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Crítica | Batman: A Era Sombria

Bruce Wayne delinquente.

por Ritter Fan
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Depois de contar uma história de esperança com um Homem de Aço de outro universo como protagonista em Superman: A Era Espacial, publicado nos EUA entre o final de 2022 e o começo de 2023 e por aqui em um encadernado único de julho de 2023, Mark Russell e Mike Allred não perdem tempo e retornam à mesma premissa e inventividade – não posso dizer que é o mesmo universo, pois tecnicamente não é – para recontar a origem de um Batman de outra Terra, desta vez, claro, com uma pegada sombria e desesperançosa em Batman: A Era Sombria (minha tradução livre de Batman: Dark Age, que rima com o título em português da HQ do Superman). É muito interessante, logo na largada, reparar o contraste em os títulos e entre as pegadas narrativas e até mesmo as cores de Laura Allred, com tudo o que remetia à luz, dignidade e inocência na primeira graphic novel passa a referenciar trevas, corrupção e desonestidade aqui.

Com uma narração que são reminiscências de um Bruce Wayne idoso, internado em uma clínica, que é A mudança mais importante na conhecida história de origem do Batman é que, aqui, no lugar de testemunhar o assassinato de seus pais pelas mãos de um bandido qualquer quando os três saíam de uma sessão de cinema, Bruce Wayne fica em casa quando a tragédia ocorre, tragédia essa que não é aleatória, mas sim oriunda dos primeiros atos criminosos de uma versão mais sinistra da Sociedade da Face Falsa, grupo vilanesco antigo na mitologia do Homem-Morcego. O trauma da perda dos pais, portanto, é relativizado, algo que se torna ainda menos importante na vida do jovem Bruce, pois sua própria vida ser ameaçada pelos vilões, com Alfred passando a literalmente defendê-lo fazendo vigília armada em frente à porta de seu quarto. Isso atrasa o surgimento do Batman, com Bruce primeiro tornando-se um delinquente que usa seus privilégios de herdeiro de uma fortuna para nunca realmente sofrer as consequências de seus atos, até que, um dia, a coisa muda e ele, em um acordo para comutar sua sentença, é enviado para lutar na Guerra do Vietnã (se não mencionei antes, menciono aqui: a história começa nos anos 60, com Bruce já adulto e os eventos dele criança e adolescente se dão entre os anos 40 e 50, seguindo a mesma linha da HQ do Superman.

É no Sudeste Asiático, então, treinado ao lado de, dentre outros, Oliver Queen, para fazer parte de forças especiais pelo Coronel Ra’s Al Ghul – em uma clara referência ao Coronel Kurtz, de Marlon Brando, em Apocalypse Now -, que as primeiras sementes do Batman são plantadas, com a germinação ocorrendo quando ele retorna a Gotham City e precisa enfrentar a diretoria corrupta e ambiciosa da Wayne Enterprises cujo presidente é ninguém menos do que o Pária, em uma inserção da linha narrativa de Crise nas Infinitas Terras – parte importante de A Era Espacial, não podemos esquecer – que reputo não só estranha, como, em última análise, forçada e sem objetivo claro para além de criar essa conexão macro com a graphic novel anterior. Se o trabalho narrativo envolvendo a saga em questão deixa muito a desejar aqui, o mesmo não pode ser dito do uso do Superman e de outros personagens da Liga da Justiça.

Diferente de A Era Espacial, que tem como seu ponto fraco justamente o foco indevido que é dado ao Batman em determinado ponto, em A Era Sombria os personagens que não gravitam eminentemente ao redor de Bruce Wayne e de seu alter ego com uniforme de morcego têm apenas pequenas pontas completamente não intrusivas que  existem, apenas, para deixar claro que Batman opera em um mundo repleto de outros super-heróis. Russell, ao deixar os membros da Liga como detalhes narrativos que colorem, mas não interferem na história, abre espaço para ele lidar, de seu próprio modo, não só com parte da famosa Galeria de Vilões do Batman, notadamente a máfia local e o Coringa, como também com a bat-família, especialmente a Mulher-Gato (já podemos considerá-la como parte da família, não é mesmo?), Robin e Batgirl, nessa ordem. Diria que não é espaço suficiente para o tipo de desenvolvimento que era necessário, pois é sensível que o roteiro teve que correr para fechar as pontas de maneira satisfatória na história contada pelo Bruce Wayne idoso que ganha um “final surpresa” muito interessante que ecoa os eventos finais da história do Superman em A Era Espacial.

Novamente, a peculiar arte de Mike Allred é um grande destaque e uma verdadeira maravilha em termos de criatividade visual. Seu trabalho talvez não seja apreciável de imediato por quem nunca antes viu algum outro trabalho dele, mas, pessoalmente, gosto muito de seus traços ousados, rostos com olhos de expressividade sempre entristecida e a forma como ele lida com sequências de ação. Se em A Era Espacial, o desenhista soube captar à perfeição o tom de um roteiro que resgata a essência nobre do Superman, em A Era Sombria ele consegue materializar a angústia de um Bruce Wayne que consegue ser mais complexo ainda do que o original e de um Batman “tardio” que existe primordialmente para lutar contra a própria empresa erigida por seu pai. Tenho problemas aqui e ali com alguns de seus arroubos criativos, como o uniforme mais tático do Batman no início (depois muda e fica bem melhor, ganhando até uma rara versão completamente preta) ou o tenebroso uniforme original de Robin, que mais parece uma fantasia de Escola de Samba. Mas são pecados menores em uma arte de outra maneira sólida, com as belíssimas cores de Laura Allred.

Batman: A Era Sombria é mais uma fascinante reimaginação do mito do Batman que o aproxima mais de uma versão realista do herói, mesmo que os visuais do casal Allred contribuam para o lado mais fantasioso, gerando um bom equilíbrio. Mark Russell acerta novamente em seu roteiro ousado e na criação de seu muito próprio e diferente multiverso. Resta agora torcer para que equipe retorne à proposta para trabalhar os demais heróis da DC que vemos tão rapidamente nas páginas em que a Liga da Justiça aparece.

Batman: A Era Sombria (Batman: Dark Age – EUA, 2024)
Contendo: Batman: Dark Age #1 a 6
Roteiro: Mark Russell
Arte: Michael “Mike” Allred
Cores: Laura Allred
Letras: Dave Sharpe
Editoria: Jillian Grant, Brittany Holzherr, Paul Kaminski
Editora original: DC Comics
Datas originais de publicação: 26 de março, 23 de abril, 28 de maio, 24 de julho, 28 de agosto e 13 de novembro de 2024
Páginas: 264

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