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Crítica | Avatar: A Lenda de Aang – Livro Um: Água

por Kevin Rick
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A Lenda de Aang

Eu sou apenas um criança. A Lenda de Aang

– Aang

Criado por Michael Dante DiMartino e Bryan KonietzkoAvatar: A Lenda de Aang, lançada em 2005 na Nickelodeon, não apenas se tornaria um sucesso global moderno nas telinhas, como, após o final das suas três temporadas, estabeleceria um altíssimo nível qualitativo do que pode ser feito no gênero televisivo. Amparada por uma ambientação inspirada na Ásia, a animação nos apresenta um mundo fictício fantástico, no qual algumas pessoas podem manipular os quatro elementos – fogo, ar, terra e água -, sendo chamadas de dobradores. Cada dobrador tem domínio sobre um elemento, variando o poderio de acordo com talento nato e treinamento disciplinado. Entretanto, existe uma exceção à regra, de um ser que tem controle de todos os elementos, conhecido como Avatar. Esse dominador mestre reencarna em ciclos, variando a dobra principal e a etnia, possuindo o dever de manter a paz e ordem no mundo. Infelizmente, enquanto a Nação do Fogo instituía seu império tirânico, o Avatar desapareceu por 100 anos, deixando todos os povos à mercê do cruel Senhor do Fogo Ozai. Tudo muda quando os irmãos Sokka e Katara encontram o Avatar, um garoto de 12 anos, chamado Aang, congelado no oceano, junto de seu bisão voador, Appa.

Ao longo da primeira temporada, brilhantemente chamada de Livro Um: Água, dividindo os aprendizados de Aang de acordo com cada novo ano da série, excluindo Ar, que é sua dobra “natural”, o elemento que mais salta aos olhos do espectador é a criatividade dos roteiristas na construção de mundo. Misturando o estilo de animes com o cartoon americano, os criadores estabelecem rapidamente a atmosfera opressiva da Nação do Fogo mesclado com um teor infantil na dinâmica do trio de protagonistas. Após soltarem Aang de sua hibernação, Katara e Sokka, membros da Tribo da Água do Sul, montam o quebra-cabeça e percebem que, por ser o último dobrador de Ar vivo, Aang deve ser o Avatar ausente. Por azar ou destino, os jovens acabam acionando uma armadilha de um navio da Nação do Fogo, atraindo a atenção do príncipe Zuko. Exilado por seu pai, o Senhor do Fogo Ozai, Zuko só restaurará sua honra após completar a impossível tarefa de achar e capturar o Avatar.

Daí em diante, a animação assume sua estrutura aventureira principal, acompanhando a jornada de Aang e seus amigos pelas nações em busca de mestres para treinar Aang, no intuito dele dominar todos os elementos e derrotar Ozai, terminando a guerra, enquanto o incansável Zuko continua sua perseguição. Mas antes de falar dos personagens, quero voltar à construção de mundo. O conceito de “Quatro Elementos” não é exatamente original, contudo, DiMartino e Konietzko empregam a temática na série de modo bastante engenhoso, expandindo o sistema de poderes como determinador cultural, filosófico e místico. A divisão se inicia nas próprias civilizações: Nômades do Ar, Tribos da Água, Nação do Fogo e Reino da Terra, porém, não somente a denominação geográfica, mas o elemento em si determina o caráter de cada nação. Nômades do Ar são monges pacíficos, enquanto os membros do Reino da Terra são trabalhadores simples e estoicos. Combatentes da nação do fogo costumam ser violentos e descontrolados, já os habitantes das Tribos da Água são maleáveis e imponentes. É tudo muito metafórico e simbólico. E a caracterização Elemental vai além, muito além.

Os estilos de dobra são baseados em artes marciais, e cada elemento recebe um estilo próprio perfeitamente associado, desde a forma dura e bruta da Terra, o combate poético e lírico da Água, a leveza e liberdade da dobra do Ar, e o impacto cerrado destrutivo do Fogo. A Trilha Sonora anda de mãos dadas com a coreografia dos combates e ambientação em questão exposta, manuseando sinfonias clássicas e suaves para o Ar e a Água, melodias inflexíveis com muitas batidas quando vemos dominadores da Terra, e, claro, uma composição musical chocante com as chamas. O uso de cores, figurinos, animais, construções, tecnologias, todos servem à estilização divergente de cada Elemento.

E, como eu já disse, a elaboração não ocorre apenas no estilo, mas compõe a ideologia geral de cada Nação, especialmente apresentadas com a crueldade do Fogo e a pacificidade do Ar. E a doutrina se mistura ao misticismo, espiritualmente construindo simbologias, especialmente inspirada no Budismo. A Lua para as Tribos da Água, o Sol para a Nação do Fogo, e por aí vai. Em suma, a construção do mundo é fantástica. E é a partir dela que notamos o árduo papel de Aang. O garoto não deve “apenas” aprender os elementos, mas designa o ofício de ponte cultural e espiritual para conceber a paz. Dessa forma, o arco do protagonista, perseguido pelo fardo, baseia-se no destino, mas, principalmente, na sua maturidade, ou, melhor dizendo, a falta dela. A série nunca nega a infantilidade e fuga de Aang do título, justamente para conceber o núcleo ao mesmo tempo trágico e divertido da trama: estamos falando de uma criança.

Este é um ponto que se torna intrigante, pois abraça a personalidade pueril e ingênua do protagonista para a obra em si, que tem uma veia cômica gigantesca a despeito da Guerra. O paralelo da comédia com a dramaticidade termina por ser um paradoxo do desenvolvimento do personagem. Este destino imposto, uma espécie de quebra de inocência, é incorporado organicamente ao humor bobo (no melhor sentido), lentamente elaborando nossa experiência dupla com o show, cômica e comovente. Aliás, o amadurecimento precoce é imposto aos outros personagens também. Sokka buscando o papel de líder, sempre inseguro da sua própria utilidade por ser normal. Katara alcançando propósito, também insegura de suas habilidades de dobra da água, e o antagonista Zuko, no seu caminho de honra retificada e orgulho ferido, mas, especialmente, de identidade.

O Livro Um é um dos melhores exemplos audiovisuais de como apresentar um mundo único com um conceito já conhecido, além de construir ótimos arcos de personagem intimistas, tocando em temáticas de sina, diferenças culturais, formulações morais desafiadoras e bastante filosofia misturada ao místico. Acho que a primeira temporada só peca no seu formato, sofrendo um pouco de apresentar numerosos conceitos e ambientes, terminando por ser meio repetitiva e cansativa em alguns. É uma crítica um tanto injusta pensando no lançamento semanal, e no público-alvo infantil, mas achei o conjunto geral desproporcional às vezes. Obras-primas em um minuto e episódios passáveis logo em seguida, mas nada que tire muito mérito da animação.

Avatar: A Lenda de Aang dá aula de criatividade e construção de mundo. E, apesar deste enfoque na exploração cultural e espiritual, são os personagens que conquistam a audiência, seja nas suas peripécias hilárias, desenvolvimentos dramáticos precoces, ou debates metafísicos em torno da reencarnação e papel do Avatar, acompanhar suas jornadas pessoais e gerais é um prazer, além dos vários personagens secundários que roubam a cena como Iroh e Bumi. O Livro Um é uma bela introdução a este Universo, e, falando como alguém que já viu a série, só fica melhor a partir daqui.

Avatar: A Lenda de Aang – Livro Um: Água (Avatar: The Last Airbender – Book One: Water, EUA, 2005)
Criado por: Michael Dante DiMartino, Bryan Konietzko A Lenda de Aang
Direção: Dave Filoni, Lauren MacMullan, Giancarlo Volpe, Anthony Lioi
Roteiro: Michael Dante DiMartino, Bryan Konietzko, Nick Malis, Aaron Ehasz, Matthew Hubbard, John O’Bryan, James Eagan, Tim Hedrick, Ian Wilcox, Elizabeth Welch Ehasz
Elenco: Zach Tyler, Mae Whitman, Jack De Sena, Dee Bradley Baker, Dante Basco, Mako, André Sogliuzzo, Mark Hamill, Greg Baldwin, James Garrett, Jason Isaacs
Duração: 506 min. (20 episódios)

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