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Crítica | Autor em Família

por Leonardo Campos
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Escrever é um ato que requer concentração. A mente precisa estar bastante oxigenada para o fluxo das boas ideias. Quando uma peça de teatro prestes a estrear apresenta algumas inconsistências durante o seu segundo ato, é preciso ajustes imediatos para evitar que toda a tessitura de uma trabalhosa escrita dramática comece a ruir quando o texto é transformado em desempenho pelos atores do projeto. Me refiro, neste caso, ao conteúdo da peça Inglês em Lágrimas, o espetáculo dentro do filme Autor em Família. Ivan Travalian, o dramaturgo interpretado por Al Pacino, é o escritor da vez, homem pressionado pelos prazos e com distrações em excesso a gravitar em torno de seu ofício, situações que deixarão o personagem à beira de um colapso. Pacino, protagonista desta comédia dramática lançada em 1982, emprega paixão e graça ao longo dos 110 minutos da produção, presença que nos faz esquecer a série de inconsistências que colocam o filme para fora dos trilhos em vários momentos errôneos, tal como o segundo ato da peça teatral em questão, necessitado de reformulação.

Sob a direção de Arthur Hiller, cineasta guiado pelo roteiro de Israel Horavitz, acompanhamos a jornada do dramaturgo Ivan Travalian, homem que mantém um relacionamento instável com Gloria (Tuesday Weld), uma mulher que traz consigo não apenas as inseguranças e incertezas da vida, mas também os filhos de seus casos anteriores, todos resolvidos da maneira caótica. Depois que ela vai embora, o dramaturgo precisa se virar não apenas com os ajustes da peça em vias de estrear, mas também dar conta de cuidar das crianças e outros pormenores. Ele é um cara aparentemente descolado, com faro artístico e que enfrenta a vida sem tornar tudo complexo demais. Para aumentar o nível das pressões, ele ainda precisa convencer Alice Detroit (Dyan Cannon), uma atriz requisitada, a participar da peça. Os investidores querem, o seu empresário também. A moça, divertida e autêntica, conhece Ivan e a atração é mútua, mas para assumir qualquer coisa com o dramaturgo, ela precisará pensar se quer dividir as atenções com as adoráveis crianças da casa, jovens que pedem cuidados redobrados, um extra da relação.

Ivan Travalian é o hétero padrão. Têm filhos e abandonado pela esposa, não quer assumir as crianças sozinho. Ele precisa de auxílio para dar conta, mas no final do processo, Alice Detroit também se vai e torna-se apenas mais uma colega de trabalho. Autor em Família é uma narrativa repleta de conflitos dramáticos já conhecidos na época e quando vistos agora, parecem ser óbvios demais, bem como desenvolvidos com falta de cuidado. Acontece muito coisa, o barulho é constante e enquanto uma situação ainda está em fechamento, outros conflitos surgem por cima para embaralhar mais as coisas. Tudo bem que a comédia dramática é realista e focada num mundo sem idealizações, fantasioso, mas ainda assim, a história deveria organizar mais o caos que estabelece para nós, espectadores, acompanharmos. No campo da metalinguagem, a farsa é presença constante, diferente do realismo das cenas domésticas deste dramaturgo à beira de um ataque de nervos. A sua crise profissional se mistura com a crise familiar e os resultados nos fazem acreditar que vai dar tudo errado, mas no final das contas, o saldo é positivo.

O estilo de vida em Nova York é exposto em todos os momentos possíveis, um glamour sem fim de uma vida artística badalada, sempre em restaurantes em reuniões com escritores, atores e outros membros do campo do entretenimento. A crítica cultural aqui é parte do processo metalinguístico entre teatro e cinema. Não se fala outra coisa a não ser a crítica da estreia da peça no New York Times. É, como nas palavras de um personagem, o elemento definidor do sucesso ou do fracasso da montagem. E o filme termina com as crianças e o paizão interpretado por Al Pacino, numa banca de jornais da cidade, a contemplar as opiniões favoráveis da peça no caderno cultural do meio de comunicação poderoso, capaz de destroçar o seu trabalho apenas com algumas palavras contrarias, seguidas pelo público que ainda hoje, entende a crítica como guia de consumo e não um importante mediador entre a obra de arte, o artista e o público. Sem sucesso no amor, mas com prestígio profissional momentâneo, Ivan Travalian segue a sua vida cercado das crianças que para seu agente, formam o seu “orfanato”.

Ademais, Autor em Família é cuidadoso em seus traços estéticos. O design de produção de Gene Rudolf gerencia a direção de arte e a cenografia da casa, peculiar em seus pormenores que expõe as características que compõem as criaturas que ali habitam. A paleta de cores do setor possui um diálogo visual com a direção de fotografia de Victor J. Kemper, repleta de momentos com captação de imagens fechadas em seus personagens, numa valorização dos desempenhos dramáticos que podem não ter uma história tão empolgante para se esbaldar, mas assumem com seriedade os papeis que precisam ser interpretados. Os diálogos são inteligentes, o que falta na produção é uma organização melhor dos acontecimentos e o prolongamento da ação, melhor com um tempo de duração mais reduzido. Os planos longos acompanham os diálogos extensos, sem intervenções da edição de William Reynolds, setor responsável pela inclusão da textura percussiva de Dave Gruisin nos momentos certos, sem excessos melodramáticos. No final, há lições inevitáveis sobre relacionamentos familiares, bem como sobre a aspereza no processo de produção da chamada escrita criativa, tema constante nas produções que questionam o campo da arte e suas pressões para agradar ao público sedento pelo consumo de entretenimento.

Autor em Família (Author! Author!) – EUA, 1982
Direção: Arthur Hiller
Roteiro: Israel Horovitz
Elenco: Al Pacino, Alan King, Bob Dishy, Bob Elliott, Dyan Cannon, Ray Goulding, Tuesday Weld
Duração: 110 min.

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