- Há spoilers. Leiam, aqui, a crítica da temporada anterior.
Nos estertores da Marvel Television, quando o processo final de concentração de todas as produções com o selo Marvel nas mãos de Kevin Feige estava acontecendo, diversas séries prometidas foram canceladas, mas três delas, já em estágios avançados de pós-produção, acabaram ganhando a luz do dia sem muita fanfarra, a live-action Helstrom, a animação em stop-motion M.O.D.O.K. e a animação “normal” Assassímio (ou Hit-Monkey, no original). Quando a última delas foi ao ar, imaginei que nenhuma jamais seria renovada e, enquanto isso foi verdade para as duas primeiras (uma infelicidade, pois ambas mereciam continuar, especialmente M.O.D.O.K.), eis que saiu a notícia de que Assassímio ganharia uma segunda temporada produzida pela 20th Century Television para o Hulu que finalmente foi ao ar em 2024.
O primeiro ano do macaco-japonês particularmente eficiente no uso de instrumentos letais, sejam armas de fogo ou armas brancas, que recebe a mentoria do fantasma esverdeado de um matador de aluguel que só ele consegue ver, criado para os quadrinhos por Daniel Way e Dalibor Talajić em 2010 foi uma violenta aventura autocontida passada inteiramente no Japão que, claro, continha pequenas pontas soltas para permitir continuação. A segunda temporada, então, usa esses instrumentos, mais precisamente a poderosa espada do Bonsai Master que a policial Haruka (Ally Maki) esconde, o misterioso retorno de Bryce (Jason Sudeikis) do Inferno e a assunção do manto da Mercenária por Akiko (Olivia Munn), com toda a ação deslocando-se para Nova York, para, então ampliar a mitologia do singelamente denominado Macaco (Fred Tatasciore) e lançá-lo em uma narrativa consideravelmente mais ambiciosa, de contornos apocalípticos.
Apesar de eu não ser pessoalmente muito fã da nova “geografia”, pois Nova York já deu o que tinha que dar há muito tempo, faz pleno sentido essa escolha, seja como um lugar natural de fuga da trinca, seja para permitir que Bryce reconecte-se com sua filha já adulta Iris (Cristin Milioti), que trabalha como garçonete na cidade, ou para usar o submundo dali como fonte de trabalho para o símio que, por intermédio de seu amigo fantasma, inicia uma relação profissional com a agenciadora de assassinatos Eunice Jones (Leslie Jones). Nesse novo ambiente, a temporada ensaia um perigoso “mais do mesmo”, com uma sucessão de missões de assassinato, mas esse ensaio, ainda bem, dura muito pouco, logo abrindo espaço para uma história bem mais ampla que envolve uma excêntrica cabala de bilionários que gira em torno de poderosos instrumentos místicos (um deles a espada de Haruka) e de um grupo de jovens heróis com poderes que se autodenomina de Cooperativa que quer recuperar esses artefatos para levar paz à Terra.
Confesso que fiquei admirado com o esforço dos roteiros em realmente fazer algo que, mesmo conectando-se com a primeira temporada, é completamente diferente dela, mergulhando mais profundamente em superpoderes, misticismo e diversos outros elementos típicos de quadrinhos, sem, porém, fazer a série perder sua personalidade e suas generosas demonstrações de violência estilizada com alta litragem de sangue e grande quantidade de decepações. Outra característica muito interessante – provavelmente exigida por Feige e companhia – é que todos os vilões e heróis que vemos na série, com exceção do Macaco, Bryce e da Mercenária original que aparece na forma de fantasma para Akiko, foram criados exclusivamente para a temporada. Claro que alguns podem preferir que tivessem usado personagens conhecidos, mas, no ambiente atual em que toda obra visual de apelo pop passou a ser uma “caça à referências”, acho ótimo quando uma delas se desvia da regra e subverte expectativas.
No entanto, é sensível que a equipe de roteiristas não soube muito bem o que fazer tanto com a nova Mercenária quanto com a própria Haruka. A nova versão da mesma vilã não só demora a efetivamente entrar na história como, quando entra, parece forçada goela abaixo na narrativa. E o mesmo vale para Haruka que, mesmo transformando-se em uma samurai com sede de sangue quando empunha a espada, não tem lá grande função narrativa dentro da história a não ser tornar-se a única vítima importante de toda a temporada. Além disso, a execução do plano maligno final foi frustrante demais, uma verdadeira preguiça em escrever algo mais relevante do que o crescimento de “vegetação assassina” por Nova York como uma espécie de oferenda ao diabo (nem Mephysto pode ser usado, tadinho). Não sei o que eu esperava, mas certamente não era a destruição da humanidade por meio de plantas.
Por outro lado, achei que a temporada soube conduzir bem a discussão sobre a moralidade dos atos cometidos por Macaco, evitando transformá-lo em um assassino furioso e descerebrado que faz tudo por dinheiro, o que seria basicamente um personagem recortado em cartolina. Há uma tentativa válida de desenvolver o personagem, de colocá-lo em franca contraposição à Bryce, de maneira que ambos possam continuar crescendo em suas respectivas visões de mundo, mesmo que seja complicado encontrar o equilíbrio dessa questão com a mortandade patrocinada por Macaco a cada oportunidade e que, convenhamos, é boa parte do que se espera da série. Mas é aquilo: os showrunners poderiam ter varrido esse assunto para debaixo do tapete, mas elegeram não fazer isso, mantendo-a, ao contrário, sempre presente nas mais diversas situações, o que faz do pequeno macaco de pelo branco um personagem bem mais interessante do que ele tinha o direito de ser.
Em seu segundo ano, Assassímio tentou valorosamente fazer algo diferente da temporada anterior, mas que decorresse dela com algum esforço de construção lógica e é sempre bom ver uma série esforçar-se para simplesmente não repetir sua fórmula. No entanto, entre personagens perdidos, a inserção de diversos outros e uma trama que não para de crescer em sua ambição de ser maior do que a anterior, devo dizer que a série perdeu um pouco de sua singularidade, deixando de ser realmente diferente e perigosamente aproximando-se do lugar comum da pancadaria grandiosa, dos planos mirabolantes cheios de reviravoltas e do batido fim do mundo. Ainda é uma boa diversão, não tenham dúvida, com trabalhos de animação e de voz realmente esplendorosos, mas o pequeno macaco-japonês que empunha espadas e pistolas deixou suas maiores qualidades lá na Terra do Sol Nascente de onde veio.
Assassímio – 2ª Temporada (Hit-Monkey – EUA, 15 de julho de 2024)
Lançamento no Brasil: 09 de agosto de 2024
Criação: Will Speck, Josh Gordon (baseado em quadrinhos criados por Daniel Way e Dalibor Talajić)
Direção: Kevin Mellon
Roteiro: Josh Gordon, Will Speck, Jessica Poter, Paul Levitt, Keith Foglesong, Isabelle Esposito, Tesha Kondrat, Neal Holman
Elenco: Fred Tatasciore, Jason Sudeikis, Ally Maki, Olivia Munn, Leslie Jones, Cristin Milioti, Reiko Aylesworth, Keith David, Rob Corddry, Emi Lo, Stephanie Beatriz, Tramell Tillman, Nat Faxon, Sonny Valicenti, Jim Gaffigan, Ivana Miličević
Duração: 246 min. (10 episódios)