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Crítica | As Vidas e Mortes de Frankenstein, de Jeanette Rozsas

Uma jornada curiosa entre passado e presente, tempos distintos que envolvem o legado e o impacto cultural de Frankenstein.

por Leonardo Campos
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Aparentemente interessante em seu preâmbulo, As Vidas e Mortes de Frankenstein, com todo o meu perdão ao trabalho da autora, é uma narrativa que se desenvolve de maneira a declinar ao passo que cada um de seus capítulos avança. Publicado por Jeanette Rozsas, uma escritora que demonstra profundo entendimento da obra-prima de Mary Shelley, seu ponto de partida, o livro veiculado pela Geração Editorial apresenta, em suas 160 páginas, a técnica de composição literária do pastiche, numa mixagem de três perspectivas: a de Liz, cientista brasileira contemporânea, deslumbrada com a bolsa de estudos e o prestígio de sua vida acadêmica na Alemanha; a de Dippel, alquimista que inspirou Shelly em algumas ideias para a tessitura de Frankenstein e, por fim, a da autora do romance gótico, com destaque para as aventuras que lhe levaram ao marco de sua carreira literária. Das três partes, a escrita, a fluência e o vigor narrativo das histórias do passado sobrepõem a desinteressante trajetória da brasileira que se comunica com a família por e-mails e postagens nas redes sociais. Curioso como as suas mensagens, mesmo curtinhas, preenchem as páginas do livro de tédio. O seu desfecho, então, completamente escalafobético, promove uma sensação de descontentamento ultrajante, com todo o perdão para as intenções de Rozsas em nos atualizar o mito de Frankenstein.

O texto que compõe a orelha da publicação, assinado por Nelson de Oliveira, nos faz acreditar que a perspectiva panorâmica e multifacetada é mais instigante do que de fato é. Um engodo, em meu ponto de vista, mas como arte é algo muito subjetivo, é possível acreditar que ele tenha de fato gostado do conteúdo. Na capa, o design de Alan Maia nos traz tons esverdeados, raios tempestuosos, uma das imagens mais conhecidas de Mary Shelley e a presença clichê de Boris Karloff como representação do monstro. É um trabalho editorial interessante, mas a mescla de gêneros e a sensação de ler tudo que outros autores já contaram antes, e um pouco melhor, faz do livro As Vidas e Mortes de Frankenstein uma experiência de leitura pouco vibrante, mesmo que curiosa. Em linhas gerais, sobre Dippel, acompanhamos seus experimentos, sua postura inconstante, bem como a sua caracterização, descrita pelo narrador como base no que os “outros” em seu entorno achavam dessa misteriosa e intrigante figura social.

Para quem não sabe exatamente a sua contribuição para a composição gótica de Mary Shelley, algo que inclusive, não é unanimidade entre todos os especialistas em Frankenstein, Johann Konrad Dippel foi uma figura notável do século XVIII, que ficou conhecido por sua carreira multidisciplinar que abrange química, filosofia e teologia. Nascido em 10 de dezembro de 1673, em Darmstadt, na Alemanha, Dippel é frequentemente lembrado por suas ideias inovadoras, que desafiavam os paradigmas da época. Estudou na Universidade de Giessen, onde se formou em teologia. No entanto, sua curiosidade o levou a se aprofundar em outras áreas, incluindo ciência e alquimia. Ele ficou particularmente interessado nos estudos sobre a transmutação de metais e na busca pela pedra filosofal, um conceito central na alquimia que prometia a transformação de substâncias comuns em ouro e a descoberta do elixir da vida. Uma das contribuições mais notáveis de Dippel foi o desenvolvimento de um método para a produção de um tipo de tinta, a “tinta Dippel”, que era feita a partir de insumos orgânicos e ajudava na conservação de documentos. Esse método causou bastante impacto no campo da conservação de materiais, refletindo seu desejo de integrar conhecimentos químicos com a prática do dia a dia.

Dippel também ficou conhecido por seus experimentos e conceitos que miravam na interação entre ciência e filosofia, sendo um precursor de algumas ideias que mais tarde seriam exploradas pela biologia moderna. Ele era um defensor da ideia de que a vida e a matéria eram interligadas de uma forma que a ciência da época tinha dificuldade em compreender. Isso o levou a ser visto como uma figura controversa, que desafiava as correntes dominantes de pensamento da sua época. Dentre os aspectos interessantes e mais conectados com o livro As Vidas e Mortes de Frankenstein, é sua conexão com Mary Shelley. A obra de Shelley é frequentemente associada a Dippel, uma vez que certas especulações sobre a reanimação de corpos estão ligadas à sua obra e suas teorias. Embora não haja provas concretas de que Dippel tenha sido uma influência direta na escrita de Shelley, as parcerias intelectuais e as discussões sobre vida e morte no século XVIII estavam em linha com as ideias de Dippel sobre a vitalidade e a energia.

As passagens sobre essa icônica figura no livro de Jeanette Rozsas são as mais envolventes, até mais que o famoso encontro entre Polidori, Percy Shelley, Lord Byron e “Mary” na tempestuosa noite que culminou no concurso literário, “evento” que culminou na composição de Frankenstein. A famosa noite de junho de 1816, na Villa Diodati, na Suíça, ficou marcada como um momento singular na história da literatura gótica. Nela, os renomados escritores mencionados se reuniram e deram início a um desafio literário que culminaria na criação de uma das obras mais icônicas da literatura ocidental. O verão de 1816 ficou conhecido como o “ano sem verão” devido a uma erupção vulcânica que lançou cinzas na atmosfera, resultando em um clima frio e úmido. Esse cenário de tempestades incessantes e escuridão aplainou o terreno para discussões profundas e sombrias sobre vida, morte e a condição humana. Byron, já aclamado por suas poesias e sua vida boêmia, decidiu convidar outros escritores para passar o verão ao seu lado na Villa Diodati. Foi nesse ambiente carregado de tensão e inspiração que nasceu o desafio de criar histórias de terror. A presença de Byron e de Polidori, que era seu médico pessoal, trouxe uma aura de expectativa e desafio. Byron, não apenas um renomado poeta, mas também uma figura carismática e provocadora, instigou os presentes a escreverem suas próprias narrativas. Polidori e Mary se lançaram à tarefa, cada um explorando seus próprios medos e convicções.

Enquanto Byron rapidamente começou a esboçar uma história sobre um vampiro, que posteriormente inspirou Polidori a escrever O Vampiro, Mary, em contraste, penetrou nas profundezas de suas contemplações sobre a vida e a morte. Naquela noite, entre discussões e relatos de histórias horripilantes, uma ideia começou a tomar forma na mente de Shelley. O conceito de um criador que, em sua ânsia por conhecimento, acaba por transgredir os limites da moralidade e da natureza. Assim, ao voltar para casa, Mary Shelley dedicou-se a elaborar o que viria a ser Frankenstein, ou o Prometeu Moderno. Como sabemos até aqui, neste romance, Shelley concebe um monstro que, ao invés de ser uma mera criatura monstruosa, é um reflexo das falhas e angústias do humano. O monstro representa o resultado da ambição desmedida do homem, levantando questões sobre a responsabilidade do criador, a alienação e a busca por aceitação. Essas temáticas, profundamente enraizadas na filosofia e na ética, ressoaram fortemente não apenas na sociedade vitoriana, mas ainda hoje, interpretando ansiedades contemporâneas sobre a ciência e a moralidade.

As Vidas e Mortes de Frankenstein, de Jeanette Rozsas, é um livro interessante ao apresentar essas histórias para os leitores que desconhecem tais conexões. A parte mais “original”, com toda cautela para o conceito que academicamente é bastante debatido, se apresenta como menos interessante. Liz é uma personagem que não nos transmite empatia. Suas falas são sempre exclamativas, ela foge do tom arrogante, mas se sente demasiadamente importante por fazer parte de um projeto com células-tronco e afins nos laboratórios do projeto em que se encontra, mas há falhas em várias passagens. A conexão com Frankenstein, de Mary Shelley, é um pouco forçada, as suas aventuras amorosas são tediosas e, ao final, após se envolver com o chefe do projeto, se torna alvo de um experimento científico que a coloca numa cilada que eleva o desfecho do livro ao trágico. Poderia ser impactante, mas é tudo muito deslocado. Com a competência da escritora no desenvolvimento das demais partes, fica a dúvida em relação aos motivos que a levaram derrapar diante da importante parte contemporânea da história.

As Vidas e Mortes de Frankenstein (Brasil, 2015)
Autoria: Jeanette Rozsas
Editora: Geração
Páginas: 160

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