Home FilmesCríticasCatálogos Crítica | Baleias de Agosto

Crítica | Baleias de Agosto

Estar velho é estar fechado ao novo?

por Rafael Lima
5,7K views

Alguém muito sábio disse certa vez que envelhecer é para os fortes. Pode parecer uma frase tola, à princípio, afinal, todos nós envelhecemos, mas nem todos nós encaramos a velhice da mesma forma. Para alguns, chegar à 3ª idade é estar na sala de espera da morte. Onde nada mais vale a pena, as memórias tornam-se a sua principal companhia. Para outros, porém, a 3ª idade significa ainda estar vivo e, portanto, ainda ter coisas para conquistar e viver. É sobre essas diferentes formas de encarar a velhice que se trata As Baleias de Agosto, que reuniu duas lendas do cinema: Bette Davis e Lillian Gish.

Na trama, Sarah (Lillian Gish) é uma senhora que vive com a sua irmã Libby (Bette Davis) no litoral do Maine, cuidando dela desde que esta ficou cega devido à catarata. Enquanto Sarah tenta manter uma visão otimista sobre a vida, Libby tem se tornado cada dia mais amarga, o que faz com que Sarah passe a se questionar se tem a estrutura emocional para cuidar da irmã. A situação entre as duas se torna mais tensa quando Sarah começa a se aproximar do Sr. Maranov (Vincent Price), um simpático imigrante russo que está vivendo na região.

Dirigido por Lindsay Anderson, a partir de um roteiro escrito por David Berry — que adapta a sua própria peça teatral — Baleias De Agosto é um filme com grande carga melancólica, bastante calcado na memória de seus personagens. O longa não nega as suas raízes teatrais ao se passar principalmente na sala de estar das duas irmãs, sendo fortemente construído nos diálogos. Ainda assim, essa escolha se comunica com os temas do filme, já que reflete a sensação de confinamento que a personagem Sarah começa a experimentar por ter que cuidar da irmã. A narrativa, felizmente, toma o cuidado de nunca transformar Libby em uma vilã, deixando claro que, apesar de ser rabugenta e estar amarga, ela ainda ama a irmã e a valoriza. O texto evidencia que apesar das diferenças de pontos de vista que Sarah e Libby possuem, também existe grande companheirismo entre as duas mulheres, o que pode ser observado não só pelo diálogo bastante natural que o roteiro entrega para as duas, mas pela dinâmica de cena de Gish e Davis.

O roteiro de David Berry também trabalha com uma série de simbolismos narrativos muito interessantes, vide a janela panorâmica que o faz tudo Joshua (Harry Carey JR) vive insistindo para instalar na casa das irmãs, ou mesmo as próprias baleias do título, que costumavam passar pela região no mês de agosto, embora já não apareçam há anos. Esses elementos surgem como metáforas muito bem colocadas para mudanças e oportunidades, e os diferentes pontos de vista que Sarah e Libby têm sobre essas questões, pavimentam o principal conflito do filme.

A direção de Lindsay Anderson impõe à história um ritmo lento, mas necessário para estabelecer a ideia da rotina das duas irmãs, ainda que a trama se passe em um único dia. Anderson quer que o público mergulhe no mundo de Sarah e Libby, e compartilhe das lembranças delas sobre viagens que fizeram com seus falecidos maridos; ou das visitas que recebem ao longo do dia, como a do já citado faz-tudo, ou da velha amiga enxerida de Sarah, Tisha (Ann Sothern). Dentro dessa rotina, a obra constrói o conflito entre as duas irmãs e a resolução de forma bastante sutil, quase lírica. Apesar da importância dos diálogos, o filme nunca descamba para o didatismo ou para discussões acaloradas, e as personagens raramente levantam a voz, revelando uma construção discreta, mas certeira de seus dramas. Nesse sentido, a direção de fotografia de Mike Fash torna-se vital para transmitir a atmosfera bucólica e nostálgica claramente perseguida pelo projeto.

Mas como muitos filmes que tem como base peças de teatro, Baleias De Agosto é um filme de atuação, e felizmente a obra está muito bem servida nesse quesito pelo brilhante time de veteranos que Berry conseguiu reunir. Lillian Guish, em seu último papel no cinema, nos deixa absolutamente encantados como a paciente e otimista Sarah. A veterana conduz muito bem a jornada dramática de sua personagem, trazendo uma mulher que ainda consegue vibrar com as pequenas novidades da vida. A atriz deixa claro o afeto que a sua personagem tem pela irmã, mas é hábil em mostrar os naturais sinais de cansaço de uma pessoa que convive com uma idosa de gênio difícil. Já Bette Davis, embora pareça inicialmente na zona de conforto ao viver uma mulher mal humorada e sarcástica, concede à sua Libby camadas de fragilidade comoventes, que mostram um carinho e um respeito genuíno pela irmã, mas principalmente o medo de perdê-la e ficar sozinha.

As duas protagonistas estão ótimas, mas contam com um elenco de apoio igualmente talentoso. Ann Sothern como Tisha esbanja simpatia no papel da amiga intrometida, imprimindo a preocupação sincera, porém invasiva de sua personagem com Sarah, em um trabalho honesto que lhe rendeu uma indicação ao Oscar. Vincent Price, por sua vez, tem a chance de se afastar de sua zona de conforto, ao fazer do Sr. Maranov um homem simples e humilde, que embora tenha as suas próprias memórias sobre a vida itinerante que levou desde que fugiu da Revolução Russa quando criança, mantém os olhos no futuro.

Baleias de Agosto é um belo filme sobre a arte de envelhecer, que contando com um elenco brilhante de artistas imortais que ajudaram a fazer a história do cinema, nos narra uma história simples e comovente de amor e devoção entre duas irmãs no crepúsculo de suas vidas. Sendo que este foi o canto do cisne de boa parte do seu elenco principal, o filme de Lindsay Anderson se encerra de maneira acertadamente melancólica, mas ainda assim edificante, nos inspirando a nunca deixar de procurar pelas baleias de agosto.

Baleias De Agosto (The Whales of August)- Estados Unidos. 1987
Direção: Lindsay Anderson
Roteiro: David Berry (baseado em sua própria peça teatral)
Elenco: Bette Davis, Lillian Gish, Vincent Price, Ann Sothern, Harry Carey Jr, Frank Grimes, Margaret Ladd, Tisha Sterling, Mary Steenburgen, Frank Pitkin, Mike Bush
Duração: 90 minutos

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais