início de Vespertillio durante os logos iniciais já desperta com um som eletrônico absolutamente envolvente e sombrio, que remete diretamente ao som de uma capa sendo agitada ao vento, algo que vem a calhar nessa história de origem. Daí para frente, temos um expressivo uso de violoncelos e violinos. Ainda nesta faixa, temos o forte tema de sopros heróicos que acompanham a jornada de Bruce Wayne ao monastério de Ra’s Al Ghul. É uma música grandiosa que vai se construindo com uma nota forte de trompete e que evoca um senso de aventura épica fortíssimo, bem acompanhado pela percussão eletrônica.
O drama é um elemento que domina grande parte da produção, especialmente pelo trauma e formação de Wayne. Barbastella oferece uma peça triste e melancólica para o assassinato de Martha e Thomas Wayne – após uma apresentação imponente, mas que se move com toques de tragédia em Macrotus -, em uma combinação de cordas lentas, um leve coral infantil e notas delicadas de piano que ajudam o espectador a sentir a dor de Bruce em tornar-se um órfão. A faixa continua e acaba por tornar-se uma metáfora para todo o arco do personagem, aumentando a intensidade de sua percussão e retomando o tema épico de Vespertillio, para o momento em que um agora adulto Wayne revisita a caverna de morcegos, enfim abraçando as trevas.
Trevas é a próxima seção da trilha, que abraça esse caráter pertubador com Artibeus. É uma faixa bem experimental com estética abstrata e orgânica, formada a partir de sons distorcidos de cordas, sintetizadores e outros efeitos impossíveis de identificarmos. Ideal para a primeira atuação de Batman e seu considerável poder de intimidação em relação aos bandidos durante a captura de Falcone nas docas. Tadarida mantém esses elementos ao apresentar musicalmente o Espantalho, mas também abraça uma composição de cordas desesperada e trágica para as consequências do primeiro encontro entre o Cavaleiro das Trevas e o alterego de Jonathan Crane.
Quando entramos no campo da ação, Zimmer assume totalmente. A excelente Molossus é o tema central nesse quesito, aparecendo na perseguição do Batmóvel. É uma agitada percussão de batidas eletrônicas e tambores que vai construindo uma entrada de violinos maravilhosa e uma explosão de trompetes que grita bravura, certamente elevando o nível da cena e construindo uma espécie de padrão que seria fielmente seguido pelos próximos dois filmes – e, devo apontar, por outros compositores do gênero.
https://www.youtube.com/watch?v=-dGUdE1GoG4
Myotis e Antrozous seguem essa mesma estrutura durante as lutas de Wayne contra a Liga das Sombras: a primeira delas durante sua rebelião no monastério e a segunda durante o clímax em Gotham. Cada uma delas trazendo diferentes acordes que enfim se juntariam para formar o tema principal do herói (principalmente na nota alongada de trompete em Antrozous) que ouvimos propriamente nos créditos finais.
Pode não ser uma música que abrace a força do ícone como a de Danny Elfman, mas o trabalho de Hans Zimmer e James Newton Howard é perfeito para o tipo de filme que Christopher Nolan quis fazer, complementando de forma orgânica sua abordagem sombria e realista. E é algo repleto de personalidade e originalidade, que só ficaria melhor nos próximos exemplares.
Batman Begins: Original Motion Picture Soundtrack
Composto e conduzido por Hans Zimmer e James Newton Howard
Gravadora: Warner Bros. Records
Estilo: Trilha Sonora
Ano: 2005