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Crítica | As Tartarugas Ninja: Caos Mutante

Adolescentes diferentes... ou não tão diferentes assim.

por Kevin Rick
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Em preparação para As Tartarugas Ninja: Caos Mutante, nova adaptação cinematográfica dos famosos quelônios do audiovisual, decidi fazer críticas de todos os pilotos das séries televisivas da franquia, começando na versão infantil de 87, passando pelo terrível live-action de 98 e a produção madura dos anos 2000, até chegar na abordagem imbecil de 2018. Para além dos elementos de mitologia marcados no imaginário coletivo, como a origem mutante dos personagens, o treinamento ninja/samurai, a homenagem de seus nomes a clássicos artistas italianos e as personalidades estabelecidas de cada um dos irmãos – Leonardo é o líder; Rafael é esquentadinho; Donatello é um nerd; e Michelangelo é o brincalhão -, um ingrediente recorrente na franquia é a história de amadurecimento dos adolescentes, mas sempre subutilizado por debaixo da loucura da premissa e a veia cômica das histórias.

A animação de 2012 é a produção que mais tem características de coming-of-age, mas, pelo menos no piloto, a abordagem é mais de descobrimento e senso de maravilha com o mundo dos humanos do que realmente algo dramático sobre pertencimento. Com direção de Jeff Rowe, co-diretor de A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas, e envolvimento de Seth Rogen e Evan Goldberg, dupla responsável por Superbad, é perceptível que Caos Mutante vem preparado para mudar isso e focar no lado adolescente da franquia. De forma geral, somos apresentados a mesma história de origem das tartarugas que sofreram mutações e foram criadas pelo rato gigante Splinter (Jackie Chan) como especialistas em artes marciais, mas com um encaminhamento narrativo sobre as relações dos jovens com seu pai e suas formações enquanto adolescentes que querem fazer parte da sociedade.

Logo pelo design dos personagens notamos o tom do filme. As tartarugas são franzinas e juvenis, enquanto Splinter é basicamente um paizão de cinquenta anos, demonstrando que o roteiro está mais interessado no relacionamento dos protagonistas com Splinter como figura paternal do que como mestre. O ratão é extremamente superprotetor e tem medo dos humanos, resultado de um flashback que revela a tentativa frustrada dos mutantes subirem à superfície. A família vive isolada no subsolo, enquanto as tartarugas desejam uma vida adolescente normal quando saem dos esgotos para buscar suprimentos.

Fazer parte de um grupo social, ter relacionamentos com pessoas da sua idade e ter aceitação de uma comunidade faz parte das ansiedades e temores da adolescência, algo bem retratado no filme a partir desse cenário absurdo com as tartarugas. A produção encontra diferentes formas para articular a trama batida, começando pelas referências. De Curtindo a Vida Adoidado, filmes de artes marciais dos anos 70/80 e até Drake, vemos inspirações pops que moldaram a dinâmica familiar dos personagens. Interessante como as referências fazem parte da forma de comunicação dos personagens, tornando suas inserções orgânicas e não apenas citações arbitrárias.

Vemos os personagens fazendo vídeos e vlogs, falando sobre Cinema, quadrinhos e música, e até tentando emular heróis, na forma como o roteiro insere dinâmicas comuns da geração atual em tela. Os diálogos entre os adolescentes também são genuinamente divertidos, com momentos de deboche, sarcasmo, zoação e constrangimento, enquanto suas motivações são refrescantemente egoístas em como querem salvar a cidade apenas para serem reconhecidos socialmente. Por grande parte do filme, não estamos vendo heróis, apenas adolescentes que querem atenção e querem ser aceitos. Acredito que o texto acaba pecando na construção individual de cada tartaruga, mas enquanto grupo os personagens funcionam de maneira carismática no filme todo.

Dentre as referências, temos menções diretas para a cultura afro-americana, principalmente com as inserções musicais de hip-hop e a representação marginalizada de Nova York, com skates, grafites e uma construção underground da cidade que nunca dorme, mas que aqui parece que nunca amanhece também. Por mais leve que seja a narrativa, a ambientação é relativamente sombria, com background quase realista em sua fotografia digital, em outros momentos deliberadamente tosco e às vezes carregado de neon, evocando sutilmente os temas de preconceito e marginalização da história, algo reforçado pela trilha sonora de Trent Reznor e Atticus Ross, da banda Nine Inch Nails, que traz muitos sintetizadores e melodias grunge para compor a história de párias e excluídos. Inclusive, a mudança de idade e etnia de April (Ayo Edebiri), ponte dos personagens para o mundo humano, é mais um aceno para o subtexto da produção que trata de aceitação também pelo lado de minorias e até de imigrantes.

Assim como qualquer adolescente, os quelônios encontram uma má influência na figura do Super Mosca (Ice Cube) e seu exército de mutantes, todos com designs que parecem um body-horror versão kids, com momentos da animação que beiram o grotesco em cenas de violência e nojeiras. É divertido como tudo isso entra em contraste com as tartarugas, em tese mutantes horríveis, mas que imageticamente trazem vida, cor e energia sempre que estão em tela. Como Homem-Aranha no Aranhaverso, sua sequência e a já citada A Família Mitchell, a produção parece um gibi ganhando forma audiovisual, ao mesmo tempo pictórico e rabiscado, às vezes vibrante e efervescente, outras vezes simples como um caderno desenhado à mão, dispondo de beleza imagética, mas também de um trabalho criativo com ambientação, mixagem de som, direção e os momentos “feios” para reforçarem os temas da obra para além de “apenas maluquice visual”.

As Tartarugas Ninja: Caos Mutante é um coming-of-age com temas comuns, mas existe muita qualidade narrativa e estética para elevar a trama batida na produção da franquia que melhor entende o lado adolescente dos quelônios. O roteiro pode ser convencional demais em determinadas lições e caminhos dramáticos, além de não delinear muito bem a personalidade de cada tartaruga, mas leva a sério o relacionamento dos personagens com seu pai e seus conflitos de aceitação ao ponto de nos simpatizarmos com mutantes que, em realidade, são seus típicos aborrecentes. Ajuda bastante como a produção é carinhosa e meticulosa na construção de mundo, na sutileza em que articula temas complexos para crianças e em seu trabalho visual ímpar. Parece que temos uma nova saga dos quelônios nas mãos de alguns criadores que sabem o que estão fazendo.

OBS: Não falei do trabalho de voz do elenco de peso porque, em minha cidade, Goiânia – GO, uma CAPITAL, não tinha NENHUMA sessão legendada, então tive que ver o filme dublado, algo que não fazia há muitos anos. Mas, crédito onde é merecido, porque a dublagem brasileira é maravilhosa e dá vida, personalidade e carisma para todos os personagens, dos mais divertidos aos mais esquisitos.

As Tartarugas Ninja: Caos Mutante (Teenage Mutant Ninja Turtles: Mutant Mayhem) — EUA, 31 de agosto de 2023
Direção: Jeff Rowe
Roteiro: Seth Rogen, Evan Goldberg, Jeff Rowe, Dan Hernandez, Benji Samit
Elenco: Micah Abbey, Shamon Brown Jr., Nicolas Cantu, Brady Noon, Ayo Edebiri, Maya Rudolph, John Cena, Seth Rogen, Rose Byrne, Natasia Demetriou, Giancarlo Esposito, Jackie Chan, Ice Cube, Paul Rudd, Austin Post, Hannibal Buress
Duração: 99 min.

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