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Crítica | Asas (1927)

por Luiz Santiago
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Asas (1927) é comumente lembrado como a primeira produção a receber o Oscar de Melhor Filme, a única fita muda a levar o prêmio até O Artista (2011). Épico sobre a aviação militar e ambientado na fase final da 1ª Guerra Mundial, Asas contou com o absurdo orçamento de 2 milhões de dólares (em uma época em que era raro um filme ultrapassar 1 milhão), teve uma das produções mais apaixonadas e insanas da história do Primeiro Cinema, sendo o último grande filme do período silencioso e um representante em alto nível para a “indústria do espetáculo” que a jovem arte vinha aos poucos construindo desde O Nascimento de Uma Nação (1915).

Asas estreou em 19 de maio de 1927, no Texas, quase 9 anos depois de terminada a Primeira Guerra Mundial (cuja data oficial de término é 11 de novembro de 1918). Este fator de proximidade histórica — a guerra ainda estava viva na memória das pessoas — talvez tenha sido o maior segredo para o sucesso do filme nos cinemas, que chegou a ficar, na maioria dos lugares, 63 semanas em cartaz, embora alguns cinemas tenha exibido o filme por dois anos inteiros. A história de dois pilotos amigos que gostam da mesma garota e enfrentam juntos os horrores da guerra e os percalços da juventude conquistou o público imediatamente e ganhou enorme destaque pelo seu esforço técnico de produção, um verdadeiro tour de force para a época e também premiado com um Oscar (embora poucos se lembrem deste) na categoria de Efeitos Especiais, à época chamada “Engenharia de Efeitos”.

O diretor William A. Wellman tinha sido piloto de aviões na Primeira Guerra e simplesmente adorava aeronaves, além de conhecer muita gente que poderia trazer para o filme ampla dose de realismo. Estes foram os motivos primários pelos quais ele recebeu a direção de Asas, não sem a inicial desaprovação de Adolph Zukor (e um pouco de Jesse L. Lasky), que acreditavam que o filme deveria ser entregue a um dos grandes mestres da casa, possivelmente Cecil B. DeMille. Vencido o obstáculo da indicação para o cargo, Wellman teve carta branca para filmar, um privilégio que, em poucas semanas, o estúdio se arrependeria amargamente de ter-lhe concedido.

Cercando-se dos dublês-pilotos mais insanos que pode encontrar, contando com ajuda da Aeronáutica dos Estados Unidos (leia-se aviões, figurantes e material bélico a vontade) e com um orçamento bojudo do estúdio — que foi sendo ultrapassado ao longo da produção — o diretor iniciou as filmagens sem grandes problemas. Como o roteiro possuía duas narrativas principais, a do romance e a da guerra (esta segunda, composta por dois blocos dramáticos, o da guerra em si — com destaque para as batalhas — e o da amizade entre Jack e David), Wellman filmou rapidamente todas as cenas ligadas aos relacionamentos, família, festas, etc., e deixou para o final a parte bélica, especialmente as inacreditáveis manobras de aviões. O diretor chegou a ficar um mês sem filmar uma única cena porque estava “esperando as nuvens” ou “esperando o sol” para criar o efeito que ele pretendia — e que, convenhamos, dão ao filme a grandeza que tem.

A primeira parte do longa é a que funciona melhor. Seu ritmo é fluído e o espectador se vê imediatamente conquistado pelo que é apresentado na tela. A montagem tem um ótimo desempenho na construção de cada bloco (familiar, sentimental, militar) e a relação entre humor, drama e tragédia formam um contexto geral bem interessante. Já a segunda parte peca pelo excesso de cenas que não trazem quase nada para o filme e o resultado disso é o cansaço do espectador, que não necessariamente fica contando os (muitos) minutos para o filme terminar, mas certamente tem momentos de tédio, o que não acontece na primeira metade do filme.

Mas a despeito da condução deste segundo momento, é nele que temos o grande destaque da obra: as melhores manobras e cenas de aviões e as grandes batalhas em terra. Wellman e o inovador diretor de fotografia Harry Perry, foram dos primeiros a realizar tomadas aéreas com câmeras nas próprias aeronaves, técnica que passou por diversos ajustes durante a produção, desde equipamento parafusado nos aviões até uma forma de acoplá-los na frente e permitir que o próprio ator fizesse a alteração de plano para si mesmo, indo de uma tomada média para um close. Em dado momento, o diretor percebeu que com as câmeras nos aviões o uso de dublês seria impossível para as cenas dramáticas. Então ele obrigou sua dupla de atores principais a pilotarem eles mesmos as aeronaves! Richard Arlen, que interpreta David, já tinha algumas horas de voo, então para ele não era tanta novidade assim. Mas ‘Buddy’ Rogers nunca tinha sequer voado e precisou aprender pilotar um avião em poucas horas e operar a câmera (que era automática e não manual) para si mesmo. O nível de loucura de Wellman (e de seus atores) era desse tanto.

O resultado final, contudo, é excepcional. Mesmo tendo tropeços de ritmo e direção em sua segunda parte, Asas é um filme encantador. Ele não só explora os sentimentos dos protagonistas em relação a mulher que amam, à família ou à pátria, mas também a forte e conturbada amizade entre eles, que inclusive rende um beijo trágico no final da fita, um beijo fraterno que muita gente interpreta como sendo a prova de um subtexto homossexual.

O que fica no término de Asas é o sentimento de companheirismo, superação e amadurecimento, elementos colocados de maneira instigante na trama e que entretém muito em seu conjunto. Esse é o charme e o motivo da longevidade bem aceita que a película teve ao longo dos anos. Estamos diante de um épico com altíssimo apuro técnico e estético (a construção do povoado francês, a sensacional sequência no Folies Bergeres e a notável reprodução da Batalha de Saint-Mihiel são claros exemplos desse conjunto), uma trilha sonora explosiva, três minutos de um desconhecido Gary Cooper que fariam dele uma estrela e muita ousadia na direção, ingredientes que fizeram de Asas uma obra obrigatória para quem estuda e quer conhecer bem o cinema, uma obra diante da qual é impossível ficar indiferente.

Asas (Wings) – EUA, 1927
Direção: William A. Wellman
Roteiro: Hope Loring, Louis D. Lighton (baseado em uma história de John Monk Saunderse com intertítulos de Julian Johnson)
Elenco: Clara Bow, Charles ‘Buddy’ Rogers, Richard Arlen, Jobyna Ralston, El Brendel, Richard Tucker, Gary Cooper, Gunboat Smith, Henry B. Walthall, Roscoe Karns, Julia Swayne Gordon, Arlette Marchal
Duração: 144 min.

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