Deve ser impossível assistir Bagagem de Risco sem traçar comparações imediatas com Duro de Matar, pois o clássico filme natalino de ação de John McTiernan, se não inventou a premissa do “homem comum que precisa fazer de tudo para evitar uma desgraçada causada por vilões com planos mirabolantes” certamente a sedimentou, quase que imediatamente popularizando um subgênero que, ato contínuo, levou a infinitas cópias, inclusive dentro da própria franquia original. Mas o problema é fazer esses paralelos é normalmente injusto para os filmes subsequentes, como se todos os filmes de máfia passassem a ser medidos pela qualidade de O Poderoso Chefão ou todos os filmes de faroeste pela filmografia de Sergio Leone. Há muito espaço para coisa boa entre o melhor e o pior de um gênero ou de uma premissa e, nessa toada, não tenho dúvidas em afirmar que Bagagem de Risco merece reconhecimento por basicamente retornar ao estilo anos 90 e entregar algo perfeitamente comparável não a Duro de Matar, obviamente, mas a Duro de Matar 2 que, aliás, também se passa em um aeroporto, e Morte Súbita, um dos melhores longas da carreira de Jean-Claude Van Damme.
Na história, que se passa na véspera do Natal, Ethan Kopek (Taron Egerton), um passivo agente de segurança aeroportuária do aeroporto de Los Angeles que acabou de descobrir que sua namorada – que também trabalha por lá – está grávida, é chantageado por um misterioso criminoso sem nome vivido por Jason Bateman a deixar uma mala de mão passar pelo raio-x por meio de um fone de ouvido que também é microfone que tem as mesmas funções das cordas dos marionetistas. Em uma situação impossível, pois ele também é vigiado por câmeras monitoradas pelo braço direito também sem nome do bandido-chefe vivido por Theo Rossi, Kopek precisa esgarçar a suspensão da descrença do espectador e desbaratar, praticamente sozinho, um plano milimetricamente planejado para matar muita gente da maneira mais horrível possível. Em outras palavras, Bagagem de Risco é feito para ter muito de todos os clichês do subgênero, começando pelo protagonista quieto que, de repente, precisa transformar-se em um super-homem, passando por um vilão maquiavelicamente excelente e chegando a passagens temporais mágicas, pessoas que não acreditam em Kopek, muita correria, pancadaria, mortes e, claro, as obrigatórias sequências impossíveis que se valem de toda a conveniência heroica que é possível inserir no roteiro.
Enquanto que não é exatamente possível afirmar que os momentos de ação são particularmente diferentes e chamativos, a direção de Jaume Collet-Serra, que já mostrou capacidade de guiar thrillers realmente tensos com os excelentes Águas Rasas e O Passageiro (ainda que tenha desapontado com orçamentos maiores depois), é competente o suficiente para construir uma atmosfera claustrofóbica ao redor de Kopek, mesmo considerando a amplidão dos ambientes pelos quais ele transita. Ajuda muito que tanto Egerton quanto Bateman estão muito bem como adversários, o primeiro lutando para ajustar-se a uma nova realidade em que é obrigado a entrar e o segundo basicamente divertindo-se demais como um vilão que é frio e calculista, mas que, por outro lado, não para de falar, indo bem além de meras e distantes instruções para um atônito Kopek. E a sequência climática é, depois de tudo o que vemos, consideravelmente catártica, do tipo que lava a alma e deixa um sorriso no rosto, mesmo considerando sua mais completa e absoluta inverossimilhança, o que, confesso, só acrescenta à mística de filmes desse tipo.
Se os dois atores principais acertam no alvo, o sempre bonachão Dean Norris como Phil Sarkowski, chefe de Kopek, pareceu-me uma escalação boa, mas desperdiçada, enquanto que Sofia Carson como Nora Paris, namorada de Kopek, é somente muito ruim mesmo no pouco tempo que tem de tela. Também não gostei da ação paralela fora do aeroporto que segue a detetive de polícia Elena Cole (Danielle Deadwyler) em uma investigação de assassinato duplo seguido de incêndio criminoso que a leva de maneira cada vez mais assertivamente na direção de Kopek, pois, muito sinceramente, apesar de Deadwyler imediatamente convencer no papel, essa trama não acrescenta quase nada à narrativa macro, só servindo mesmo para estender o filme para uma desnecessária minutagem de duas horas que Collet-Serra poderia ter aproveitado para trabalhar talvez com um pouco mais de detalhamento o desenvolvimento do próprio Kopek e/ou do vilão sem nome.
Bagagem de Risco, portanto, é mais um filho de Duro de Matar que orgulha o pai mesmo sendo essencialmente a mesma coisa de sempre, só que com bons atores, um roteiro seguro de si e de todas as improbabilidades e de uma direção que sabe usar o que o melhor do material base e do elenco. Será que isso significa que estamos diante de uma nova franquia de filmes de ação em que uma versão de John McClane lida com vilões cada vez mais enlouquecidos com planos cada vez mais escalafobéticos? Só o tempo dirá, claro, mas, em um cenário em que continuações de filmes ruins são inevitáveis e não param de ser lançadas, não consigo ser tão contra assim sequências de filmes bons. Que venha então Mala de Mão 2: Mala Extraviada!
Bagagem de Risco (Carry-On – EUA, 13 de dezembro de 2024)
Direção: Jaume Collet-Serra
Roteiro: T.J. Fixman
Elenco: Taron Egerton, Jason Bateman, Sofia Carson, Danielle Deadwyler, Tonatiuh, Theo Rossi, Logan Marshall-Green, Dean Norris, Sinqua Walls, Curtiss Cook, Joe Williamson, Gil Perez-Abraham, Josh Brener
Duração: 119 min.