Episódio e Temporada
Leiam as críticas dos demais episódios de Bates Motel aqui. E leiam as críticas para as várias versões de Psicose de Hitchcock aqui.
Bates Motel é uma série que propositalmente brinca com a nossa percepção das coisas, frustrando, no sentido positivo, todas as nossas expectativas do que pode ser um ato, uma representação de um momento clássico, um final de temporada. A série também se caracteriza pela coragem de dar um passo atrás (e ao mesmo tempo, muitos à frente), fazendo-nos pensar que nem sempre o espetáculo épico é o motivo ou modelo certos para colocar fim a um ciclo. A sutileza e a ausência de palavras pode significar muito mais.
Durante esta 4ª Temporada tivemos essa ideia difundida pelo menos mais uma vez, em Refraction, capítulo que disse muita coisa a respeito de Norman, mas de uma maneira plácida, trazendo símbolos, cores e entrelinhas para dar conta de algo muito maior do que aparentava. Esta mesma coisa pode ser vista aqui no finale deste ano. Havia muita espera pelo que poderia acontecer após a morte de Norma no episódio anterior, evento que ainda deixava muita gente em dúvida sobre a veracidade ou não da morte. Em adendo, pontas soltas deveriam ser amarradas ou ao menos tocadas nesse final, para que uma parte da roda de azares se completasse e ficássemos prontos para o ano final da série.
Com roteiro de Kerry Ehrin e direção de Tucker Gates, Norman é um episódio poderoso, macabro, com muito mais terror declarado do que em todo o restante da temporada (aqueles olhos arregalados dará muito pesadelo em fãs ao redor do mundo), mas ao mesmo tempo em que é tudo isto, Norman é um episódio dissimulado, um pouco indeciso, reticente e impiedoso, exatamente como a pessoa que presente destacar. Todas essas características são extremamente positivas para o capítulo, embora gere um certo vazio no espectador, pelo “abandono precoce” ao final do episódio, que qualquer um pediria que tivesse pelo menos uma hora de duração. Ver mais desse novo mundo “com Norma, mas sem Norma” passou a ser parte da nossa compulsão também. Enfim, a ‘Escola Norman Bates Para Espectadores Macabros’ obteve um resultado massivo de vazio existencial generalizado, capaz de gerar reações coléricas, xingamentos e objetos jogados em pessoas ou telas.
Podemos dizer que o final dessa temporada foi insanamente coerente com a proposta do ano, e nada mais cabível do que termos trilha sonora lembrando motivos de Bernard Herrmann e direção de fotografia + direção empenhados em utilizar de maneira precisa e referencial o espaço da casa e do hotel como motivos dramáticos também, algo que me lembrou muito o episódio dirigido por Nestor Carbonell, There’s No Place Like Home. Os personagens centrais estavam lá, os problemas paralelos levantados estavam lá e a ligação destes pontos com o cenário onde Norman está em luto-de-negação-desesperada pela mãe é feita com simplicidade, sem artifícios intricados e perigosos do roteiro e com uma câmera sempre em movimento, tornando a montagem uma bela peça de continuidade, fazendo de Norman um fluxo incessante de coisas que não temos certeza para onde vai, até chegar ao final.
Marcado por uma fotografia e arte que tomaram por princípios representativos de emoções e distúrbios tons frios melancólicos (preto e azul) e térreos (marrons), com nuances de cenário, objetos e figurinos que variam um pouco ao longo das cenas, entre o ambíguo, como o verde bolor que ocupa a sala de preparação facial de Norma ou a tonalidade um pouco mais amarelada da casa na última cena (coberta de sombras em pontos afastados da câmera), com o retorno “para sempre e sempre” de Norma, que está ao piano e recebe o filho com alegria. Se era preciso alguma coisa para fixar a relação de Norman com o que ele vê ou ouve (perceberam que Juno também voltou?) para a próxima temporada, este final deixou bem claro como será.
O que mais me impressionou em todo este ano de Bates Motel foi a erudição que tomou conta da série, formulando representações perfeitas da psique de Norman através de seu ambiente, das pessoas que o cercam e de como, em inúmeros meios e motivos, podemos ter conhecimento de quem ele realmente é. Entendemos parte de seu passado, o início do trauma, as memórias de infância às quais ele se apega para justificar a presença da mãe, indícios do por quê das indicações incestuosas, indícios do ódio e ao mesmo tempo amor que um nutria pelo outro… Toda a justificativa para que o psicopata se estabelecesse e passasse a agir dentro de um parâmetro que sabemos muito bem como será (novamente!) diagnosticado em pouco tempo.
Freddie Highmore repete o verdadeiro show de atuação neste episódio, entregando uma representação emotiva e ao mesmo tempo maléfica, cúmplice de sua própria maldade — sempre quando se refere a Romero — e que transita de forma natural entre as muitas possibilidades dessa emoção à flor da pele. Eu disse isso no início da temporada e repito aqui: se esse rapaz não for ao menos lembrado nas indicações de prêmios de TV este ano, a indústria estará cometendo (mais uma) grande injustiça.
Tendo The Vault, Unfaithful e Forever como seus melhores episódios e nenhum capítulo que podemos classificar como ruim ou filler, a 4ª Temporada de Bates Motel nos deixa totalmente prontos para uma piora progressiva de Norman, que certamente deve contar com discussões mais frequentes com a mãe, que deverá adotar uma postura mais dominadora e sufocante, chegando àquele estágio que conhecemos em Psicose. 2017 parece agora uma eternidade.
Bates Motel (EUA, 2016)
Direção: Tucker Gates
Roteiro: Kerry Ehrin
Elenco: Vera Farmiga, Freddie Highmore, Max Thieriot, Olivia Cooke, Nestor Carbonell, Jay Brazeau, Ryan Hurst, Alison Matthews, Molly Price, Enid-Raye Adams, Sarwan Badesha, Graeme Duffy, Wolfgang Klassen
Duração: 42 min.