Home QuadrinhosMinissérie Crítica | Astro City: Vida na Cidade Grande

Crítica | Astro City: Vida na Cidade Grande

por Luiz Santiago
647 views

E se a sua cidade fosse um lugar de concentração de inúmeros super-heróis e vilões bizarros, um lugar onde o super-heroísmo fosse tão comum a ponto de as pessoas apenas tomarem as ações dos heróis como “um feito a mais” do dia a dia? Como seria uma sociedade marcada pela convivência não circense (pensem basicamente em Marvel ou DC) dos heróis e vilões com os humanos?

Este lugar existe. E ele se chama Astro City.

Criado por Kurt Busiek e Brent Anderson, com capas do grande Alex Ross, o primeiro volume da série Astro City foi publicado nos Estados Unidos entre agosto de 1995 e janeiro de 1996, com um total de 6 edições. O volume lançado no Brasil pela Panini em março de 2015, intitulado Vida na Cidade Grande, faz a compilação dessas seis edições e ainda traz extras de infraestrutura da cidade, rascunhos de arte, capas alternativas e um prefácio primoroso de Kurt Busiek escrito em maio de 1996.

Neste prefácio, o autor comenta de maneira cirúrgica o tratamento dado à nona arte por artistas, leitores e não-leitores, alfinetando algumas febres de “abordagem madura” ou a tentação da “história fácil para o grande público”. E é bastante consolador percebemos que o escritor não deixa isso apenas na teoria. Sua prática mostra que é possível fugir dos maniqueísmos ou extremismos dos quadrinhos, procurando dar abordagens renovadas para essa classe de personagens tão fértil e tão curiosa que são os super-heróis.

plano critico astro city

Adotando a mesma premissa de Marvels (1994), Busiek organiza seu texto fora da narração comum, adotando o ponto de vista de um herói, vilão ou cidadão de Astro City para contar a história. Sua proposta aqui não é problematizar esses personagens às raias do existencialismo ou mergulhar na psicologia de cada um deles. O que temos é um excelente exemplo de tratamento dramático nos moldes da Era de Ouro para os heróis, alguns deles assumindo representações criativas de personagens que conhecemos bem, mas dentro de um novo contexto e num universo instigante. Podemos citar o Samaritano (Superman), Vitória Alada (Mulher-Maravilha), Agente de Prata (Capitão América), Primeira Família (Quarteto Fantástico), Caixa de Surpresas (Homem-Aranha), Guarda de Honra (Liga da Justiça) e outros heróis menores, mais difíceis de fazer comparações, porém, igualmente ricos e interessantes, como Balestra, Cleópatra, Sabre Negro, N-Força, Bambambão e por aí vai…

A riqueza deste Vol.1 de Astro City está na forma como o autor pensou em organizar histórias distintas que, ao mesmo tempo, estivessem interligadas por algum fio. À medida que os olhares mudam, novas histórias são mostradas, novos vilões aparecem (todos com nomes do naipe de Diácono, Zoogangue, Pesadelo Vivo, Tubrak e seus Homens-Tubarão…) e a cidade é vasculhada em diferentes pontos, percebemos um raro jogo de inocência e seriedade que deságuam no realismo fantástico, uma medida que nos aproxima bastante da saga e ao mesmo tempo nos faz admirar e torcer para o que acontece neste mundo tão perto e tão distante do nosso. Espaços e acontecimentos como o centro comercial da cidade, a região do morro, o transporte público, a revitalização dos bairros, as tragédias urbanas… está tudo aqui, sem complicações desnecessárias, apenas uma história simples, com diálogos marcantes – e alguns, como a conversa entre o Samaritano e a Vitória Alada no Capítulo 6, bem polêmicos.

A arte de Brent Anderson nos dá ainda mais a sensação de realismo dentro de uma perspectiva fantasiosa. Sua finalização e traços grossos ou de aparência “suja” aliada às cores de Buccellato e sua empresa Electric Crayon alternam uns poucos quadros minimalistas a grandes exibições de heróis em luta, vilões explodindo coisas, quartos bagunçados, ruas sujas ou panorâmicas de cidades ou edifícios comerciais. É uma arte perfeita para tratar essas imperfeições características de uma história baseada em pontos de vista, sempre nublados, machados ou ocultos por alguma coisa.

plano critico vida na cidade grande volume um

Astro City é um exemplo ideal de como contar uma história criativa e de qualidade com o máximo e o mínimo de elementos “apelões” ao mesmo tempo. O volume traz um sólido trabalho de ideias como o vício em trabalho de um herói; os percalços do jornalismo investigativo; a moral de um indivíduo imoral (nesse caso, um bando que descobre um segredo que não deveria); a dualidade entre os “monstros da nossa casa” e os “monstros da casa dos outros”; o impasse ético de um espião alienígena em relação aos humanos (e especialmente às velhas fofoqueiras de seu prédio); e o encontro romântico entre o herói viciado em trabalho do primeiro capítulo e uma heroína feminista. Tudo isso mostrado com um vigor visual e força textual que fazem qualquer um entrar em um terrível conflito, que é a vontade de ler devagar para não terminar rápido o volume e a curiosidade mortal para saber o que acontece na página seguinte, no capítulo seguinte. É como se tivéssemos receio de deixar os limites da cidade das maravilhas e sermos obrigados a dirigir com cuidado, como nos alerta as placas de sinalização após dado o ponto final de cada aventura.

  • Nota: o encadernado da Panini (2015) traz extras com galeria de capas, infraestrutura da cidade e concepção dos seguintes personagens: Samaritano, Guarda de Honra (Cleópatra, Agente de Prata, N-Força, Balestra, Estelária, Beautie, MPH); Caixa de Surpresas, Homens-Tubarão e A Primeira Família.

Astro City Vol.1 #1 a 6: Life in the Big City — Vida na Cidade Grande (EUA, 1995 – 1996)
No Brasil:
Panini, março de 2015
Roteiro: Kurt Busiek
Arte: Brent Anderson
Cores: Steve Buccellato, Electric Crayon
Capas: Alex Ross
Arquitetos e planejadores urbanos: Kurt Busiek e Brent Anderson
194 páginas

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais