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Crítica | Attica (2021)

O impacto gerado pelo compromisso com a verdade.

por Iann Jeliel
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Attica

  • IMPORTANTE: Se não conhece a história de Attica, recomendo ver o documentário antes de ir procurar saber sobre ou ler a crítica.

O jornalismo nem sempre tem um compromisso com a verdade, ainda que os fatos só se tornem verdades através dele, pela sua maneira de contá-las; ainda que a verdade nunca seja absoluta e possa sempre ser reescrita sob uma nova perspectiva. O documentário Attica, como qualquer bom documentário jornalístico, busca investigar e manipular fatos para convencer o telespectador de sua versão da verdade, nesse caso, sobrepondo-se à “verdade” midiaticamente construída da história conhecida à época como a “maior rebelião carcerária dos Estados Unidos” – aspas que resumem essa versão (acusada pelo filme) como tendenciosa – e destacá-la como o evento desumano que realmente foi.

Dezenas de presos que visavam reivindicar as condições perversas que encaravam enquanto cumpriam sua pena, foram brutamente assassinados ou torturados por uma força policial/política que não aceitava ter perdido o controle da situação, sem direito a ter suas vozes escutadas pela mídia, que acobertou esses fatos para enfocar na morte de reféns (utilizados para a tomada da prisão e colocados como mortos pelos presos, sendo que foram mortos, na verdade, pelos policiais que os confundiram com os presos) e na vitória do sistema que conseguiu restabelecer a “ordem”. Ora, percebam que apesar de existir uma escolha milimétrica na seleção de informações para provar a perspectiva em sobreposição – se existiu jornais com a posição mais firme do assunto, eles não foram mostrados propositadamente –, a proposta do documentário não é oferecer um revés da história, mas através de sua construção narrativa dá amplitude ao caso, de modo que o impacto de sua contagem em perspectiva traga um envolvimento quase visceral de revolta ao público, principalmente para aqueles que desconhecem tais eventos.

Admito, era o meu caso. O que me colocou num dilema ferrenho sobre definir se a qualidade da obra era efeito do choque de estar conhecendo aquele conteúdo pela primeira vez à frente da forma escolhida para contá-lo. Porque em termos de estrutura, Attica segue uma fórmula até bem padronizada de documentário televisivo (não coincidentemente, o filme é produzido pelo Showtime), em que os eventos vão sendo contados através de “cortes” das falas mais relevantes dos envolvidos entrevistados, montadas através de imagens de fundo cuidadosamente selecionadas para criar um sentimento de complemento automático quando encaixados na sequência da montagem. Acredito que há uma execução tecnicamente primorosa dessa metodologia relativamente popular no gênero, buscando ser abrangente dentro desses recortes escolhidos, sabendo o momento certo de implementar certas falas, imagens e filmagens específicas para fortalecer a configuração de três atos da narrativa e promover mais apelo na denúncia.

Contudo, não sei se o meu tamanho envolvimento valerá para um público já conhecedor da história. Não posso nem afirmar que sim, pela ideia de sobreposição da verdade, porque o próprio documentário mostra que houve uma desmistificação do heroísmo da retomada da prisão em algum momento na cobertura midiática, que ressignificou o evento no imaginário popular, embora reitere que não foi o suficiente para fazer jus à memória das vítimas. Também não garanto que a estrutura convencional bem executada traga a mesma rogativa empática para todo mundo. Afinal, dentro dos cortes de conteúdo para o convencimento da versão, é ocultado, por exemplo, os motivos que levaram a cada preso entrevistado ter parado naquele lugar de segurança máxima. Uma prerrogativa justa e indiretamente provocatória (porque isso importaria? Mudará a posição deles como vítimas ao saber que alguns estavam ali porque cometeram crimes hediondos?), mas que certamente distancia o alcance de convencimento da versão da história, visado pela proposta do filme.

Independentemente de provavelmente falhar na sua missão por conta de ideologias reducionistas de “Bandido Bom é Bandido Morto”, acredito que a verdade, às vezes, fala mais alto por si só. Attica tem esse compromisso com a verdade e as manipulações das imagens em efeito dramático estão para evidenciá-la. Há uma sequência emblemática que é a filmagem de um dos policiais líderes da retomada da prisão, gritando após sua efetivação “White Power!”, conversando diretamente com outra sequência do início que mostra o líder da rebelião (democraticamente eleito pelos prisioneiros) negando as negociações sem fundo jurídico apresentadas, sendo reverenciado pelos demais pela atitude com gritos de “Black Power!”. Não era nem necessário o filme aprofundar no envolvimento dos “Panteras Negras” naquela situação ou apresentar o trecho de entrevista de um dos sobreviventes falando que o ato policial foi por revanchismo para fazermos essa ligação inconscientemente. O reforço didático é somente uma afirmação do caráter necessário desta impactante história que merecia ser registrada com justiça.

Attica (Canadá, 2021)
Direção: Traci Curry, Stanley Nelson
Roteiro: Stanley Nelson
Elenco: Richard Nixon, Nelson Rockefeller, Clarence B. Jones, Lawrence Akil Killebrew, George Che Nieves, Alhajji Sharif, Herman Schwartz, Al Victory, John Johnson, Daniel Sheppard, Stewart Dan, Jaime Valone, Arthur Harrison, Dee Quinn Miller, Raymond Scott, John Dunne, James Asbury, David Brosig, Don Mitzel, David Rothenberg, Ann Valone, Carlos Roche, Michael Whiteman, Maryann Valone, Daniel Callaghan, Elizabeth Gaynes, Tyrone Larkins, Tad Crawford
Duração: 120 minutos.

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