Consta em pesquisas que o escritor Bram Stoker, em seu processo para composição de Drácula, romance publicado em 1897, fez uma extensa pesquisa para a realização de sua obra-prima, em especial, a criação do vampiro que estabeleceu os padrões para uma mitologia densa, utilizada com recorrência em narrativas que se inspiraram em sua estrutura para produção de entretenimento vampiresco. A biografia de Vlad Tepes, o lendário empalador, foi um dos achados que compuseram o personagem. Drácula, na verdade, é um pastiche de diversas figuras sociais. O pastiche, para quem não sabe, é um dos elementos comuns da linguagem, utilizado quando em uma determinada trama ou personagem, encontramos um feixe de outras referências mixadas. Um caso que costumo citar com frequência é a protagonista do musical Moulin Rouge: Amor em Vermelho, de Baz Lurhmann. Satine, interpretada por Nicole Kidman, é um misto da heroína da peça A Dama das Camélias, Marilyn Monroe, Madonna, dentre outros ícones femininos reais e ficcionais. O mesmo Stoker fez com o seu vampiro.
Drácula traz elementos do ator Henry Irving, dono do teatro gerenciado por Bram Stoker durante a maior parte de sua vida, bem como do escritor Walt Whitman e do empalador romeno que é o tema central do documentário Assassinos Lendários: Vlad, O Empalador, produção que só pelo título já carrega um tom extremamente sensacionalista. E, de fato, há uma sobrecarga não apenas nas cenas e suas descrições, mas na narração, material típico do History Channel, estratégia geralmente empreendida para manter os espectadores e criar uma atmosfera atrativa para públicos mais amplos. Conforme os apontamentos dos especialistas, Tepes (empalador em romeno) foi o homem responsável por deter o avanço do Império Otomano em batalhas do século XV. A região da Romênia na época era um território confuso, aglomerado por principados espremidos por “potências” gigantes. Essa situação acabou por geminar os acontecimentos que levaram ao processo de formação deste lendário guerreiro conhecido por sua sanguinolência.
Com uma longa história de batalhas e conflitos territoriais, a produção nos explica que Sigismundo, um imperador germânico, convocou o pai de Vlad e o nomeou para a Ordem do Dragão, um grupo de cavalheiros que se dedicava aos esquemas de defesa do império e dos valores cristãos, tendo em vista proteger a área em que atuavam da dominação dos turcos. Por ter gostado da honraria, ele adotou o nome Dracul (Drac é dragão em romeno) e, quando o filho do meio também entrou para a tal ordem, se tornou Draculea (ou Dracula), Filho do Dragão. O resto, então, é uma longa e apreensiva história de conspirações. Há relatos que delineiam o método de operação de Vlad Tepes: enfiar uma estaca de madeira não afiada em seus inimigos, embebida de óleo, estratégia para evitar aniquilar os indivíduos de cara. Com toda esta crueldade, o combatente deixou o seu nome não apenas pelo histórico de violência, mas também pela sagacidade de suas ações. Cobrava pedágios para construção de estradas, além de amontoar moeda para encorpar o seu exército e trabalhar na elaboração de armas biológicas.
Homem de seu tempo, sem a possibilidade de ser julgado conforme os padrões adotados na contemporaneidade, Vlad, o Empalador, traz em sua jornada um tom fortemente sensacionalista, ideal para o estabelecimento de um imaginário fincado nas malhas do horror. O documentário se preocupa em dar para a figura polêmica um olhar duplo, pois não foi apenas de violência que a sua trajetória se baseou. Defensor dos ideais de seu povo, ele bateu de frente contra invasores e lutava com astúcia. Com encenações convincentes de sua história, o personagem com legado de brutalidade tem, ao longo dos 45 minutos de narrativa, uma presença trabalhada por meio de estratégias didáticas dos realizadores, numa produção audiovisual repleta de gráficos, fotografias de documentos da época e outros recursos para dar verossimilhança ao que é contado. A edição, sonorizada com passagens entrecortadas por um som de espada amolada, estabelece o tom de entretenimento, num documentário que agrada não apenas historiadores ou estudantes, mas os curiosos e fascinados pelos conflitos do nosso passado, responsáveis por tecer o presente.
Assassinos Lendários: Vlad, O Empalador (Vlad The Impaler – EUA, 2020)
Direção: Andy Robins
Roteiro: David Wilson
Elenco: Peter Milley, Molly Molloney, Eleanor Bailey, Jean-Claude Bragard,
Duração: 45 min