A representação dos romances adolescentes está assumindo um novo caráter cada vez mais comum, ou o caráter existente está apenas dando as caras? Se pensarmos um pouco nas produções teens que versavam e versam sobre as descobertas amorosas, há inúmeros exemplos que poderiam ser citados, mas vamos nos ater às adaptações literárias. Relembrando um clássico, 10 Coisas que Eu Odeio em Você entra fácil em qualquer menção. Dentre as mais recentes que logo remetem ao buzz, há A Culpa é das Estrelas, Com Amor, Simon, O Mapa das Pequenas Coisas Perfeitas, A Cinco Passos de Você. Se tratando de grandes sucessos no que muito se parecem ser mais do mesmo, a Netflix desenvolveu lado a lado duas trilogias baseadas em livros: Para Todos os Garotos que Já Amei e A Barraca do Beijo.
Apesar de contar com protagonistas femininas experimentado suas primeiras paixões, as duas obras possuem diferenças importantes: enquanto a primeira trouxe Lara (Lana Condor) em seu envio de sentimentos por meio de cartas e como isso lhe corresponde, a atração estrelada por Joey King envolta numa trama controversa, antes de estourar em vendas literárias, surgiu em 2010, quando a autora Beth Reekles publicou uma fanfic na plataforma Wattpad. Produções do tipo tem saído das páginas para as telas, como o caso da tetralogia After, erótico romance adolescente e problemático. Sem medo de polêmica, a Netflix lançou agora sua atração apimentada inspirada numa trama, Através da Minha Janela.
Disseram que o amor tem cheiro de rosas, mas na verdade é cheiro de cloro… Quem dera essa fosse a única fala ridícula a ser ouvida em um filme problemático, ou ser a única coisa constrangedora e desconcertante a ser tirada de uma fanfic e posta em um roteiro. O que não surpreende muito já que a autora Ariana Godoy, responsável pela criação que mais tarde foi lançada como livro, escreveu a adaptação junto a Eduard Sola. Através De Mi Ventana, no original, é mais um daqueles casos que se sua existência se resume em absurda quanto mais é analisada, e nem precisa de muito. Frases bregas e dignas de vergonha alheia dão para aturar em qualquer coisa, mas o filme comandado por Marçal Forés reúne situações de níveis questionáveis, romantizando como se tivesse representando o público teen.
Na trama fantasiosa, Raquel (Clara Galle) nutre uma paixão por seu vizinho de família rica Eres (Julio Peña), paixão essa impressa numa obsessão onda ela acompanha todos os passos do cara, até observar seu treino na equipe de futebol da escola. Revelando não ser a única com comportamento stalker, ambos, que nunca tinham conversado, passam a interagir depois que ela descobre que seu crush estava usando sua rede Wifi sem permissão. Nos moldes dos típicos romances do homem problemático que decide ser diferente por ser a primeira vez que se apaixona depois de se envolver com muitas, Eres e a bruxa – como ele diz que carinhosamente apelidou – embarcam nessa relação nada saudável pintada como a experiência verdadeira do primeiro amor.
Parece ridículo, mas tudo começou com a senha do Wifi… Pérola inicial dita por Raquel, que sendo uma jovem talentosa e aspirante escritora, está narrando seu relato de amor de sucesso para nós, público que acompanha essa trajetória. O irônico é que no final, isso não se encaixa como uma característica da protagonista, ainda que não seja nada original, mas beira mais como uma fraca apelação de Godoy para suavizar o que há de ridículo – e jura que não tem nada, garantido que frases vergonhosas justifiquem -, baixo e duvidoso nessa história, colocando a protagonista a acreditar mesmo que viveu uma épica história de amor com alguém que a chamava de bruxa, não demonstrava o mínimo respeito nem interesse, coisa que só surgia dela.
Desenvolvida a base de pontos questionáveis, Através da Minha Janela – o que dá sentido ao título, é por ser o canal onde Raquel visualiza seu affair, e por onde ele passa a entrar inúmeras para entrar no quarto dela – não queria entregar mais uma história boba – segundo a fanfic – sobre o primeiro amor, mas fazer de seu relato algo mais ousado e provocante com pegações do casal. O que também pode se resumir dela indo atrás, eles ficando, ele ignorando em seguida, ela indo atrás, eles ficando, ele ignorando e por aí vai. E o background pro galã ser babaca, é por lidar com conflitos causados pelos pais e pressão familiar, mas se nunca colocou o lixo para fora, não deve ter ouvido falar em terapia também, se acomodando em ser um otário com quem se relaciona. Além de apresentar uma história de amor verdadeira, Godoy conhece os problemas da juventude, e como elas ressoam.
Curiosamente, ou pode até ser surpreendente, em meio a tantos personagens problemáticos, situações duvidosas sendo enfeitadas e disfarçadas em colocações cômicas, a única figura que Godoy escreveu que tem o mínimo discernimento e habilidade para ser racional – e não intacto a abordagem e tom controverso do filme -, foi o melhor amigo de Raquel, Yoshi, já que até a mãe da jovem ao ver a filha chorando por macho, o conselho que soube dar foi: “Se você gosta dele, diga pra ele“, como se humilhar e o cara saber disso, não fosse pouco, mas claro que a mãe foi só a segunda voz autojustificativa para Godoy conceber esta fantasia.
A promessa, e o que o texto da autora expressa até o último segundo é que esta é uma história de autodescoberta sobre AMOR PRÓPRIO e viver o primeiro amor, mas a dúvida que fica é: a quem representa? Que recorte, que inspiração tão infeliz pra juventude que ainda está se conhecendo é essa? O óbvio, é que começar com a senha do Wifi foi a única coisa ridícula, para o resto que se resume a um retrato grosseiro e banal, quando faz de um conto de relacionamento tóxico e abusivo, parecer aceitável, e estupidamente, sobre sexo, amor e superação.
Através da Minha Janela (Através De Mi Ventana – Espanha, 2022)
Direção: Marçal Forés
Roteiro: Ariana Godoy (baseado em seu livro), Eduard Sola
Elenco: Julio Peña, Clara Galle, Guillermo Lasheras, Emilia Lazo, Pilar Castro, Eric Maship, Natalia Azahara
Duração: 114 min