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Crítica | Ataque dos Titãs (Attack on Titan) – 4X29 e 30: Os Capítulos Finais

A guerra continua.

por Kevin Rick
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, a crítica dos episódios anteriores.

Depois de um hiato duplo, a 4ª temporada de Shingeki no Kyojin finalmente chega a sua épica conclusão com dois capítulos finais que juntos entregam para a audiência um longa-metragem em forma de blockbuster que encerra a magnum opus de Hajime Isayama. Recapitulando os acontecimentos do seriado pós O Alvorecer da Humanidade, estamos diante do Rugido da Terra de Eren, em que o protagonista tem em ação um assassinato em massa da humanidade. Mikasa, Armin, Jean e companhia continuam sua missão de parar Eren, gradualmente percebendo que não existe redenção para o personagem e seus atos genocidas.

Começando com um flashback de um garotinho salvo por Eren, logo depois para ser morto esmagado pelo mesmo, os dois episódios estabelecem com muita força o palco apocalíptico da história e a gravidade das ações do protagonista. Por diversas vezes a montagem dos episódios cortam para pessoas sendo pisoteadas e trituradas, às vezes com um senso de grande escala com a destruição de grandes cidades e muitos escombros, às vezes de perspectivas mais diretas do pânico e do terror de várias pessoas. Novamente, a produção não se esquece de suas raízes de horror.

Acredito que esses momentos pontuais da direção e da narrativa são importantes para não existir qualquer espaço de absolvição para Eren, não importa quais sejam suas motivações (mais disso à frente) e para também nos colocar completamente do lado da aliança prestes a derrotá-lo. Inclusive, no meio da desolação, a produção sempre encontra momentos pontuais de esperança e compaixão, com destaque para a sequência que presta homenagem à A Lista de Schindler e os momentos que colocam a filosofia da Divisão de Reconhecimento como canto da batalha (o sacrifício de Hange e Levi completando a última ordem de Erwin personificam esse discurso bonito).

Chega a ser tragicamente irônico que muitos desses momentos de destruição dos Titãs remetam ao próprio terror que Eren e seus amigos sofreram nas primeiras temporadas com os ataques à Paradis. Esse tipo de situação sempre nos puxa para o debate de violência cíclica que a série tanto aborda e como o genocídio causado por Eren nasce do ódio, algo pontuado num discurso levemente expositivo mas substancialmente esclarecedor de um general prestes a tentar sua última cartada para salvar o mundo. Um dos blocos dos episódios finais, acertadamente titulado de “Pecadores”, explora muito bem a linha moral tênue e a ambivalência de muitos dos nossos personagens, numa empatia emocionalmente cruel com Reiner, algo que vinha sendo desenvolvido desde a temporada passada.

No fim, todos são vilões e todos são heróis dependendo da perspectiva e do momento. Olhar para o grupo de protagonistas da animação como monstros e vítimas do mesmo sistema é realmente a faceta mais interessante que Isayama poderia dar para o momento de reflexão do grupo, cada um com seus próprios demônios e determinações honrosas. A construção de um cenário onírico adiciona uma certa catarse visual para esses momentos de ponderação e contemplação dos personagens, todos quebrados de diferentes formas e todos com poderes e responsabilidades que não deveriam ter recebidos. Obviamente que Eren está no centro de tudo isso, por mais que os episódios ligeiramente deem mais espaço para o grupo liderado por Armin. Nas minhas críticas sempre tenho pontuado a complexidade do protagonista, mas confesso que estava completamente errado.

Eren Yeager é efetivamente um idiota. Isso fica bem claro ao longo do desfecho da série e o próprio personagem confirma isso. Confesso que é um pouco anticlimático essa ser a resolução para um personagem relativamente intrigante e que isso meio que invalida tantas linhas de discussão e de leitura que escrevi sobre o personagem, sobretudo pela forma confusa que o roteiro nos apresenta suas explicações (às vezes a falta de respostas do protagonista seriam melhores). Ainda assim, por mais pouco satisfatório que a reunião entre Eren e Armin possa parecer, existe uma honestidade de Isayama ao concluir o arco de seu personagem dessa forma.

O protagonista é todo líder mundial com códigos nucleares na mão, todo terrorista que assassina por algum dogma deturpado e todo criminoso de guerra que mata em prol de discursos de ódio: um verdadeiro idiota com muito poder à sua disposição. Se isso não é a síntese mais sinceramente cruel do ciclo de violência da humanidade, gostaria de saber qual é. Todo derramamento de sangue não passa de idiotice e não existe qualquer justificativa para os atos de Eren, que termina matando 4/5 da população mundial apenas para que seu túmulo possa testemunhar novos séculos de guerras sem sentido e para que suas ações despertem novos confrontos, incluindo um grupo que remete ao fascismo.

Existe um encaminhamento dramático extremamente pessimista e niilista que percorre todo o desfecho da animação, algo em linha do que acompanhamos durante a série (quem esperava um final feliz tava maluco), mas sempre entrecortado pela esperança daqueles que querem construir um mundo melhor e que lutam contra o terror, algo encapsulado na conclusão levemente otimista para o nosso grupo de heróis. Considerando que os próprios Titãs e a Guerra de Eldia, Paradis, Marley e afins são frutos dos crimes de ódio contra Ymir, essa conclusão narrativa de Isayama é, na minha opinião, mais do que apropriada e amarga da melhor maneira possível, ainda que não sem seus problemas.

Em termos narrativos, grande porção das pouco mais de duas horas dos episódios é reservada às batalhas. Isso é esperado, até pelo fato de que as lutas em si puxam diferentes emoções e finalizam diversos arcos, como a morte de Zeke pelas mãos de Levi ou a aparição de antigos amigos e aliados para ajudarem no confronto final, dando um toque gentilmente nostálgico ao público e catártico para nossos personagens. Penso que o estúdio se aproveitou dos hiatos para nos entregar um trabalho formalmente primoroso, mesclando 2D e 3D para nos presentear com muito dinamismo e força cinética, além de tudo ser muito bonito. É o desfecho visualmente épico, chocante e de grande escopo que sempre foi esperado para a animação.

Eu penso, porém, que muitos elementos narrativos ficaram perdidos no meio da pancadaria. Por exemplo, a subtrama de Historia não serve para efetivamente nada e a história de origem de Ymir ganha algumas linhas rápidas de diálogo sem o tipo de efeito que faria jus ao tamanho da personagem. Inclusive, a própria mitologia dos Titãs é um tanto escanteada nos capítulos finais. Pelo menos os personagens principais, com exceção talvez de Eren dependendo de como olhamos para sua resolução atrapalhada de arco, ganham os desfechos merecidos.

Levi completa o sonho do seu batalhão e literalmente destrói seu corpo no processo, podendo ter uma vida longe dos campos de batalha. Armin finalmente confronta Eren e se solidifica como o líder que sempre teve o potencial de ser, escolhendo um legado de herói, mesmo que banhado de sangue, ao contrário da herança genocida de seu amigo de infância. Reiner encontra um pouco de paz para seu espírito quebrado e pode finalmente servir de escudo para seus amigos, enquanto o mesmo pode ser dito por Annie em seu protagonismo de menor expressão. Jean e Connie, apesar de não terem arcos dramáticos tão bem delineados como os outros, têm seus momentos de destaque e terminam a série numa nota carismática. E, por fim, a sempre subutilizada Mikasa comete o maior ato de amor e misericórdia para Eren, satisfazendo seu papel na história, por mais que, na minha visão, termine a série com uma personalidade essencialmente vazia para além de sua lealdade cega e imagem de badass.

É difícil colocar em palavras o tamanho de Shingeki no Kyojin para o universo de animes e da mídia televisiva como um todo, seu impacto permanente em como as animações japonesas podem almejar adaptações menos literais em termos formais e como o mundo de mangás pode ter histórias maduras no mainstream. Portanto, penso que a audiência irá demandar nada menos do que excelência dessa conclusão. Dessa forma, o desfecho certamente vai torcer o nariz de muitas pessoas, principalmente com a resolução simplista para Eren, mas é ainda mais difícil imaginar um desfecho mais apropriado para a história principal, por mais divisivo que possa parecer. Nossos personagens de destaque ganham ótimas resoluções de arcos dramáticos e os temas da produção recebem um encerramento ao mesmo tempo desolador e sorridente, com um olhar pessimista para a humanidade como um todo, mas sem descartar a beleza da esperança mesmo em face da improbabilidade. Ajuda bastante que essa substância dramática e temática tenha sido envolta por um clímax epicamente lindo e de um espetáculo visual de um legado colossal.

Attack on Titan – 4X29 e 30: Os Capítulos Finais (進撃の巨人, Shingeki no Kyojin – 完結編, Kanketsu-hen, Japão, 5 de novembro de 2023)
Criado por: Hajime Isayama
Direção: Yuichiro Hayashi, Ryota Aikei, Tokio Igarashi
Roteiro: Hajime Isayama, Hiroshi Seko
Elenco:  Takehito Koyasu, Yoshimasa Hosoya, Ayane Sakura,  Natsuki Hanae, Toshiki Masuda, Manami Numakura, Yûmi Kawashima, Ayumu Murase, Masaya Matsukaze, Jirô Saitô, Tôru Nara, Yû Shimamura, Yûki Kaji, Kazuhiro Yamaji, Hiroshi Kamiya, Romi Pak, Kishô Taniyama, Hiro Shimono, Yû Kobayashi
Duração: 24 min.

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