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Crítica | Assassinato no Mena House, de Erica Ruth Neubauer

Um mistério no Egito, em 1926.

por Luiz Santiago
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O Hotel Mena House (hoje Marriott Mena House Hotel) tem uma história longa e bastante curiosa. Em 1869, o vice-rei do Egito, Isma’il Pasha (muitas vezes referenciado como Quediva ou Khedive, título do Império Otomano para denominar seus sultões e grão-vizires, mas que também foi utilizado para designar os vice-reis do Egito no período entre 1805 a 1914) construiu, na cidade de Gizé (que vocês podem encontrar com outras grafias, como Giza, Gizeh, al-Gizah…) uma cabana de caça com dois andares, e que recebeu o apelido de “Cabana de Lama”. Era um entreposto entre a movimentada cidade do Cairo e o planalto de Gizé, local famoso pela presença das grandes pirâmides de Quéops , Quéfren e Miquerinos e também da Esfinge, grandiosas, impressionantes e importantíssimas construções do Antigo Império do Egito (c. 2700 – c. 2200 a.C.). Com o passar do tempo, o Quediva diminuiu a frequência de uso da cabana e acabou vendendo-a em 1883. Esses novos proprietários passaram a casa adiante em 1885, para o casal britânico Ethel e Hugh F. Locke King, que aproveitaram a expansão inicial feita por Frederick e Jessie Head, os antigos proprietários, e começaram a construção de um hotel.

Chamado The Mena House em homenagem ao faraó Menés, a quem (disputadamente) se atribui a unificação do Alto e Baixo Egito e a fundação da Primeira Dinastia (c. 3100 – c. 2900 a.C. — importante destacar que as datações para as Dinastias iniciais das antigas civilizações são variadas e mudam dependendo do foco da pesquisa arqueológica ou datas/eventos considerados pelo historiador que analisa o período), este local tornou-se um luxuoso e imponente referencial turístico, tanto por sua posição geográfica privilegiada, literalmente com “vista para as pirâmides“, quanto pelos visitantes que recebeu ao longo de seus anos de existência. E é justamente nesse icônico hotel que se passa a ação de Assassinato no Mena House (2020), o primeiro livro da escritora americana Erica Ruth Neubauer para a série de suspenses históricos chamada Um Mistério de Jane Wunderly.

Ambientada em 1926, a história nos apresenta a protagonista Jane Wunderly, que se tornou viúva há alguns anos (mais precisamente durante a Primeira Guerra Mundial) e que está viajando pelo Egito ao lado de sua tia Millie, que não perde uma oportunidade para tentar arrumar um esposo para a sobrinha. Com essas informações, o leitor já tem muito do que irá acontecer no decorrer do romance em termos de desenvolvimento de personagens, embora a autora tenha feito questão de dar um passado trágico para Jane, que casou-se com um homem sádico e sofreu violência doméstica e diversos e terríveis abusos no período em que esteve casada. De todos os livros de mistério com personagens femininas centrais que eu já li, nenhum deles trazia uma mulher com essa bagagem tão pesada e que não é algo aleatório: tem um importante significado para justificar o seu comportamento no decorrer da obra.

No geral, porém, eu me senti muito próximo da atmosfera que presenciei durante a leitura dos livros da série Mistérios de Meg Langslow. A personagem central é uma mulher, que acaba se tornando uma detetive amadora, colocada em um crime que representa um perigo para ela e para muitas pessoas à sua volta, sem contar que constantemente está na mira da polícia ou de um detetive, inspetor ou investigador durão que torna sua vida ainda mais difícil. A diferença é que os livros de Donna Andrews possuem uma boa dose cômica e personagens imensamente simpáticos… o que não acontece com o Universo histórico criado por Ruth Neubauer. Nem mesmo Jane tem aquela aura interessante, chamativa, que desperta no leitor uma grande vontade de continuar acompanhando sua jornada. Ela é uma personagem que aparece muito, diversas coisas à sua vida nos chamam a atenção pelo peso e horror que carregam, mas é só isso. E ao longo da leitura, temos poucos personagens com um verdadeiro impacto sobre o leitor.

A construção do mistério aqui é interessante, embora tome muitos caminhos paralelos até chegar ao ponto onde deveria (e caminhos um tanto confusos, que em boa parte das vezes não acrescenta muito à aventura). Tudo começa com a jovem Anna Stainton, que não era exatamente uma pessoa querida entre os hóspedes do hotel. É a partir dela que se inicia uma investigação no Mena House, e Jane, inicialmente uma suspeita, acaba fazendo a sua própria investigação, a princípio de forma bastante reticente e sem jeito, e depois assumindo riscos e realmente descobrindo coisas importantes. A maneira como as mortes acontecem no enredo e a lista de suspeitos que nos apresenta são pontos que a autora parece ter pensado em desenvolver apenas em parte, porque não estão completamente bem inseridas na história. Senti falta daquela brincadeira com as pistas deixadas pelos principais personagens ao longo de todo o livro, e não apenas mostradas em formato de tsunami, nos capítulos finais.

O romance ligado a Jane também não ajuda muito. Aliás, a atmosfera de dondoca e o tom açucarado, mesmo com a protagonista negando o romance e resistindo às investidas masculinas, dão uma sensação de banalidade e de coisas simplistas demais que diminuem a força do texto — que até traz momentos de interessante reflexão, quando fala do roubo de relíquias do Egito por colecionadores Ocidentais, por exemplo. Ao final, a gente quer que as coisas se resolvam logo e que o livro termine, porque parece que não teremos mais nada de verdadeiramente interessante. Mas é um boa obra, no todo, com boas exposições de assassinatos e um processo investigativo parcialmente bacana, que infelizmente cai em desvios e simplificações que não ajudam. Jane Wunderly começa relativamente bem a sua jornada, como personagem, na literatura policial. Mas terá que comer muito feijão com arroz para conseguir se elevar aos altos postos das heroínas desse tão exigente gênero.

Assassinato no Mena House (Murder at the Mena House) — EUA, 31 de março de 2020
A Jane Wunderly Mystery – Livro 1
Autora: Erica Ruth Neubauer
Editora: Kensington Publishing Corporation
304 páginas

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