Depois do belo e pouco animador A Crônica Francesa, esperava-se que o diretor Wes Anderson trouxesse algo a mais para a sua realização fílmica, algo que não fosse apenas as já conhecidas e elogiadas composições simétricas, direção de fotografia, arte e um desenho de produção aplaudíveis. Asteroid City (2023), escrito pelo diretor em parceria com seu colaborador recorrente, Roman Coppola, apesar de ser um bom filme, consegue ser ainda mais anêmico, mais sem força e cheio de caminhos narrativos aleatórios do que o longa de 2021. Ali, tínhamos pelo menos uma linha dramática perceptível, que mesmo não sendo bem aproveitada ou desnecessariamente entrecortada por draminhas paralelos e desnecessários, apresentava uma linha coerente de narração e um núcleo de personagens ao qual o público pudesse se apegar. Já aqui…
A versão retrofuturista dos anos 1950 que o cineasta cria em Asteroid City conta com uma fotografia de cores que remetem às produções em Eastmancolor/Warnercolor daquela década, contendo um filtro de tom pastel que suaviza o contraste e reforça a aparência de sonho, nostalgia e conexão entre televisão, teatro e cinema, um diálogo entre formatos de representações que até poderia gerar algo muito bom, mas que aqui termina sendo mais uma das ferramentas que torna o filme desnecessariamente confuso em sua unidade. As afetações esperadas nesse tipo de película podem ser um problema para alguns espectadores, mas nem de longe são um impasse real, uma vez que a artificialidade é um dos motes pretendidos na obra. O uso de miniaturas e a escolha renascentista dos enquadramentos de Wes Anderson já anunciam um tipo de produção que distancia o espectador e os personagens de algo puramente real. Estamos em uma história sobre uma história. Mas qual é a identidade e qual é o foco deste conto que perpassa tantas mídias?
Um caminho interpretativo óbvio e muito interessante é o da superação do luto a partir de uma relação familiar. As mais variadas interações dessa instituição estão presentes no cinema de Wes Anderson desde Pura Adrenalina (1996), e ao longo do tempo foi expandida para a família escolhida, formada pelos amigos encontrados no decorrer de algum processo. Em Asteroid City, as questões parentais e fraternas são colocadas como desafios para os personagens, desta vez, investindo na dificuldade de comunicação. É aí que a superação do luto passa a ter um papel importante, marcando a família do fotógrafo Augie Steenbeck (Jason Schwartzman), que faz uma parada maior do que deveria em Asteroid City. Na desértica cidade, o filho mais velho de Augie participa de um concurso para jovens cientistas, e a ocorrência de um “evento impossível” serve de conflito principal por um bom tempo. Neste ponto da narrativa, o espectador ainda está esperando que o enredo assuma o seu carro chefe com algum personagem ou com alguma linha de ações que se mostre “principal”. Afinal, o que de fato tem importância aqui? O lado televisivo, o lado teatral ou o lado cinematográfico, com maior tempo de tela?
A resposta óbvia seria, claro, o drama de Asteroid City, ou seja, a obra-dentro-da-obra. Mas como o roteiro insiste em entrelaçar as realidades, parece que nunca há tempo de oficializar coisa alguma. Mais uma vez, temos a impressão de estar vendo uma antologia de curtas-metragens ambientados num mesmo Universo, com toques de metalinguagem e uma tendência à complexidade narrativa que não ajuda em nada. O incrível elenco reunido acaba salvando um número enorme de cenas (gosto muito dos personagens de Jason Schwartzman, Scarlett Johansson e Jeffrey Wright aqui), e é evidente que se isolarmos determinados momentos, teremos percepções mais positivas sobre o filme. A questão é que, a junção de todos os bons elementos — estética perfeita, inteligente trilha sonora e ótima dramaturgia — não consegue fazer com que haja um sentido maior por trás de tudo, e terminamos o filme com a impressão de um drama consideravelmente aleatório que tentou atingir importantes pontos, mas não conseguiu sair da introdução. Se Wes Anderson não fizer com que sua escrupulosa concepção estética seja uma ponte para contar boas histórias, em vez de uma prisão formal, ele abrirá uma mancha permanente em sua filmografia.
Asteroid City (EUA, 2023)
Direção: Wes Anderson
Roteiro: Wes Anderson, Roman Coppola
Elenco: Bryan Cranston, Edward Norton, Jason Schwartzman, Scarlett Johansson, Jeffrey Wright, Liev Schreiber, Tom Hanks, Matt Dillon, Seu Jorge, Steve Carell, Bob Balaban, Tilda Swinton, Jeff Goldblum, Adrien Brody, Willem Dafoe, Margot Robbie, Hope Davis, Steve Park, Grace Edwards, Maya Hawke, Rupert Friend, Aristou Meehan, Ethan Josh Lee, Sophia Lillis, Jake Ryan
Duração: 105 min.