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Crítica | Avatar: A Lenda de Aang – Livro Dois: Terra

por Kevin Rick
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Progresso narrativo em séries de televisão de temporada em temporada é algo esperado, até óbvio partindo da ideia que a evolução à medida que a história avança é o primeiro elemento de qualquer obra episódica que conta uma trama contínua. Mas é curioso como essa parte evidente da construção narrativa é tão dificilmente alcançada, e mais raramente ainda feita com esmero e louvor, com algumas exceções atingindo o ápice do desenvolvimento entre diferentes anos serializados, dentre elas, na minha opinião, o querido tópico desta crítica, Avatar: A Lenda de Aang. Depois da sensacional construção de mundo e apresentação de conceitos do Livro Um: Água, além dos ótimos personagens, os roteiristas da animação fazem o hercúleo óbvio: pegar o que foi mostrado e avançar, prosperar, mudar, transformar; mantendo-se fiel ao que veio antes enquanto amadurecem a história, o mundo e os personagens.

Aliás, desde a primeira temporada é bastante claro como a idealização principal da série é o amadurecimento do elenco principal, especialmente Aang e Zuko. E se o ano inicial do show entrega esse desenvolvimento como uma quebra de inocência, a precocidade imposta de um crescimento outrora orgânico, o segundo ano alia esse conceito ao discurso de culpa. E não aquele remorso que víamos aqui e ali na ausência do Avatar na temporada de estreia, mas verdadeiramente culpa de não ser capaz de amadurecer e cumprir suas responsabilidades rápido o bastante, tanto o Avatar quanto o Príncipe. É uma completa injustiça personagens tão jovens serem colocados sob tamanha pressão, mas é justamente isso que atinge o espectador dramaturgicamente.

O fato de Livro Dois: Terra não “sofrer” da apresentação de conceitos deste Universo, como as dobras, a guerra, as nações, entre outros, o liberta das amarras didáticas e repetitivas da primeira temporada, que é ótima, antes que me crucifiquem, mas tem problemas de reciclagem estrutural para exibir suas regras, como o constante jogo de gato e rato do Time Avatar com Zuko, e a exposição de cada nação à cada nova ilha. Não me entendam mal, a construção de mundo é incrível e imersiva, mas a reiteração temática sofre alguns baixos dentre a maioria de excelentes capítulos. A segunda temporada não contém nenhum traço desse inconveniente, aproveitando o Universo apresentando para abraçar por completo o fantástico, o místico e o absurdo. Cada episódio é uma aventura – majoritariamente contidas – deliciosa, seja uma biblioteca milenar chefiada por uma Coruja falante, ou um capítulo metafísico de chacras do Aang, um pântano que é uma entidade viva, ou então uma cidade-muralha composta por uma organização que manipula sua sociedade para não ter conhecimento da guerra. O roteiro não quer entrar nos meandros de tudo, mas simplesmente te mergulhar na criatividade.

Outro ponto importante é a mudança total de estrutura da obra, que continua episódica mas com divergências na abordagem. A temporada ganha duas narrativas principais: o Time Avatar em sua jornada de treinamento do Aang e o caminho exilado de Zuko e Iroh – de longe meu núcleo favorito do show – enquanto entrega sua maior sacada de trazer vários novos membros para a história, revigorando e transformando a dinâmica do nosso elenco conhecido. A primeira delas é Azula, minha antagonista favorita da série – quiçá uma das melhores vilãs do audiovisual como um todo – que aumenta a periculosidade da perseguição, já que ela é mais implacável, cruel e perspicaz que Zuko, além de que sua presença preenche maravilhosamente o arco de moralidade dúbia de Zuko, no seu tortuoso caminho de descobrimento próprio, aquele mesmo tema de identidade, mas com um amadurecimento dramático de emocionar e tirar lágrimas com a turbulência dolorosa do personagem – os flashbacks infantis dele são aquela pregada final na dramaticidade arrebatadora do seu arco.

Além de Azula, temos Toph – minha personagem favorita da série -, que parecia a necessária peça final do Time Avatar, mais ríspida, direta e eficiente, cutucando a personalidade apaziguadora de Katara e Aang, criando uma disfunção inicial muito bem trabalhada, e lentamente encontrando seu papel dentro do grupo, não apenas como professora de Aang, mas como uma espécie de severidade e dureza fundamental na jornada do Avatar. Ademais, a forma como o roteiro usa a dobra da Terra para falar sobre sua cegueira, o tratamento da deficiência física não como invalidez, mas uma divergência natural que até dá vantagem para a personagem, é feito de uma forma tão bela e admirável que se apaixonar por Toph não é sequer fácil, mas sim obrigatório.

E eu poderia passar o dia todo falando de outros personagens, como o extraordinário Iroh que recebe uma história de sabedoria sensacional, com vários momentos tocantes entre ele e Zuko, além de um pequeno conto lindo sobre o luto de seu filho. Também temos o retorno de Suki, e a inserção das opostas e divertidas Mai e Ty Lee, que continuam o carisma espetacular do elenco da série. Contudo, o grande foco é nosso protagonista e a já dita culpa, no qual a animação foca bastante no Estado do Avatar e em seu temperamento frente ao fardo – a subtrama de Appa desaparecendo mostra isso melhor -, e sua própria turbulência de aceitação de ser algo além do humano, melhor do que todos, não apenas protetor, mas o símbolo da perfeição carnal (e espiritual), o que é, obviamente, desmoralizador para uma criança. Adoro o episódio dos Chacras, e como os roteiristas usam essa ideia do ponto de vista da abdicação das falhas que nos fazem humanos, e da renúncia de emoção, felicidade e amor. É tudo tão pesado, tão complicado, e o fato da animação não fugir do discurso de culpa misturado ao destino cruel, afastando-se do teor infantil, só demonstra como Avatar: A Lenda de Aang é uma obra verdadeiramente especial.

No meu texto do primeiro livro, eu exponho como a narrativa é mais sobre esse mundo maravilhoso e trágico, suas culturas e regras, e esses personagens incríveis dentro de tudo isso, mas o segundo ano da série inverte essa concepção, focando mais no elenco. Uma temporada sobre o progresso e a mudança, junto de todos os males e dificuldades que acompanham o crescimento desses personagens, um amadurecimento criativo geral, e a obsessão do espectador para com a obra se desenvolve em conjunto com a bela evolução desse lindo pedacinho de animação do que chamamos de arte.

Avatar: A Lenda de Aang – Livro Dois: Terra (Avatar: The Last Airbender – Book Two: Earth, EUA, 2006)
Criado por: Michael Dante DiMartino, Bryan Konietzko A Lenda de Aang
Direção: Lauren MacMullan, Giancarlo Volpe, Anthony Lioi, Ethan Spaulding
Roteiro: Michael Dante DiMartino, Bryan Konietzko, Nick Malis, Aaron Ehasz, Matthew Hubbard, John O’Bryan, Tim Hedrick, Ian Wilcox, Elizabeth Welch Ehasz, Joshua Hamilton
Elenco: Zach Tyler, Mae Whitman, Jack De Sena, Dee Bradley Baker, Dante Basco, Mako, André Sogliuzzo, Mark Hamill, Greg Baldwin, James Garrett, Michaela Jill Murphy, Grey Griffin, Cricket Leigh, Olivia Hack, Clancy Brown
Duração: 508 min. (20 episódios)

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