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Crítica | Austrália (2008)

O ambicioso e brega faroeste épico de Baz Luhrmann.

por Ritter Fan
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O maior problema de Baz Luhrmann – e que também é uma qualidade, sendo sincero – é que ele sempre precisa ser Baz Luhrmann, pouco importando o gênero de filme que aborda. Se seu estilo extravagante, cinético, colorido e envolvente funciona muito bem em musicais, como em sua celebrada Trilogia da Cortina Vermelha, e também em histórias que não são exatamente musicais, mas que têm a música como coração pulsante, como é o caso da infelizmente limitada à uma temporada The Get Down e Elvis, quando ele tenta sair desse metiê seu marcante bombardeio sensorial não costuma funcionar tão bem, como acontece com seu drama O Grande Gatsby e com seu faroeste épico Austrália, que prestigia seu país de origem.

Uma co-produção da Austrália com os EUA e o Reino Unido, com filmagens em diversas locações australianas e no estúdio da Fox de Sidney, além de um elenco quase que totalmente composto de australianos, a obra de Luhrmann estabelece sua ambição desmedida já na tomada inicial, com a câmera parada, fotografia vermelho sangue, com a silhueta de uma árvore retorcida inequivocamente emulando uma das mais icônicas cenas de ...E o Vento Levou, dirigido por Victor Fleming e lançado em 1939, ano em que grande parte do longa se passa. E Luhrmann não se faz de rogado e “dobra” sua ambição ao usar o outro grande filme do mesmo ano, impressionantemente também de Fleming, como o segundo sustentáculo de seu longa, desta vez extraindo dele seus elementos mágicos e fabulescos: O Mágico de Oz.

E Austrália é justamente isso, uma improvável fusão de uma história de amor no outback australiano com pano de fundo épico e um conto de fadas repleto de momentos de magia, com evidentes e inconfundíveis toques da visão energética e hipnotizante de seu diretor que, como disse logo no início, faz questão absoluta de imprimi-la em cada fotograma mesmo em prejuízo de sua própria criação. O jeito bem particular de Luhrmann de guiar um filme fica já sobejamente evidente na sequência inicial que rapidamente contextualiza o longa e aborda a chegada de Lady Sarah Ashley (Nicole Kidman), uma aristocrata britânica, à cidade de Darwin às vésperas do começo da guerra para convencer seu marido a vender a fazenda de gado Faraway Downs para King Carney (Bryan Brown), o magnata local que quer o monopólio absoluto dessa atividade. Tudo é extremamente artificial e exagerado, com Sarah e seu nariz em pé, odiando estar ali, desfilando seu belo vestido e sua enorme coleção de malas que combinam, enquanto cortes bruscos nos levam à briga de bar entre o bonitão, valentão e grosseirão Drover (ou Tropeiro), vivido por Hugh Jackman, que fora contratado para levá-la até a fazenda. Tudo acaba com as roupas de baixo de Sarah espalhadas pelas ruas empoeiradas da cidade.

O que se desenvolve, daí, é, sendo bem sincero, uma história de amor consideravelmente banal e completamente artificial entre Sarah, que logo perde o marido e que fica cada vez mais encantada com a região e sua fazenda, com Drover, que acaba aceitando guiar todo o gado de Faraway Downs até Darwin para ele ser vendido ao exército britânico, enquanto Neil Fletcher (David Wenham), que trabalhara para Lorde Ashley e obviamente foi responsável por sua morte, faz de tudo para sabotar a empreitada sob ordens de Carney. O que ajuda a reenquadrar a narrativa como algo a mais do que essa bobagem que descrevi é o ponto de vista sob a qual ela é contada, ou seja, a do menino birracial – meio branco, meio aborígene e, portanto, um pária diante dos dois povos, com a Igreja Católica querendo o tempo todo catequizá-lo  – Nullah (Brandon Walters) que empresta um interessante caráter de deslumbramento sobre tudo o que ele vê e experimenta, além de acrescentar as diversas camadas de magia primal representada especialmente por seu avô King George (David Gulpilil), um xamã que o protege de longe.

Em outras palavras, o real objetivo de Luhrmann é falar sobre o racismo e as terríveis injustiças sofridas pelos aborígenes australianos nas mãos do homem branco europeu, de certa forma subvertendo a estrutura de …E o Vento Levou que, como sabemos, tem uma abordagem problemática sobre a escravidão e usando O Mágico de Oz para (não tão) subliminarmente falar do lar original desse povo que, com a passagem do tempo e com a presença maciça dos brancos, foi perdido. A questão é que Luhrmann, sendo Luhrmann, faz de tudo um espetáculo, o que acaba esvaziando muito o comentário social embebido na narrativa e deixando o lado do épico romântico e da conexão maternal de Sarah com Nullah falar mais alto e, sob diversos aspectos, abafar o restante. E isso sem contar que, pela forma como tudo é feito, do estouro de uma manada, passando pelo ataque dos japoneses, chegando a todo o melodrama repleto de reviravoltas diluídas em sua força dos 40 minutos finais, o espectador fica genuinamente esperando que, a qualquer momento, os personagens começarão a cantar como em uma animação da Disney, o que é outro fator que acaba minando a seriedade do assunto.

Além disso, o roteiro escrito em comitê parece uma salada mal misturada que resulta em personagens tão rasos quanto possível e tão arquetípicos que chegam ao ponto de serem hilários, com momentos vergonha alheia como a risada maquiavélica de King Carney ou a forma como Luhrmann se delicia ao “objetificar” Drover como não mais do que um sujeito barbado, de cabelos despenteados e um corpo escultural que arrebata Sarah desde os primeiros segundos. E nada contra essa objetificação masculina, pois isso faz parte da crítica do cineasta considerando o quanto de objetificação feminina que ainda vemos por aí nas mais diversas mídias, mas ele não consegue alcançar o equilíbrio do drama com pitadas de comédia, fazendo muito mais uma comédia com pitadas de drama que, pior do que isso, se acha um drama legítimo.

No final das contas, talvez o maior problema mesmo tenha sido que Luhrmann acabou se contendo em Austrália. Sim, suas marcas estão todas lá, mas ele não foi até o fim com elas, não ultrapassou uma linha imaginária entre o conservador (ou tradicional) e o ousado (ou tresloucado) e acabou em um meio termo que ficou estranho justamente por não se decidir totalmente sobre o que é e por funcionar como uma camisa de força para a criatividade do cineasta. Mas é um longa que, apesar dos pesares, acaba prendendo o espectador mesmo com sua duração avantajada, seja pelo frenesi e tumulto de algumas sequências, ou pela breguice do romance central, e talvez especialmente por Nullah, o único personagem mais completo da história, ou até mesmo pelo inusitado que é ver Luhrmann tentar embarcar em um faroeste.

Austrália (Australia – Reino Unido/EUA/Austrália, 2008)
Direção: Baz Luhrmann
Roteiro: Stuart Beattie, Baz Luhrmann, Ronald Harwood, Richard Flanagan (baseado em história de Baz Luhrmann)
Elenco: Nicole Kidman, Hugh Jackman, David Wenham, Bryan Brown, Jack Thompson, David Gulpilil, Brandon Walters, David Ngoombujarra, Ben Mendelsohn, Essie Davis, Barry Otto, Kerry Walker, Sandy Gore, Ursula Yovich, Lillian Crombie, Yuen Wah, Angus Pilakui, Jacek Koman, Tony Barry, Ray Barrett, Max Cullen, Arthur Dignam, Matthew Whittet
Duração: 165 min.

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