Cinebiografias musicais nunca estiveram tão em alta como agora. Desde Bohemian Rhapsody, Hollywood entendeu isso como uma entrada para produzir filmes de qualquer artista, o que fez passar de Elton John a Bob Marley, até chegarmos na inconfundível Amy Winehouse. Usando o nome do segundo álbum de estúdio da cantora britânica que fez parte do seleto grupo de artistas que morreu aos 27 anos, o início de Back to Black surge como um convite a acompanhar um olhar intimista ao relembrar a fala de Amy sobre poder fazer as pessoas esquecerem por cinco minutos os seus problemas ao ouvir suas músicas. Repetindo a parceria vista em O Garoto de Liverpool, a direção de Sam Taylor-Johnson não vai muito além do que os passos burocráticos que o roteiro de Matt Greenhalgh segue ao querer contar a história da artista focando no conturbado relacionamento que teve com o ex-marido, Blake Fielder-Civil.
Se há uma forma de resumir Back to Black, é pelo seu corte a fatos que fizeram parte da trajetória de Amy com um olhar “generoso” para as polêmicas, mas ainda assim um olhar sem inspiração que faça jus ao que a artista alcançou antes de sua morte precoce. Nesse caso, exceto pela performance de Marisa Abela, é mais interessante ver o documentário de Asif Kapadia do que esperar um filme bem amarrado, enquanto o que temos é um roteiro que se baseia numa leitura superficial do que a imprensa trazia. Pegando a narração em off com a qual o longa abre, a intenção aqui parecia querer mostrar a Amy desde a adolescência – onde começou a se apresentar em bares até sua ascensão estrondosa, mas na prática tudo é muito breve: sua adolescência, os primeiros contatos profissionais, formação de sua persona, e expansão de carreira.
Enquanto que o documentário Amy, que chegava quatro anos depois da morte da cantora, trazia um prisma detalhado e intimista, o filme de Taylor-Johnson surge como uma versão incapaz de falar quem era Amy Winehouse, ao menos não em profundidade. Muito disso se deve a como o roteiro parece ir bem quando o assunto é abordar a relação de Amy e Blake, mas falha quando se trata de entrar em controvérsias sobre a relação que ela tinha com o pai e com o ex-marido. Mesmo há quase nove anos de seu lançamento, a obra de Kapadia deixou um recorte completo sobre a vida da cantora ao revelar registros de bastidores, o que se torna inevitável não lembrar ao assistir Back to Black e perceber que a vista aqui se contenta em ficar no raso.
Notemos como a forma que o filme abre, em querer mostrar mais do processo de composição da jovem Amy, vai ficando mais distante conforme a narrativa avança, partindo da adolescência até o fatídico 2011. São quase dez anos que o roteiro de Greenhalgh tenta abraçar, tendo em mente retratar como as experiências da artista levaram às suas composições. E mesmo com as transformações físicas com tatuagens, perda de dente, peso e penteado sejam evidentes, fica difícil acompanhar a passagem de tempo sem ficar confuso com o texto picotado – a exemplo das brigas do casal, onde não fica claro quem começou ou quanto ao delito de Blake que nem sequer é mencionada antes de sua prisão.
Ao contrário de trazer um recorte melancólico sobre Amy – o que entra nas linhas de humor do roteiro – Taylor-Johnson deixa a cargo da caracterização e performance de Abela para apontar as consequências da relação tóxica com Blake, abuso de álcool e drogas foram afetando a vida pessoal e carreira da artista – e também, o inalcançável desejo de ser mãe. Embora Abela lembre mais Britney Spears do que a Winehouse, a direção e fotografia focam em planos e jogo de luz para aproveitar o seu perfil, o que com ajuda do penteado, o nariz, o piercing na boca e o jeito de cantar convenciam facilmente da semelhança, além de usar sua própria voz na hora de performar. O que vale também aos planos mais abertos nas apresentações de palco, ficando para apreciação os trejeitos da cantora – principalmente ao receber o Grammy. Nesse sentido, o que eleva a falta de inspiração do filme, é a dedicação e energia de ver Abela na pele de uma figura que permanece no nosso imaginário, conhecendo o trabalho ou não.
O filme quer ter o papel de narrar a montanha-russa que foi o segundo álbum da carreira de Amy, e mantendo a reflexão que faz paralelo com o título Back to Black, da queda e ascensão de uma artista – o que dá pra ser sentido da caótica relação com o ex-marido. E mesmo não seguindo a lógica que provoca em falar mais dessa artista tão relevante para o cenário da música, essa retomada da parceria entre Taylor-Johnson e Greenhalgh relembra como Amy Winehouse se foi cedo demais.
Back to Black (Back to Black – Reino Unido, 2024)
Direção: Sam Taylor-Johnson
Roteiro: Matt Greenhalgh
Elenco: Marisa Abela, Eddie Marsan, Jack O’Connell, Lesley Manville, Juliet Cowan, Sam Buchanan, Therica Wilson-Read
Duração: 107 min.