A década de 1990 foi bastante promissora para projetos envolvendo tecnologia, ponto de partida para muitas inovações que ainda hoje são uteis para o nosso cotidiano. Internet, celulares, computadores, softwares, vendas realizadas presencialmente que se tornaram possíveis por meio da virtualidade. Muitas coisas positivas, com alguns impactos negativos, afinal, tendo o fator humano envolvido, torna-se complicado prever uma horizontalidade na dimensão dos resultados desta interação. Lançada em 2021, Batalha Bilionária: O Caso Google Earth é uma minissérie em quatro longos capítulos, focada em radiografar os desdobramentos de um projeto do período que rendeu debates até recentemente: o suposto roubo da valiosa estrutura do software Terravision, concebido pela equipe dos alemães Carsteen Schleiter e Juri Muller, interpretados por Leonard Scheicher e Marius Ahrendt na fase mais jovem e por Mark Waschke e Misel Maticevic na fase mais madura, respectivamente. Segundo os envolvidos no processo judicial apresentado pela produção, um indivíduo teria recebido informações demais sobre a iniciativa e projetado algo semelhante no território Google, dominante na seara da tecnologia, como nós todos sabemos.
Com direção de Robert Thalheim, também responsável pelo roteiro, juntamente com Oliver Ziegenbalg, Batalha Bilionária: O Caso Google Earth aborda indivíduos acossados pelo esquema predatório das corporações gigantescas. Vítimas da falta de experiência, algo que culminou na empolgação excessiva e, consequentemente, na entrega de informações demais diante de um software com potencial econômico grandioso, contemplamos a briga destas figuras ficcionais, inspiradas em idealizadores da vida real, impactados pela maneira como tiveram uma brilhante ideia tomada de assalto. Em duas linhas temporais, a narrativa mantém um paralelo entre os anos 1990, era de imersão nas ideias, idas e vindas, criação de protótipos, testagem com o público, reunião com patrocinadores, dentre outras questões para todos os envolvidos na dinâmica de um projeto, trafegando pela atualidade, com a dupla de fundadores da ART+COM nos tribunais, a exigir o que é de direito, pois foram os criadores do software.
Em resumo, o Terravision se baseava em imagens aéreas e de satélites para criar uma representação visual de dados espaciais de um projeto. Manipulando um globo e com o botão de zoom, a pessoa que decidisse interagir com o software via imagens concebidas numa sequência contínua, partindo do espaço até chegar a qualquer parte do planeta. Assim, em feiras, encontros e ao encontrar diversas pessoas pelo caminho, os idealizadores acabaram dando informações demais sobre algo tão inovador, abrindo precedentes para que outros interessados em tecnologia copiassem as suas ideias e levassem para outro lugar, onde elas seriam mais desenvolvidas e transformadas em projeto inovador no campo em questão, sempre em frenético movimento. Sem didatismo que atrapalhe o seu avanço enquanto entretenimento, a minissérie investe em episódios de duração excessiva, mas ainda assim, consegue manter um ritmo interessante.
Os personagens são esféricos, algo que contribui para a qualidade do texto. Em sua dinâmica, podemos observar a realidade enfrentada por muitas startups, destroçadas covardemente por grupos dominantes na lógica tecnológica capitalista, conhecidos por usurpar a inovação alheia e colocar, com trunfo, as suas violentas assinaturas. Ingênuos, os protagonistas da minissérie tinham interesse financeiro no jogo, mas também eram idealistas, interessados em mudar o mundo de alguma forma, bem como suas vidas, tornando-se heróis do campo tecnológico. Como lições valiosas, a produção nos permite refletir sobre engajamento no trabalho em equipe, além de reforçar que informações de teor valioso precisam de tratamento sigiloso, ao menos até se tornarem consolidadas mercadologicamente. Compartilhamento de detalhes fora do âmbito dos envolvidos no projeto pode acarretar numa estressante jornada de perdas, não apenas financeira, mas de tempo, um bem precioso em nossa contemporaneidade agitada.
Além das discussões judiciais que permitem o estabelecimento de um bom roteiro, Batalha Bilionária: O Caso Google Earth apresenta aspectos estéticos bem desenvolvidos: a direção de fotografia de Henner Besuch aproxima os personagens da tela em momentos de intensidade dramática, assim como se afasta para contemplar os espaços concebidos pelo design de produção de Myrna Drews, essencial para compreendermos os contextos por onde os programadores e artistas do projeto Terravision pavimentam as suas caminhadas tecnológicas. Na textura percussiva imersiva, a dupla formada por Anton Feist e Uwe Bossenz concebe uma malha sonora envolvente, de acordo com os conflitos expostos ao longo de cada situação tensa e intensa dos quatro episódios da produção. Ademais, Frank Kaminski, responsável por supervisionar os efeitos visuais, também faz um trabalho eficiente e assegura, para a minissérie, o ritmo visual ideal para entendermos a confluência das duas linhas temporais, bem como as ideações dos protagonistas empreendedores e inovadores.
Em linhas gerais, uma série que promove entretenimento e muita reflexão.
Batalha Bilionária: O Caso Google Earth (The Billion Dollar Code, Alemanha – 2021)
Direção: Robert Thalheim
Roteiro: Oliver Ziegenbalg
Elenco: Mark Waschke, Mišel Matičević, Leonard Scheicher, Marius Ahrendt, Lavinia Wilson, Seumas F. Sargent, Rauand Taleb
Duração: 247 min.