Home QuadrinhosArco Crítica | Tintim: As Sete Bolas de Cristal

Crítica | Tintim: As Sete Bolas de Cristal

por Luiz Santiago
792 views

Depois do excelente arco formado pelas histórias do Licorne e do tesouro de Rackham, Hergé partiu para uma aventura que trazia novamente seu novo personagem, o Professor Girassol, além de elementos que ele já trabalhara antes, como múmias e maldições, só que dessa vez, a origem e o mistério vinham de outro continente. As Sete Bolas de Cristal é uma história mística, por assim dizer. Em nenhum momento, durante todo o álbum, Hergé traz à luz uma indicação de que o desaparecimento da múmia e suas joias podem ser explicados racionalmente. Nem eventos normalmente identificáveis, como o estado de letargia que acomete os pesquisadores da expedição etnográfica aos Andes, são resolvidos nesse volume da história, que continua sendo narrada em O Templo do Sol.

Nessa primeira parte da aventura, temos a notícia de que um grupo de pesquisadores retornaram à Bélgica após um longo de estudo de campo no Peru e na Bolívia. Trata-se da expedição Sanders-Hardmuth, que entre os seus integrantes, tinha o professor Cantonneau, conhecido de Tintim desde a expedição ao Ártico, narrada em A Estrela Misteriosa. Outro componente desse grupo chamava-se Hipólito Bergamotte, e era amigo do Professor Girassol, o que permite Tintim, Milu e o Capitão Haddock terem contato direto com a múmia inca de Rascar Capac e o mistério que a envolve.

Algo que nos chama atenção no início da história é a nova vida do Capitão Haddock. Quando Tintim o encontra pela primeira vez, ele está voltando do que era para ser uma cavalgada pela propriedade em volta do Castelo de Moulinsart. Com roupas próprias para o esporte e com a mania de usar monóculo, o Capitão parece estranho, à primeira vista. No decorrer da história, ficamos felizes em saber que a riqueza do personagem não tirou sua essência (o que teria sido um erro crasso de Hergé), mas continua o mesmo briguento, xingador e… simpático aos drinques.

Me pareceu que o Professor Girassol estava morando em Moulinsart com o Capitão Haddock, suspeita que tiro da fala de Tintim para o Capitão (“Só vim fazer uma visitinha. A você e ao Professor Girassol. Como vai ele?”), pela aparição repentina de Girassol nos quadros posteriores, sempre com o seu pêndulo e sua paixão por radiestesia; e por fim, pela depressão em que o Capitão Haddock cai após as buscas infrutíferas pelo Professor, sequestrado pelos bandidos envolvidos no caso da múmia. Essa indicação de amizade só pode ter vindo de um convívio, e certamente não foi a aventura em O Tesouro de Rackham, o Terrível que tornou o Capitão um amigo tão devotado ao Professor.

O roteiro de Hergé segue então por um caminho místico, relembrando a mesma maldição já citada em Os Charutos do Faraó e tendo como plano de fundo uma caçada a bandidos reais, atiradores e sequestradores com quem não temos muito contato, apenas suspeitas de quem são. E o mais intrigante aqui foi o aparecimento que ninguém conseguiria prever: o General Alcazar como atirador de facas no Music Hall Palace (o mesmo General que apareceu em O Ídolo Roubado). E ainda na esteira do retorno de personagens, temos o rouxinol milanês, Bianca Castafiore, a quem Tintim encontrara na Sildávia, em sua aventura para recuperar O Cetro de Ottokar.

As Sete Bolas de Cristal teve sua publicação no Le Soir entre dezembro de 1943 e setembro de 1944, mas a história não foi concluída, porque a Bélgica acabara de ser libertada dos nazistas, e Hergé, mais alguns colegas, estavam sendo interrogados pelos aliados, respondendo acusações de serem colaboracionistas, porque trabalhavam em um jornal controlado pelos oficiais de Hitler. A aventura foi interrompida em um ponto e só voltou a ser publicada, a partir de outro foco, em 1946 (com o Capitão Haddock depressivo, o que é muito sintomático, vindo de um homem acusado de crime político-ideológico), na recém-criada Tintim Magazine.

girassol plano critico

As Sete Bolas de Cristal não é uma obra-prima de Hergé, mas é uma história intrigante, contada por um especialista em aventuras, e que consegue, com louvor, prender o leitor e atiçar a sua curiosidade, o que já garante a leitura do álbum seguinte, onde todos os mistérios são revelados.

Les Sept Boules de cristal (Bélgica, 1943 – 1948)
Publicação original: Le Soir Jeunesse, 16 de dezembro de 1943 a 2 de setembro de 1944 / Tintim Magazine, 26 de setembro de 1946 a 22 de abril de 1948.
Publicação encadernada original: Casterman, 1948
No Brasil: Companhia das Letras, novembro de 2007
Roteiro: Hergé
Arte: Hergé
64 páginas

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais