Home LiteraturaConto Crítica | As Margens da Alegria (Primeiras Estórias), de João Guimarães Rosa

Crítica | As Margens da Alegria (Primeiras Estórias), de João Guimarães Rosa

por Luiz Santiago
4,1K views

Abrindo o livro Primeiras Estórias, o conto As Margens da Alegria se coloca como um guia de deslumbramento para o leitor diante de um novo mundo, um novo Universo. Contando a história de um menino que vai viajar com os tios, a obra carrega todas as características de ritual de passagem, de amadurecimento, de primeiro contato de alguém com alguma coisa, e isso pode ser visto tanto do menino diante do mundo, quanto do leitor diante do livro.

Guimarães Rosa procura narrar um despertar, assim como o fez Clarice Lispector diante de um garoto alguns anos mais velho que o deste conto, em O Primeiro Beijo. Nas duas obras o protagonista é colocado em viagem, indo de um ponto a outro, saindo de uma zona conhecida, de conforto, para então descobrir coisas novas “do lado de lá”. A nova experiência, nesses dois casos, serve para que os meninos expandam a alma, sintam-se felizes, ganhem alguma camada de melancolia após a experiência e, acima desta camada, uma dose de esperança, de vontade de repetir algo que por um momento trouxe um dilúvio de maravilhosas sensações.

Para o garoto rosiano, a viagem com os tios é inteiramente marcada pelo carinho, pelo afago. A minha impressão durante a leitura era a de que estávamos diante de um menino mimado (não no sentido negativo da palavra), mas um garoto esperto, explorador, que via muitas coisas pela primeira vez. A escrita do autor relata essa experiência como se fosse nossa e, através dela, sentimos também a alegria do menino em sua viagem de avião, em seu olhar para as nuvens e depois para a mata, para o peru no quintal dos tios… e depois para os tratores, para a terraplenagem, para a construção da cidade: era o progresso que chegava. Em algumas passagens dessa experiência também me vieram à mente imagens da animação O Menino e o Mundo (2013), um pouco menos pelo espaço físico e bem mais pelo âmbito emocional.

Quando o grande conflito do conto aparece, o leitor consegue medir a tristeza, a frustração, o impacto que o abate do peru e a derrubada da árvore tem para o menino. Trata-se de um sentimento de perda após a descoberta da beleza. Algo que deslumbra e quase que de propósito (justamente porque impressionou, tocou, marcou o menino) é que acaba sendo tirado dele o mais rápido possível. Mas não existem planos mirabolantes ou um propósito maldoso dos adultos ou do mundo em torno disso. Esta é apenas uma das caras da vida. A descoberta, uma fagulha de paixão, a memória calorosa de uma vivência e então… o seu fim.

Em poucas páginas Rosa nos mergulha em uma viagem de amadurecimento da alma e de verdades eternas que podem ser lidas e aplicadas a todos, nos mais distintos estágios da vida, onde experimentamos o que é ter, perder, sofrer e então encantar-se novamente pelo mundo, pelas pessoas, por um novo bicho no quintal, por um vaga-lume que vem da mata, pelas pequenas e amorosamente imensas coisas da vida. Uma aventura de despertar para o mundo que abraça crianças e adultos e que mostra o primeiro olhar para aquilo que nos dá propósito: viver e amar, experimentar a vida. Até que não seja mais possível fazê-lo.

* para Davi Luiz, que hoje completa 4 anos.

As Margens da Alegria (Brasil, 1962)
Em: Primeiras Estórias
Autor: João Guimarães Rosa
Editora original: José Olympio
Outras editoras: Nova Fronteira
Arte da capa original: Luís Jardim
21 páginas

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais