- Há spoilers. Leiam, aqui, a crítica dos episódios anteriores.
Nas críticas das outras temporadas – e também do primeiro episódio –, grande parte do meu argumento foi baseado nas questões intrínsecas de denúncia social e política que Isayama expõe na série, as vezes escancaradas, as vezes disfarçadas, mas que são o alicerce do enredo fortemente recheado de subjetivismo humano e dos horrores que permeiam as escolhas dos personagens. No entanto, o formato de crítica por episódio abre espaço para uma abordagem menos abrangente, podendo haver mais foco analítico nas escolhas narrativas da série à cada novo capítulo. É com isso em mente que faço um tratamento textual do segundo episódio mais concentrado nas predileções do mangaká para seu elenco, mais especificamente, em Trem da Noite Escura, sobre Reiner.
Dentre o grupo que invadiu Paradis a mando de Marley, composto por Annie, Bertholdt e Reiner, sempre achei o Titã Blindado o mais intrigante do trio. A construção – ou seria melhor dizer desconstrução? – do psicológico do personagem é algo que tem sido preparado desde a revelação súbita, e olhando em retrospecto, até mesmo hilária dado o discurso despreocupado, de Reiner para Eren sobre sua verdadeira identidade. Todo seu debate guerreiro/soldado com Bertholdt, a culpa e senso de dever contradizendo-se, abalando sua sanidade, é uma das minhas tramas favoritas da segunda temporada, sendo apenas aumentada dramaticamente após a morte de Bertholdt, e atingindo seu ápice nesse segundo episódio.
Digo ápice com certo receio, já que provavelmente veremos mais de sua bússola moral quebrada alcançando um surto mental no decorrer da temporada, mas neste momento, Trem da Noite Escura é o melhor episódio de desenvolvimento do Reiner, e um dos melhores – quiçá o melhor – de evolução de personagem na série. Digo isso, pois em grande parte do anime sempre vemos um paralelo de flashback com o presente quando Isayama quer nos envolver emocionalmente no arco de algum membro da história em específico, majoritariamente com diálogos expositivos e lágrimas em ação, e apesar desse eficiente recurso narrativo ser usado aqui brevemente numa visão de Reiner do seu grupo infantil nos novos candidatos à Titãs, em mais uma exibição do autor sobre o infinito clico odioso de ambas nações, a composição do lento estudo psicológico de Reiner é um sopro de ar fresco nos arquétipos esperados do gênero.
Após o primeiro episódio de ação frenética, o roteiro quer navegar no pós-guerra, adentrando maquinações governamentais, situações preconceituosas da divisão marleyanos/eldianos no transporte, na moradia e na hierarquia administrativa (notem o uso de Zeke nesse artíficio), e, o principal tema do segundo capítulo, o transtorno de estresse pós-traumático. A direção do episódio constrói uma atmosfera tenebrosa sempre que somos apresentados à desajuizados soldados eldianos, com um grande uso de iluminação sombria e trilha sonora macabra, utilizadas com mais potência nas duas melhores cenas do episódio – e duas das minhas favoritas da série –, que merecem um olhar mais aprofundado. Ambas contém Reiner como centro, mas sustentam diferentes conotações para o personagem e para o enredo da animação. A primeira é uma conversa entre ele e Falco, na qual Isayama manuseia o já recorrente horror advindo da servidão dos cidadãos eldianos, em um discurso aterrorizador com objetivo protetor de Reiner para com a criança, mas, principalmente, é a formação dos indícios de uma possível traição do Titã Blindado, remetendo-se a contradição de culpa e senso de dever do personagem, lentamente estruturadas desde um certo plot twist.
A segunda cena que explano sobre, também emprega essas temáticas da ambiguidade e incredulidade do Reiner em relação à Marley, mas diferentemente da manifestação intencional no trem, a fala do personagem à mesa familiar é involuntariamente dura e honesta. Não há um pingo de falsidade em sua voz enquanto “critica” seus antigos companheiros, em uma clara exposição afetuosa de um passado nada angustiante no acampamento de cadetes. É um acontecimento tão trágico, carregado taciturnamente pela direção em seu devaneio temporário, expondo como um dos maiores assassinos dentro do universo do anime é, também, um dos mais empáticos. Isayama é um mestre em manipular a perspectiva à partir das emoções do espectador.
Em termos de favoritismo, eu gosto mais desse capítulo do que o anterior, mas a nota crítica inferior refere-se ao pobre e anticlimático desfecho de Ymir. Sempre considerei ela uma das mais enigmáticas integrantes do anime, e a falta de elaboração para seu adeus na série foi extremamente decepcionante. Eu também notei certos problemas na animação, que sofreu um downgrade de Do Outro Lado do Oceano, com articulações corporais meio travadas e robóticas. Espero que seja uma birra minha e não uma onda decrescente da qualidade animada à medida que a temporada avança. Fora isso, Trem da Noite Escura é mais um episódio praticamente perfeito dentro do escopo geral de Attack on Titan, continuamente oferecendo um olhar crítico e cruel para o preconceito social no pós-guerra, entregando uma narrativa que manuseia essas temáticas dentro do melancólico estudo psicológico do Reiner.
Attack on Titan – 4X02: Trem da Noite Escura (進撃の巨人, Shingeki no Kyojin, Japão, 13 de Dezembro de 2020)
Criado por: Hajime Isayama
Direção: Yûchirô Hayashi, Jun Shishido
Roteiro: Hajime Isayama, Hiroshi Seko
Elenco: Takehito Koyasu, Yoshimasa Hosoya, Ayane Sakura, Natsuke Hane, Toshiki Masuda, Manami Numakura, Yûmi Kawashima, Ayumu Murase, Masaya Matsukaze, Jirô Saitô, Tôru Nara
Duração: 24 min.