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Crítica | As Senhoritas de Wilko

por Luiz Santiago
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estrelas 4,5

Enquanto assistia As Senhoritas de Wilko, drama familiar lírico e de forte significado social e psicológico, não pude evitar algumas comparações de enredo com Peça Inacabada Para Piano Mecânico, de Nikita Mikhalkov, realizado dois anos antes. As semelhanças no tratamento do amor, a ambientação da trama em um espaço bucólico e com um roteiro que põe família, costumes e tradição às voltas com as mudanças causadas pelo tempo, o papel plástico da fotografia também como narrador da trama e o papel quase irônico da música são elementos verdadeiros para os dois filmes, mesmo que se tratem de sociedades diferentes e foquem problemas individuais diferentes.

Andrzej Wajda não se isenta do olhar atento para a História da Polônia e nem de como as mudanças têm o papel de marcar (positiva ou negativamente) os atores sociais de seus filmes, mas aqui a preocupação com a alma dos personagens é o seu verdeiro foco.

O roteiro, baseado em uma obra de de Jaroslaw Iwaszkiewicz (escritor de Madre Joana dos Anjos) conta a história de Wiktor, ex-combatente do Exército polonês que, devido a um esgotamento nervoso (abordado brevemente no início do longa), vai passar algum tempo na fazenda de sua infância e adolescência (a propriedade de Wilko), onde encontra pessoas com as quais tem histórias ainda em aberto, mesmo depois de 15 anos.

A história herda de sua fonte literária o modelo de transformação a partir da chegada de alguém a algum lugar e nos remete a filmes como Teorema, por exemplo. Mas Wajda não aborda a questão com violência e nem com sexualidade aflorada como fizera Pasolini. Ele investe em um drama onde a maior importância é dada ao estado psíquico e emocional dos personagens com a passagem dos anos, expondo para a lente a somatória de questões particulares e sociais, coisas que nunca andam separadas para o diretor. Aí entram as várias falas sobre a guerra, a citação quase inocente e despropositada da Liga Hanseática, a abordagem do papel social da mulher no início do século XX e a estranheza do divórcio, do adultério e do não casamento para esses atoes sociais.

Wiktor, o protagonista, tem tormentos que o deserotiza para o público e de maneira muito curiosa o torna atraente para as mulheres de Wilko, uma relação que o espectador achará estranha à primeira vista mas que aos poucos ganha o seu genial significado. Ele é uma plataforma existencial e cheia de culpa por ter desperdiçado tempo em cumprir papéis. Em fase adulta e amadurecido à força pela guerra, ele se vê desprovido de realizações pessoais notáveis, triste e sem esperança alguma de mudar de vida a essa altura. Trata-se de um solitário por teimosia e que se ressente de não querer dar o braço a torcer, tentando se apegar ao que julga serem os seus momento felizes, sempre no passado adolescente em Wilko.

Acompanhado basicamente de um único tema musical narrativo e recorrente em todo o longa, além de três canções incidentais e pequenas execuções de piano em cena, o drama de As Senhoritas de Wilko é a dissecação do remorso e de vidas adultas amarguradas ainda em fase de mudanças. Com um filtro fotográfico que põe todo o ambiente em uma espécie de névoa — imersão cujo significado tem plena resposta no roteiro — o longa discute sobre o significado da vida quando não se tem ou se deixou passar o amor. O término é um pouco reticente, mas ganha ares de poesia, sugerindo muito mais do que mostrando, um quase acerto total de Wajda na conclusão de sua pequena crônica sobre a solidão, a desesperança e o desejo não realizado.

As Senhoritas de Wilko (Panny z Wilka) – Polônia, França, 1979
Direção:
Andrzej Wajda
Roteiro: Zbigniew Kaminski (baseado na obra de Jaroslaw Iwaszkiewicz).
Elenco: Daniel Olbrychski, Anna Seniuk, Maja Komorowska, Stanislawa Celinska, Krystyna Zachwatowicz, Christine Pascal, Zbigniew Zapasiewicz, Zofia Jaroszewska, Tadeusz Bialoszczynski
Duração: 118 min.

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