Home QuadrinhosOne-Shot Crítica | Batman: Barro Mortal (Anual #11 – 1987)

Crítica | Batman: Barro Mortal (Anual #11 – 1987)

Fluxo de consciência.

por Luiz Santiago
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Alan Moore tem uma habilidade extraordinária na criação de roteiros com fluxo de consciência. Sua exposição de uma problemática num espaço-tempo indefinido e com pontos de vista inesperados geram as mais interessantes histórias, especialmente no campo dos super-heróis, que não têm uma linha tão frequente de aventuras com essa qualidade narrativa. Em Barro Mortal (Mortal Clay), história que compõe o décimo primeiro anual da revista Batman, todos esses ingredientes são adicionados a uma trama de delírio e solidão, onde o Cara-de-Barro III (Preston Payne), se apaixona por uma manequim de loja e narra para o leitor as fases de seu “relacionamento”, com todos os momentos felizes e o ponto a partir do qual “tudo mudou“.

É o tipo de texto inesperado, porque não coloca o herói no centro das atenções e não trata a problemática do vilão como algo a ser imediatamente combatido, impedido, sanado. Até porque, o autor está interessado em mostrar Preston Payne agindo e vivendo para além de suas atitudes violentas e assassinas. É, portanto, um roteiro que utiliza um ponto de vista incomum para mostrar a mente bizarra do personagem, o fato de acreditar que está em um relacionamento e fazer de tudo para recuperar a manequim — ou mantê-la perto de si. No texto, o fluxo de consciência é uma arma poderosa para contar esse tipo de história, porque nos traz informações e atitudes com muita desconfiança, mas ao mesmo tempo, com a veracidade de ter em cena o personagem que, em tese, fará algo ruim.

Nesse processo, vemos o sofrimento de alguém e uma mente doentia ganhar camadas impensáveis em uma história em quadrinhos, mesmo com a sua simplicidade temática. O tempo escolhido também cumpre um ótimo papel no desenvolvimento, já que o início e o fim estão interligados, e o miolo da história serve de “trama principal em flashback“, escondendo o Batman pela maior parte do tempo e fazendo, inclusive, a sua participação ser um pouco diferente do que se esperava, especialmente na ajuda que oferece ao Cara-de-Barro, e a revelação da cena de abertura da história, com Preston Payne assistindo TV e reclamando da mudança de comportamento da “esposa”, como um velho resmungão casado há tempos ou simplesmente muito infeliz no casamento.

Não vejo o trabalho visual de George Freeman ganhar relevância nas cenas de enfrentamento entre o herói e o vilão, mas gosto muito da forma como ele compõe os quadros de introdução do Morcego, do antagonista ou mesmo do Comissário Gordon. O roteiro cria um suspense digno de uma trama policial aqui, de modo que o leitor fica procurando pistas ou tentando localizar este ou aquele personagem escondido. Os quadros de composição plural (como os dessa página que utilizo em destaque, na crítica) são os melhores da revista. No geral, o desenhista faz um bom trabalho, mesmo que não seja fortemente marcante.

Em Barro Mortal, Alan Moore não está preocupado em analisar o vilão, apresentar justificativas ou atenuantes para o crime cometido. A história é uma viagem pelas ações de um indivíduo com claros problemas mentais, o que acaba gerando complicações para a sociedade e para pessoas que eventualmente cruzam as desconhecidas linhas do aceitável na concepção dessa loucura. Vista por este lado, é uma trama intensa e com um potencial alto de complexidade para discussão temática ou simbólica. A exposição do Cavaleiro das Trevas, o destino do vilão e a abordagem para a execução da lei também se destacam pelo caminho diferente que tomam. É aquela velha ideia de que não precisamos de coisas épicas ou muito cifradas em um roteiro para que o resultado seja de alto nível. Traçar um enredo simples, mas talhado com diálogos ou monólogos coerentes com a proposta e guiar a aventura na linha do inesperado é o suficiente para impressionar. E se pensarmos bem, isso diz muito (e negativamente, convenhamos) sobre a qualidade geral das histórias em quadrinhos no mundo dos super-heróis, não é mesmo?

Batman: Barro Mortal (Batman Annual #11: Mortal Clay) — EUA, junho de 1987
Roteiro: Alan Moore
Arte: George Freeman
Arte-final: George Freeman
Cores: Lovern Kindzierski
Letras: John Costanza
Capas: Ed Hannigan, John Byrne
Editoria: Len Wein
No Brasil: Editora Abril (Batman 2ª Série – n°6, 1988), Editora Panini (Grandes Clássicos DC n°9, 2006), A Saga do Batman, 1ª Série – n°1 (Editora Panini, 2021), Editora Panini (Universo DC Por Alan Moore, 2022)
Tradutores: Estúdio Artecômix, Jotapê Martins
25 páginas

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