- Há spoilers. Leiam, aqui, a crítica dos episódios anteriores.
Nós podemos ver a direção íntima do episódio anterior com mais força aqui, tanto no caráter minimalista que o cineasta Mitsue Yamazaki imprime em sua dieta de planos aproximados dos personagens e do ambiente, oferecendo um tom melancolicamente intrínseco à reunião na floresta, quanto na narrativa enganosamente calma em seus diálogos introspectivos e abertura de feridas. Também é de se apreciar a falta de trilha sonora, prezando por sons ambientes que nos mantêm na atmosfera meditativa do episódio, com exceção dos momentos de maior confronto (principalmente físico), indo ao ponto de deixar a opening fora de cena para enfatizar a aura desconfortante que circula o grupo.
No entanto, o aspecto mais curioso da direção (junto da montagem), está na forma que a câmera parece sempre desviar dos rostos dos personagens, se movendo para a mobília, a fogueira, as árvores e o céu da noite. Inicialmente, me pareceu um recurso para dinamizar o episódio, considerando seu desenvolvimento quase em um único ambiente e sem muitos caminhos visuais para além do momento ao redor da fogueira. Mas aos poucos a direção foi me passando uma sensação específica, como se estivesse exteriorizando os constrangimentos e remorsos destes indivíduos. Como se eles não quisessem olhar para si mesmos, reconhecer seus erros e confrontar as atrocidades que fizeram. E então, a câmera ou olha para eles bem de perto para destroçar suas entranhas ou então se afasta com… vergonha.
Como eu já disse inúmeras vezes, não é “apenas” a narrativa que diferencia Attack on Titan do lamaçal de animes genéricos, mas também sua linguagem cinematográfica, seja em episódios íntimos como esse, seja nos momentos acrobáticos de ação que tínhamos com os DMT. Não são só as conversas ou as situações de choque, mas a imagem também fala de maneira sutil, cria sensações imaginárias. Sou até curioso para saber se este trabalho é uma extensão da diagramação de Isayama no mangá. Mas, enfim, o vigésimo quinto episódio provavelmente será lembrado pelos diálogos dilacerantes, mas também deveria ser lembrado pela forma que foi filmado, editado e construído sonoramente. No Cinema vemos muito isso, mas uau, como é raro um anime ter esse nível metódico de construção audiovisual.
Falando mais objetivamente do cenário posto com os diferentes adversários se reunindo, os diálogos não ficam aquém do trabalho técnico. Acho que o texto consegue ser um tantinho didático e expositivo, ainda que não necessariamente ruim, em momentos como quando Yelena explica os pecados de cada membro. Mas acredito que faz parte da “pegada terapêutica” e o jeito corrido da situação, tendo que mastigar alguns conflitos internos, principalmente pensando no tempo limitado de vinte minutos e provavelmente de que Isayama deve ter tido para desenvolver o cenário no material original, já que grande parte da audiência não tem paciência para este tipo de abordagem – eu facilmente veria dois ou três episódios disso aqui.
Mas também há muita sutileza dolorida em ver os personagens derramando suas fúrias, culpando e se autoanalisando na mesma medida, e, enfim, conversando, proporcionando uma reflexão triste sobre arrependimento, mas também com uma linha aprazível de catarse. Há, como sempre, muito subtexto em torno de guerra, preconceito, violência e os temas conhecidos da série, mas me senti especialmente tocado pela parte micro, o olhar no interior dos personagens. Dentre tantos momentos, os melhores e mais sutis para mim foram quando Anne diz “E eu?”, uma pergunta simples carregada de lamentação e necessidade de perdão; e o outro é quando o Levi diz “Quanto barulho”, que na superfície é meio cômico, mas que na minha interpretação contém uma ironia trágica de que em meio a tanta morte, ódio e grandes batalhas, a dor mais barulhenta é aquela que vem do silêncio interior, do vazio palpável dos personagens.
Por fim, A Noite do Fim foca bastante em Jean, sem dúvidas o personagem com mais profundidade dramática do episódio, seguido do sempre deprimido Reiner. Confesso que gostaria dos holofotes na desperdiçada Mikasa neste momento, mas a escolha por Jean faz sentido narrativamente falando, trazendo o dilema de “fazer o que é certo” (o mais próximo que há disso na obra, pelo menos) que sempre assombrou o personagem desde que escolheu a Divisão do Reconhecimento ao invés da vida fácil na Polícia Militar. Nesse sentido, o roteiro se aproveita do foco em Jean e desenterra a morte do seu amigo Marco. Com o tempo limitado, seria impossível tocar em todos os traumas possíveis, então a atenção na relação com Marco, algo que toca em quase todos os personagens ali, pareceu ser a melhor escolha dramática e emocional. Minha principal reclamação, porém, é que não tivemos mais tempo ao redor da fogueira. Quem lê minhas críticas sabe que duvido da qualidade narrativa em torno da aliança enfrentando Eren, mas neste contexto de análise íntima que o episódio faz, eu só posso pedir mais. Em meio a tanta raiva e rancor vindo à tona, acredito que a melhor palavra para descrever A Noite do Fim seja vergonha… e, no meu pensamento esperançoso, compreensão.
Attack on Titan – 4X25: A Noite do Fim (進撃の巨人, Shingeki no Kyojin – 終末の夜, Shūmatsu no Yoru, Japão, 06 de março de 2022)
Criado por: Hajime Isayama
Direção: Mitsue Yamazaki
Roteiro: Hajime Isayama, Hiroshi Seko
Elenco: Takehito Koyasu, Yoshimasa Hosoya, Ayane Sakura, Natsuki Hanae, Toshiki Masuda, Manami Numakura, Yûmi Kawashima, Ayumu Murase, Masaya Matsukaze, Jirô Saitô, Tôru Nara, Yû Shimamura, Yûki Kaji, Kazuhiro Yamaji, Hiroshi Kamiya, Romi Pak, Kishô Taniyama, Hiro Shimono, Yû Kobayashi
Duração: 24 min.