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Crítica | Batman Absoluto (Absolute Batman) – Vol. 1: O Zoológico

Um novo universo, um não tão novo Batman.

por Ritter Fan
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O novo Universo Absoluto da DC Comics, que oferece versões alternativas de seus personagens mais famosos, vem quase um ano depois do começo do novo Universo Ultimate da Marvel Comics, ambos com exatamente o mesmo conceito: eventos no universo principal das editoras, mais exatamente, no caso da DC, aqueles vistos na minissérie Poder Absoluto e no one-shot DC All In Special levaram à criação de um novo universo a ser explorado em continuidade própria, quase que completamente autocontida. Claro que ambos experimentos foram inspirados no bem-sucedido primeiro Universo Ultimate da Marvel Comics, iniciado em 2000 (e oficialmente encerrado em 2015, com Guerras Secretas) com a ótima proposta de oferecer aos leitores uma experiência desonerada de décadas e décadas de continuidade confusa e, francamente, ininteligível para qualquer ser humano normal. No entanto, nos novos universos das duas editoras, houve a manutenção da conexão com os respectivos “universos base”, ainda que, pelo menos no começo, as abordagens sejam independentes.

A primeira HQ do Universo Absoluto é, como não poderia deixar de ser, dedicada ao Batman, com as duas seguintes sendo voltadas para a Mulher-Maravilha e para o Superman, com diversas outras a caminho, como Flash, Lanterna Verde e Caçador de Marte. E, também como não poderia deixar de ser, Batman Absoluto é a primeira a chegar ao fim de seu primeiro arco, composto das seis edições iniciais que foram lançadas com toda a pompa e circunstância possível, o que significa dizer, basicamente, com uma enxurrada quase infinita de capas alternativas e um número semelhante de reimpressões, pois não há nada mais lucrativo nos quadrinhos lançados nos EUA do que os famigerados primeiros números de uma nova série mensal. Com roteiro de Scott Snyder, que retorna ao Cruzado Encapuzado depois de algum tempo distante do personagem, e com arte de Nick Dragotta (e de Gabriel Hernández Walta somente na edição #4), a proposta é criar uma nova e completamente diferente versão do Batman, uma que subverte expectativas e conceitos, ainda que, com a Marvel e DC explorando com força o multiverso (e metaverso, omniverso, seja lá o nome que quiserem dar) especialmente nas últimas duas décadas e meia, essa seja uma tarefa bastante complicada.

E, para já tirar o curativo de uma vez só, o novo Batman não é exatamente novo, pois tudo o que conhecemos dele continua ali, intocável e mesmo as mudanças em tese radicais não geram mudanças reais no comportamento do personagem. O maior exemplo disso é que Bruce Wayne, nessa nova realidade, não é um multibilionário, o que poderia ser interessante se ele, mesmo assim, não tivesse todo os gadgets que nos acostumamos à sua disposição, de traje à prova de balas, passando por um Batmóvel que faria o Tumbler fugir de vergonha e não uma, mas várias batcavernas e variações dela espalhadas por Gotham City. Tudo o que Snyder conseguiu com essa suposta subversão de premissa é fazer o leitor indagar como diabos um fulano normal (ainda que geninho) consegue dinheiro para fabricar sozinho o que ele precisa para lutar contra o crime em sua cidade? E não, não há explicações mirabolantes, apenas um pedido veemente de Snyder nas entrelinhas que aceitemos essa situação como ela se apresenta sem pensarmos muito nela para não dar dor de cabeça. É pedir muito? Sinceramente, tenho para mim que não. Dá para levar na boa. A única coisa que me cansa é essa “venda” com base em premissas diferentes que não são diferentes coisíssima nenhuma.

Ficou muito evidente já pelas imagens de divulgação e mais ainda pela leitura do primeiro arco que a grande inspiração de Snyder foi, mais uma vez, o Batman envelhecido que Frank Miller imortalizou em seu seminal O Cavaleiro das Trevas, com a diferença que, aqui, Bruce Wayne é um jovem de 20 e poucos anos e não tem onde cair morto (a não ser que seja dentro do Batmóvel ou de uma de suas batcavernas, claro). Snyder pegou os exageros de Miller – novidades na época, obviamente, que, depois, acabaram se tornando o padrão da abordagem do herói, para o mal ou para o bem – e enxertou os seus próprios famosos exageros, pegando inspirações de outras versões do Batman ao longo dos anos, criando, com isso, um Cruzado Encapuzado de tamanho 5XXL, que continua não matando, ainda que não se importe em decepar mãos, e que conta com um traje que tem espetos retráteis saindo das costas, um símbolo do morcego no peito quase retangular que se transforma em um machado (sim, um machado!) e, aí sim eu considero uma jogada realmente original, uma capa que não é exatamente uma capa, mas sim um tecido com estrutura rígida (ou algo do gênero) que emula as asas de um morcego, permitindo que o super-herói faça uso mais variado desse apetrecho, por diversas vezes emulando o mamífero voador como a arte de Dragotta faz questão de didaticamente mostrar sempre que tem uma oportunidade.

Em termos de história, o que se coloca é que Batman, apesar de já existente, ainda está no começo de sua carreira e é algo como uma lenda urbana ainda, mais ou menos na linha de Batman: Ano Um ou Batman: Terra Um, só que com o herói já extremamente eficiente em sua “arte” e cheio de seus gadgets, ou seja, sem um verdadeiro arco de desenvolvimento do personagem em começo de carreira. A primeira grande ameaça que ele enfrenta é uma gangue com máscara de crânio de macaco batizada de Animais de Festa que toca o terror na cidade de maneira aparentemente aleatória e sem objetivo, mas que está, na verdade, obedecendo ordens do Máscara Negra, que ganha uma interessante e (ainda mais) sinistra repaginada nesse novo universo. Essa situação insustentável começa a afetar sobremaneira as chances de reeleição do prefeito James “Jim” Gordon, com o Comissário de Polícia Harvey Bullock basicamente impotente diante dos ataques. Batman começa a enfrentar a gangue e, ao mesmo tempo, o mercenário/agente secreto/guerreiro Alfred Pennyworth retorna à cidade sob ordens de uma organização que permanece sem nome para reunir dados sobre as ações do Máscara Negra e, de quebra, também sobre o Batman e, nesse processo – inclusive, vale dizer que a narração inicial é de Alfred – o mordomo-em-outro-universo começa, de seu próprio jeito, a afeiçoar-se pelo Batman cuja identidade secreta ele quase que imediatamente descobre e inicia “conversas”.

Outra peculiaridade dessa versão do querido, mas bastante perturbado personagem quiróptero, é que ele é amigo de infância dos principais membros da clássica galeria de vilões de sua contrapartida do universo principal DC, mantendo o hábito de encontrar-se com eles constantemente já adulto para jogar pôquer, beber e trocar ideias. Com isso, de uma tacada só, somos apresentados às versões deste universo de Selina Kyle, Waylan Jones, Oswald Cobblepot, Edward Nigma e Harvey Dent antes de eles se tornarem o que quer que Snyder planeja que eles se tornem, sejam vilões, mocinhos ou qualquer coisa entre esses dos polos. O Coringa também é apresentado, vale dizer, mas ele fica nas sombras e não tem relação alguma, no momento, com Bruce Wayne, ainda que sua característica de vilão já seja mais do que evidente. E, como se tudo isso não bastasse, Snyder ainda faz questão de pegar a objetiva, mas incrivelmente impactante origem do Batman – pais assassinados na sua frente saindo do cinema – e reimaginá-la como uma complexa, longa e consideravelmente menos poderosa narrativa paralela que é contada aos pedaços ao longo das três primeiras edições e que justifica o título do volume, ganhando destaque quase exclusivo na quarta, a única desenhada por Gabriel Hernández Walta que, desconfio, foi enxertada no arco posteriormente, em razão do sucesso absoluto (he, he, he) da publicação, já que era para ele ser originalmente composto de apenas cinco edições.

No lado artístico, é inegável que Nick Dragotta imbuiu-se do espírito de Scott Snyder – somados aos de Frank Miller, Zack Snyder (sim, o cineasta) e, diria, até mesmo de Rob Liefeld, só que elevados à décima potência – e materializou, nas páginas da HQ, tudo aquilo que o roteirista imaginou fazer com sua nova versão absurdamente exagerada e quase cartunesca do Batman. Mas não se deixem enganar com minhas comparações jocosas, pois Dragotta faz seu trabalho muito bem, mostrando domínio da progressão narrativa, cuidado na recriação dos personagens clássicos (o novo Alfred merece destaque aqui) e diversos momentos em que ele faz excelente uso de páginas inteiras explosivas e, também, de divisão em quadros que favorecem a história sendo contada. Walta, por seu turno, oferece uma versão bem diferente do que Dragotta faz, algo que até me fez parar para pensar direito no que estava acontecendo na quarta edição, já que seu estilo mais cru lembra, por exemplo, o de Paul Pope, e se justifica por ele contar eventos que se passam antes ainda do que vemos transcorrer na narrativa central, abrindo espaço para um Batman que, digamos, parece um ser humano forte, mas normal, e não uma montanha de músculos que se assemelha mais ao Bane fazendo cosplay de seu inimigo.

No final das contas, Batman Absoluto não oferece um Batman assim tão diferente quanto poderia ser e nem sua história subverte de verdade os conceitos tradicionais. Trata-se de mais uma versão das dúzias (centenas???) de Batmen existentes, versão essa que é muito evidentemente uma amálgama das mais badaladas versões dos personagens colocadas em um liquidificador com doses generosas de anabolizantes, de exageros bobos tipicamente hollywoodianos que Scott Snyder sempre foi craque em usar e, claro, de muito, mas MUITO preparo. Não é uma revolução para o personagem em particular ou para os quadrinhos em geral, mas é inegavelmente uma leitura divertida.

Batman Absoluto – Vol. 1: O Zoológico (Absolute Batman – Vol. 1: The Zoo – EUA, 2024/25)
Contendo: Absolute Batman #1 a 6
Roteiro: Scott Snyder
Arte: Nick Dragotta, Gabriel Hernández Walta (#4)
Cores: Frank Martin
Letras: Clayton Cowles
Editoria: Sabrina Futch, Katie Kubert, Chris Conroy
Editora: DC Comics
Data original de publicação: 09 de outubro, 13 de novembro e 18 de dezembro de 2024; 08 de janeiro, 12 de fevereiro e 19 de março de 2025
Páginas: 176

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