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Crítica | B.O. – 1ª Temporada

Mirando em Brooklyn Nine-Nine.

por Luiz Santiago
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Assumidamente inspirada em Brooklyn Nine-Nine, B.O. é uma série brasileira que mostra de maneira cômica — e por isso mesmo, exagerada e irreal — o cotidiano de uma delegacia de polícia no bairro da Tijuca, Rio de Janeiro. Na linha das workplace comedy, B.O. acompanha a jornada de um delegado muito tranquilo e atrapalhado chamado Suzano (Leandro Hassum), que acaba de ser transferido de uma pacata cidade do interior do Estado, chamada Campo Manso, para o movimento e os perigos de uma delegacia da cidade grande. Ao longo de oito episódios, acompanhamos a luta de Suzano e seus colegas de trabalho contra a “máfia dos caça-níqueis”, apresentando inúmeros tipos criativos e absurdos que uma comédia nacional despreocupada sobre um ambiente policial poderia ter.

O que se destaca imediatamente nesse tipo de série é a proximidade de certas condições, acidentes e situações inacreditáveis com a vida real. Independente da função, se o trabalho é realizado em grupo, sempre haverá algo “fora da casinha“, e é exatamente essa nuance que shows como B.O. aborda. Para que o humor num ambiente como esses funcione, é necessário que haja grande química entre os personagens e que todos eles sejam apresentados e construídos de tal forma, que faça com que o público se importe com eles, mesmo que numa baixa ou pontual intensidade. Em séries como a já citada Brooklyn Nine-Nine ou em outras, como The Office e Parks and Recreation, existe um personagem ou outro que o público não gosta, mas que, com o passar dos capítulos, consegue ver a sua importância ou necessidade para gerar gatilhos de piadas naquele grupo. Isso acontece em B.O., mas não posso dizer que é apenas com “um ou outro” personagem.

A desconexão entre público e personagens, aqui, está distribuída por quase todo o elenco, e mesmo que isso não aconteça em todos os episódios, os muitos momentos de estranheza fazem com que demore a cristalização daquele indivíduo como alguém marcante para quem está assistindo. Vejamos o caso da ótima Luciana Paes, que tem uma capacidade cômica e dramática imensas. Sua personagem, porém, é construída com um pé no romance bobo e outro na policial durona, por isso, demora consideravelmente para que ela caia nas graças do público. E para ser sincero, o único momento em que essa dualidade “romance + policial durona” funciona perfeitamente, é quando ela está ao lado do ex-ficante, interpretado pelo magnético Bruno Cabrerizo. A sequência é ouro puro, e eu gargalhei genuinamente ao ver a inspetora Mantovani gemer de tesão ao ver o homem ao seu lado pressionar as pessoas durante um interrogatório. No cumulativo dos 8 episódios, os poucos momentos em que os personagens encaixam-se muito bem no enredo (e devo dizer que em nenhum dos casos eu vejo os atores como culpados, antes, atribuo o problema ao roteiro e à direção), fazem com que não exista uma proximidade muito forte entre espectador e série, o que acaba sendo um perigo para esse tipo de show.

As exceções a este problema são vistas em dois personagens: o Estevão de Jefferson Schroeder e a Guerra de Babu Carreira. A impressão que eu tenho, é que esses dois foram deixados livres para “fazer o que quisessem” com seus personagens, e por isso mesmo conseguiram criar figuras altamente relacionáveis, engraçadas e interessantes em todas as cenas que apareceram — e meu ponto é justamente este. Não estou dizendo que os outros personagens são ruins ou mal interpretados, mas que um número grande de cenas que escreveram para eles… simplesmente não combinam com a figura que vemos na tela, e isso faz com que o espectador afaste-se dos personagens; um pecado, em casos de artistas que são excelentes em seu ofício, como Luciana Paes e Taumaturgo Ferreira. Já o protagonista, o delegado Suzano de Leandro Hassum, tem uma linha de desenvolvimento que condiz com o personagem. Meu problema com ele é que, às vezes, parece infantil e bobo demais, mas neste ponto, admito ser uma questão muito pessoal, porque todos os elementos visuais e narrativos para indicar essa imaturidade estão na tela. Eu é que as acho exageradas e, às vezes, tão vergonhosas que diminuem muito a qualidade das cenas e sequências.

Talvez a ideia de colocar apenas um inimigo (a máfia dos caça-níqueis) como vilão da temporada tenha contribuído para que faltasse um maior impulso de criatividade na costura da temporada. Também penso que, por serem episódios curtos, seria melhor para a série ter adicionado dois outros capítulos e criado situações paralelas que expandissem a vida do pessoal da 8ª D.P., abrindo a possibilidade de um cliffhanger mais interessante do que o que tivemos. Meu episódio favorito da temporada é Carnapol (com a melhor direção de arte e figurinos também), onde todo mundo brilha em uma trama bem escrita, onde as confusões são interessantes, a comédia tem o tempo perfeito de execução e onde até os coadjuvantes são utilizados com inteligência para além da conta, com destaque para Pedro Wagner (Serrote) e Aline Borges (delegada regional).

Existe muito da comédia típica brasileira aqui (e refiro-me à herança das chanchadas mesmo), começando pela brincadeira com a burocracia, as regras e os papéis sociais, mas tudo aplicado a um cenário de violência controlada e personagens que espelham o nosso tempo, desde o menino da Geração Z, que está o tempo inteiro caçando um novo emprego e procurando maneiras de trabalhar menos (Cauê Campos, como Wi-fi) até a evangélica espertalhona (Josie Antello, como Zuleide). A temporada cansa um pouco porque não há uma variação instigante de eventos ao longo dos episódios, mas é certo que irá divertir o público e mostrar que a gente também pode ter o nosso quinhão de séries policiais e absurdas de comédia. Se houver uma próxima temporada com esmero na construção dos personagens e exposição de eventos para cada capítulo (mesmo que o tema central seja a luta contra um único inimigo), B.O. poderá se tornar uma boa referência do gênero em terras brazucas.

B.O. – 1ª Temporada (Brasil, 2023)
Criadores: Leandro Hassum, Fabíola Alves, Gui Cintra, Nigel Goodman
Direção: Pedro Amorim, Leandro Hassum, Carol Minêm
Roteiro: Carol Garcia, César Amorim, Edu Araujo, Fabíola Alves, Gui Cintra, Pedro Emanuel, Pedro Perazzo, Victor Rodrigues
Elenco: Leandro Hassum, Luciana Paes, Taumaturgo Ferreira, Jefferson Schroeder, Babu Carreira, Digão Ribeiro, Cauê Campos, Josie Antello, Aline Borges, Bruno Cabrerizo, Pedro Wagner, Tenca Silva, Louise Cardoso, Elisa Pinheiro, Leandro Ramos, Júlia Guerra, Cleber Salgado, George Sauma, Raphael Ghanem, Valentina Melleu, Fábio de Luca
Duração: 8 episódios de cerca de 25 minutos

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