Quando o anime de Shingeki no Kyojin foi lançado em 2013, a recepção foi massiva. Um verdadeiro fenômeno global. Por causa de todo o alvoroço na época, decidi por assistir ao anime. Naquele tempo, ainda estava no começo do ensino médio e conhecia muito pouco da cultura de mangá/anime. Já havia visto os mais famosos como Naruto e Dragon Ball, que seguem vários clichês das séries baseadas em mangá, e não digo isso depreciativamente, pois amo cada um deles. Me lembro de começar a ver Shingeki no Kyojin esperando a mesma fórmula Shounen que adorava – e ainda adoro, mas com certo limite –, e o que recebi foi uma obra que desconstruiu todo meu entendimento sobre o universo de animes. Ela me serviu como uma porta para conhecer a ilimitada arte das animações japonesas.
Logo no primeiro episódio somos apresentados a crueldade deste mundo. A humanidade está encurralada por três muralhas, denominadas de Muralha Maria, Muralha Rose e Muralha Sina. Os seres humanos se esconderam atrás delas para se protegerem de um inimigo que quase destruiu toda a existência humana, cerca de 100 anos atrás. A história acompanha Eren Yeager, Mikasa Ackerman e Armin Arlert nesse futuro pós-apocalíptico. O temor das criaturas, chamadas de Titãs, já é estabelecida com a chegada de soldados aterrorizados, demonstrando que o glamour da batalha que Eren anseia é na verdade completamente fútil. Posteriormente, o Titãs invadem a área que Eren e seus amigos vivem. E é a partir daqui que a obra adaptada do mangá de mesmo nome, do autor Hajime Isayama, expõe um dos principais elementos que permeia a série: o horror.
O principal horror da animação, espetacularmente introduzido no primeiro episódio, são os próprios Titãs. Eles são um pouco reminiscentes de zumbis, igualmente gananciosos e com morte cerebral. Apenas maiores. Muito maiores. O terror iminente de morte causado por eles é sustentado pelo desconhecido. Afinal, por que eles só caçam pessoas? De onde eles vieram? Por que vêm em tantas formas e tamanhos? Todos esses mistérios alimentam a trama, e a cada resposta, duas outras questões são propostas. Todos esses segredos não resolvidos mantêm o espectador fixado na narrativa, buscando respostas, e ao final da primeira temporada, obviamente, mais questões do que soluções são propostas. O anime não quer responder tudo (ainda), pois o suspense é usado para aumentar o mito e terror em volta dos Titãs. Um inimigo que se vê, mas não entende.
Ainda na vertente de usar o horror como espinha dorsal da obra, o roteiro cria um subterfúgio ao conectar Eren aos assassinos gigantes. Todo o ódio perpetuado pelo protagonista destinado aos inimigos ao longo da série, e agora ele se encontra no centro de sua mitologia. Dessa forma, a animação demonstra a outra barbárie tenebrosa. A da própria humanidade contra Eren. Já era algo que estava sendo lentamente construído, com a exposição das diferenças de classes dentro da muralha e a fome dos refugiados, mas que vai ficando mais claro à cada novo acontecimento. A tentativa de soldados de assassinar Eren, seu julgamento, e, por fim, o momento que se torna nítido o objetivo de Isayama, quando dois titãs usados como espécimes para estudo são assassinados por soldados, o comandante da Divisão de Reconhecimento, Erwin Smith, pergunta para Eren, recém membro de sua unidade militar: “Quem você acha que o inimigo é?”, enquanto ambos olham paras as carcaças. Desse momento em diante, existem dois inimigos, um no exterior e outro no interior. E, dessa forma, outro elemento que permeia toda a obra começa a ser desenvolvido: a empatia.
Nos primeiros episódios da temporada, como é de praxe de animes, somos apresentados a uma larga classe de personagens, todos com suas próprias tramas e arcos dentro da série. Existe amizade, mas também muito atrito entre eles, principalmente entre Eren e Jean, um jovem soldado com a mentalidade oposta do protagonista, buscando ficar o mais longe possível dos titãs. Mas é apenas após o massacre que esses personagens passam a se entender, tanto suas razões para lutar, quanto para não lutar. A tragédia traz luto, mas também carrega compreensão. É notável a maestria da série em desenvolver esse gigantesco grupos de membros em seus próprios arcos, enquanto sustentam o mistério e horror da narrativa. Mas não se engane, o período de carência acabou, personagens são descartados tão rápido quanto aparecem.
Essa empatia é evidenciada novamente com os titãs. Inicialmente vemos isso com a transformação de Eren, mas também é notado com a cientista Hange Zoë, da Divisão de Reconhecimento, e sua relação de ódio e compaixão com as criaturas desconhecidas, e, mais tarde, com a revelação de Annie, uma membra do grupo de trainees do Eren, que revela-se uma titã. Mas diferentemente de Eren, ela sabia de seus poderes, assim como tem próprias intenções sinistras para suas ações. Toda a narrativa dramática de Annie é mantida um mistério, mas temos vislumbres da dificuldade de sua traição, embasados em sua empatia. Outra relação que desenvolve-se na base de identificação é a de Eren com Mikasa. O carinho da jovem destinada ao protagonista, que torna-se devoção, é construído na base de culpa e de um sentido de obrigação que ela tem por ele. Apesar de Mikasa ser uma ótima personagem, o fato dela ser muitas vezes resignada a um interesse romântico, ou todo seu arco de desenvolvimento ser em torno de Eren, é frustrante.
Num ponto de vista técnico, a animação é espetacular, com uma grande mistura de CGI. Ver os personagens voando pelo ar ou ver o paisagismo panorâmico enquanto os titãs irrompem pelos restos de casas abandonadas é muito bem feito e nunca parece artificial ou forçado. Para mim, porém, eu senti que a segunda metade da temporada funcionou muito melhor com isso, com ênfase dada para mostrar os diferentes regimentos na divisão de reconhecimento e o enquadramento usado para mostrar campos e árvores ondulantes sem fim antes de se aproximar dos soldados. Mas a animação se sobressai mesmo nas cenas de combate ou fuga, usando do equipamento de manobra 3D dos personagens para construir embates que se movem fluidamente, com a câmera seguindo as acrobacias.
Ataque dos Titãs está frequentemente criando enigmas para os fãs resolverem, começando como um terror apocalíptico sombrio e logo se tornando algo muito mais profundo. Embora o ritmo implacável faça com que várias sequências se estendam por vários episódios, a narrativa nunca se arrasta, e a densidade de eventos significa que sempre há muita coisa acontecendo em um espaço de tempo comparativamente curto, enquanto à ação quase constante provavelmente o levará a uma observação excessiva. Um anime que merece todo o louvor e atenção que ganha.
Ataque dos Titãs – 1ª Temporada (進撃の巨人, Shingeki no Kyojin, Japão, 2013)
Criado por: Hajime Isayama
Direção: Tetsurō Araki
Roteiro: Yasuko Kobayashi, Hajime Isayama
Elenco: Masumoto Takuya, Hashizume Tomohisa, Marina Inoue, Yûki Kaji, Yui Ishikawa, Hiro Shimono, Kishô Taniyama, Daisuke Ono, Hiroshi Kamiya, Yû Kobayashi, Romi Pak, Yoshimasa Hosoya, Shiori Mikami, Yû Shimamura
Duração: 600 min. (25 episódios)