Algumas aventuras literárias a gente simplesmente não consegue prever. No final de 2020, quando romances policiais e suspenses de diversos autores e países começaram a entrar para a minha lista, eu simplesmente não imaginava que esta seria uma linha que tomaria basicamente toda a minha grade de leitura no início de 2021. Comecei o ano com Seara Vermelha, de Dashiell Hammett, e talvez isso fosse um indício, mas eu não atentei para ele. Então os mistérios, os suspenses e os dramas policiais foram surgindo um atrás do outro. Foi nessa teia que a série Mistérios de Meg Langslow se apresentou para mim, durante uma conversa com uma amiga a respeito da viagem que eu estava fazendo pelo gênero.
A indicação me chamou a atenção, é claro, mas eu realmente não tinha certeza do que esperar. Fiquei até com um pouco de receio, porque cheguei a abandonar um livro esse ano (The Blessing Way, de Tony Hillerman) com o qual inicialmente havia me empolgado bastante, mas cujo mistério foi paulatinamente me tirando a vontade de continuar. Poucas páginas de leitura desse Assassinato com Pavões, no entanto, já mostrava que o caso seria bem diferente aqui. Donna Andrews cria uma narradora/protagonista muito interessante desde os seus primeiros momentos, e a atmosfera de cidade pequena mais o tom meio amalucado da família de Meg e a forte abordagem cômica da obra simplesmente capturam o leitor.
O mês é maio e Meg está absurdamente atarefada. Ela não só foi convidada para Dama de Honra, mas também para organizar três diferentes casamentos: o de sua grande amiga Eileen Donleavy (que quer todos os 600 convidados em trajes renascentistas); o de seu irmão Rob com Samantha Brewster (que acha que alguns pavões no casamento podem ser um daqueles “pequenos toques que tornam tudo especial“); e de sua mãe, a Sra. Margaret Langslow, há muito tempo divorciada do pai de Meg, que ainda faz parte da família, sendo querido por todos… um médico aposentado que tem como passatempo cultivar plantas venenosas. Essa quantidade de coisas para fazer é o que toma as primeiras páginas do livro e serve como introdução do leitor à personagem. Aqui conhecemos o seu pensamento, a sua forma de observar o ambiente e sua relação e opinião sobre os familiares. Tudo se complica, no entanto, quando uma convidada da festa aparece morta na praia, próximo à propriedade dos Langslow.
O caráter de “novelão” que o livro tem é um dos seus verdadeiros charmes. Acompanhar esse grande grupo de personagens e se importar com eles, incomodar-se com o comportamento inapropriado de um ou torcer para que um casal fique junto são coisas que o leitor vai fazendo ao longo do volume, além de temer pela vida da protagonista e de alguns de seus familiares, uma vez que armadilhas mortais, acidentes suspeitos e outras mortes começam a rondar a família. A cada nova semana e a cada novo casamento, um crime e uma série de perguntas sem respostas surgem no meio do caminho, conteúdo que a autora carrega sem cansar o público com descrições longas e desnecessárias ou teorias intricadas sobre quem estava por trás de tudo.
A simplicidade aliada ao cômico familiar são os pontos onde o livro brilha, e mesmo que o mistério em si não seja nada de fino trato, a sua ótima apresentação distribuída em blocos instigantes ao longo do volume, a própria exploração da psicologia do criminoso e a construção de todo um drama a partir de distintos olhares de investigação e suspeitas compensam com muita sobra qualquer cobrança em relação ao puro mistério do livro. Assassinato com Pavões é daqueles primeiros degraus de uma série literária que você sobe e não vê a hora de correr por todos os outros. Se seguir metade da diversão que nos trouxe aqui, a saga certamente está entre aquelas para se guardar no coração.
Mistérios de Meg Langslow – Livro 1: Assassinato com Pavões (Meg Langslow Mysteries: Murder With Peacocks) — EUA, janeiro de 1999
Autora: Donna Andrews
Publicação original: Thomas Dunne Books
332 páginas