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Crítica | Batman Begins

por Rafael W. Oliveira
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Antes de Christopher Nolan começar a se engajar no renascimento de Batman/Bruce Wayne nas telonas com este Batman Begins, era uma afirmação quase unânime que o personagem já não tinha tanto futuro nos cinemas. Afinal, os filmes de Tim Burton, apesar de competentes, estão longe de serem vistos como referência para os filmes de super-herói, além de que Joel Schumacher fez questão de levar o nome do personagem ao fundo do poço com Batman Eternamente e Batman & Robin, este último um fracasso tão grande que o próprio diretor foi obrigado a pedir desculpas públicas por ter realizado algo tão ruim. Além destes fatores, a personalidade amargurada e intimista de Bruce Wayne não parecia ter mais chances de encantar a plateia, que naquele momento se deixava fascinar por filmes de heróis que adotavam um estilo mais cartunesco e espetaculoso, como Homem-Aranha.

Nolan, porém, ainda acreditava no potencial do justiceiro noturno nas telonas, e após a excelente recepção de Amnésia, decidiu assumir a nova incursão do homem morcego nos cinemas, mas com uma nova proposta: jogar fora o conhecido passado de Bruce Wayne e recomeçar do zero, reinventando a origem do herói e construindo, com extrema atenção aos detalhes, toda a trajetória de Bruce Wayne para nos fazer compreender o porquê de um homem bilionário se vestir de morcego à noite para combater o crime.

Havia, é claro, o risco de gerar reclamações entre os fãs mais xiitas, que há muito desejavam ver a trajetória de Batman nas HQs ser recontada com fidelidade nas telas. Mas Nolan, mais preocupado em imprimir sua visão pessoal sobre o projeto, arriscou e reformulou não apenas a própria história de Bruce Wayne e seus traumas do passado, como também decidiu passar longe da fórmula batida dos blockbusters americanos, ignorando o uso excessivo de computação gráfica, pirotecnia e excentricidade visual. O Batman de Nolan é sombrio, realista e intimista, algo que suas incursões cinematográficas anteriores não chegaram nem perto de ser.

De fato, o roteiro de Nolan em parceria com David S. Goyer (de atrocidades como Blade Trinity, Jumper e Alma Perdida) concede uma atenção especial ao desenvolvimento de seus personagens, cada qual muito bem definido em cena. Tal preocupação em permitir que o espectador conheça cada figura na tela, no objetivo de acentuar o realismo, certamente causou impaciência entre os espectadores mais frenéticos, uma vez que Batman Begins é bastante calcado em diálogos, que carregam um profundo sentimento de reflexão e espirituosidade. Mas não há como negar o êxito de Nolan em se arriscar tanto, pois o resultado é um filme denso e sólido, com um protagonista complexo e fascinante, que é maravilhosamente bem dissecado por Nolan e Goyer.

Curioso notar que aqui, Bruce Wayne, diferente da maioria dos heróis, é inicialmente apresentado como um homem inseguro, emocionalmente instável, em busca do conhecimento sobre o lado cruel da vida que o cerca. Bruce é um sujeito com seus próprios ressentimentos e amarguras, mas que por meio deles, busca encontrar forças para fazer o que é certo por sua cidade, tendo como principal motivação a benevolência de seus pais para com Gothan City, uma cidade que aqui ganha ares sujos e escuros, repleta de corrupção e figuras moralmente duvidosas.

Há toda uma preocupação em permitir que o espectador, por mais fantasioso que isto possa parecer, compreenda os motivos que levam Bruce Wayne a assumir a identidade do homem morcego. Acompanhamos Bruce durante seu treinamento físico e emocional, e quando este toma a decisão de proteger sua cidade e livrá-la do crime, o espectador acredita naquilo, graças ao desenvolvimento cuidadoso da história. Há explicações racionais para tudo, desde a caverna que servirá de esconderijo para o herói, a fabricação do uniforme, o motivo do símbolo de Batman ser um morcego… Tal atenção meticulosa aos detalhes gera algumas consequências que certamente devem ter frustrado alguns, uma vez que temos poucas aparições de Bruce em seu uniforme, assim como um número reduzido de cenas de ação. Mas apesar de poucos, Nolan valoriza estes momentos ao máximo, elaborando sequências de ação que, se não grandiosas, ainda impressionam pelo ultrarrealismo que apresentam, e que não se resumem apenas a destruição em massa da cidade, pois também vemos Bruce se machucando e apanhando, e acordando com o corpo repleto de hematomas e machucados, o que é mais um fator que acentua o realismo da produção.

Nolan também se sai extremamente bem na condução do elenco, cada qual criando características próprias para seus personagens. Christian Bale se firma como o intérprete definitivo de Batman/Bruce Wayne, emprestando todo o seu charme típico de um galã bilionário, mas assumindo toda a amargura e dor do homem morcego quando necessário, o que apenas comprova a versatilidade de Bale, que já havia nos surpreendido com caracterizações viscerais em filmes como Psicopata Americano e O Operário. O veterano Michael Caine interpreta o sábio e paternal mordomo Alfred com uma naturalidade maravilhosa, onde cada diálogo proferido por ele é capaz de causar comoção no espectador. Liam Neeson, apesar do pouco espaço em cena, confere veracidade a Henri Ducard, mentor de Bruce em seu período de treinamento; Katie Holmes, uma atriz geralmente insossa, convence como a audaciosa e corajosa Rachel Dawes, que vai além do mero estereótipo da mocinha em perigo que se torna o interesse amoroso do herói; Gary Oldman dispensa elogios como o tenente Jim Gordon, e Cillian Murphy está perfeita e sutilmente ameaçador como o psiquiatra corrupto Jonathan Crane. Há ainda participações discretas, mas indispensáveis de Morgan Freeman (que viria a ganhar mais espaço nos filmes seguintes), Tom Wilkinson (sempre ótimo) e Rutger Hauer.

Se Batman Begins peca em algo, é apenas na falta de um vilão forte e que consiga marcar presença em cena, tal qual foi o Coringa de Jack Nicholson e o Pinguim de Danny DeVito nos filmes de Tim Burton. Mas é uma falta pequena diante do feito alcançado por Nolan aqui, que não apenas fez Batman ressurgir das cinzas com eficiência, mas também imprimiu um novo conceito no estilo dos filmes de super-heróis, fazendo com que seu realismo tenha se tornado referência para diversas produções futuras.

Batman Begins (idem, EUA, 2005)
Roteiro: Christopher Nolan, David S. Goyer
Direção: Christopher Nolan
Elenco: Christian Bale, Michael Caine, Morgan Freeman, Liam Neeson, Katie Holmes, Gary Oldman, Cillian Murphy, Tom Wilkinson, Rutger Hauer, Ken Watanabe, Michael Boone Jr.
Duração: 134 min.

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