- Há spoilers. Leiam, aqui, a crítica dos episódios anteriores.
O principal tema de Attack on Titan é a violência cíclica. É o proverbial que violência gera violência, mas o anime sempre soube desenvolver a temática para além do ditado superficial, trazendo um subtexto histórico-social entre Marley e Eldia que reflete muitas situações reais de opressão, englobando uma gama de tópicos, como isolamento, escravidão, preconceito, racismo estrutural, guerras, nacionalismo, etc. Nesse contexto, a questão da memória ancestral e coletiva de um povo, puxado para o lado de culpa e/ou sofrimento, também sempre fez parte do enredo. O mistério sobre o porão de Grisha e afins, sempre soaram interessantes da perspectiva de mitologia e desenvolvimento de trama, mas se pararmos para pensar, há a sugestão implícita de povos que foram despojados de sua cultura e história, com mentiras contadas por aqueles no poder – aliás, Cristóvão Colombo agradece até hoje.
É por isso que eu prefiro a série com sua narrativa política, pois traz uma substância para a obra que transforma o steampunk pós-apocalíptico em um chamariz para uma história em seu cerne cheia de camadas, metáforas e simbologias sobre o horror que é o ser humano e a sociedade – notem como o terror dos Titãs foi se tornando secundário na série, como típico de obras de zumbi, como os filmes de George A. Romero e até The Walking Dead, para dar um exemplo recente. Nesse sentido, Eren é tão protagonista de anime quanto representação de um líder nacionalista radical, algo que a narrativa sempre indicou com seu comportamento errático e insurgente, mas que vem à tona em Lembranças do Futuro.
Assim como o “Caminho” é apenas uma alegoria para falar sobre a memória de um povo, ainda escravizado na figura de Ymir em seu ambiente desértico, com sua raiva e temor personificados na família Yeager durante o “passeio” pelas lembranças de Grisha. Primeiramente que, além do aspecto onírico que permeia esse episódio, temos um artifício visual muito inteligente para trabalhar o batido flashback em animes de forma progressiva e prática, como também para fazer uma narrativa circular (por isso minha retrospectiva no início da crítica), praticamente um paradoxo alegórico, com Eren sendo também o estopim de todo o conflito do anime, num dos melhores plot-twists de uma história cheio deles.
Em termos de mitologia, o fato do Titã de Ataque poder “ver” o futuro e a reviravolta de Eren incitando o seu pai a matar a família real, soam como mudança repentinas malfeitas, como que “tiradas da cartola”, algo que normalmente não aprecio. Mas em termos de representação, o twist de Eren é simplesmente perfeito. Sintetiza a personalidade e as motivações do protagonista com extremo cuidado narrativo, demonstrando para um estarrecido Zeke (basicamente no mesmo papel da audiência) que ele nunca sofreu lavagem cerebral. Ele sempre foi assim, retaliação de uma nação em carne, sangue e monstruosidade, com destaque para as expressões faciais do personagem e pelo trabalho de voz magnífico de Yuki Kaji.
À medida que a narrativa vai se desenrolando nesse episódio, há uma ironia circulando a história, tanto de Zeke sendo surpreendido após levar Eren para as memórias de Grisha quanto do desenvolvimento de Eren enquanto catalisador. Mas é uma ironia trágica, construindo tensão sem ação, e sim através de um sentimento de inevitabilidade, como se estivéssemos caminhando para um momento trágico, muito bem pontuado pela trilha sonora crescente, indo da leve melancolia até o clímax estrondoso. No fim, o cinismo de Attack on Titan persevera, finalmente demonstrando que Eren nunca foi “o escolhido” para interromper a violência cíclica. Ele é apenas mais um perpetrador.
Attack on Titan – 4X20: Lembranças do Futuro (進撃の巨人, Shingeki no Kyojin – Memories of the Future 未来の記憶 Mirai no Kioku, Japão, 30 de janeiro de 2022)
Criado por: Hajime Isayama
Direção: Kouki Aoshima
Roteiro: Hajime Isayama, Hiroshi Seko
Elenco: Takehito Koyasu, Yoshimasa Hosoya, Ayane Sakura, Natsuki Hanae, Toshiki Masuda, Manami Numakura, Yûmi Kawashima, Ayumu Murase, Masaya Matsukaze, Jirô Saitô, Tôru Nara, Yû Shimamura, Yûki Kaji, Kazuhiro Yamaji, Hiroshi Kamiya, Romi Pak, Kishô Taniyama, Hiro Shimono, Yû Kobayashi
Duração: 24 min.