O Movimento do Expressionismo Alemão gerou algumas das obras mais célebres e influentes do cinema, como O Gabinete do Dr. Caligari (1920), Nosferatu (1922), Metrópolis (1927); só para citar alguns. Mas como acontece em qualquer gênero ou movimento, alguns filmes acabam não se tornando tão famosos quanto seus colegas, embora ainda guardem grandes qualidades. É o caso de As Mãos de Orlac, que voltou a reunir o diretor Robert Wiene e o ator Conrad Veidt, que já haviam trabalhado juntos em O Gabinete do Dr. Caligari.
Baseado no romance de Maurice Renard, a trama acompanha Paul Orlac (Conrad Veidt), um talentoso pianista que perde as mãos em um trágico acidente de trem. Em um procedimento experimental, Orlac tem as mãos de um assassino executado implantadas em seu corpo, mas quando descobre a origem de suas novas mãos, o pianista passa a acreditar que elas o estão influenciando á cometer novos crimes.
Escrito por Louis Nerz, o roteiro de As Mãos de Orlac comete alguns erros pelo caminho. O filme não só exige uma quantidade um pouco excessiva de suspensão de descrença do espectador para justificar um encadeamento de coincidências, mas também sinaliza alguma de suas viradas dramáticas de forma flagrante demais através da relação da empregada dos Orlac com um homem misterioso.
Por outro lado, o roteiro de Nerz merece créditos por metaforizar de forma muito interessante a questão da busca pela identidade na relação entre Orlac e suas novas mãos. Com elas, o protagonista perde a noção de quem realmente é. O pianista não reconhece a própria caligrafia e sequer consegue tocar em sua esposa. Esse conflito é bem trabalhado pelo texto por questionar o que define a nossa identidade, embora a obra encontre um desfecho por demais simplista para uma questão tão rica.
Mas se o roteiro possui os seus problemas, a direção de Robert Wiene, e a excelente atuação de Conrad Veidt não permitem que o filme caia na mediocridade. Wiene filma algumas passagens de forma bastante naturalista, como por exemplo, a cena que mostra a busca por Orlac nos destroços do trem no começo do filme. A área do acidente nos remete diretamente a um cenário de guerra, estabelecendo um paralelo entre o personagem-título e os diversos amputados da I Guerra Mundial, colocando assim os traumas de Orlac como uma metáfora dos traumas de guerra tão comum aos filmes do Expressionismo Alemão.
Ao mesmo tempo, Wiene cria passagens de natureza assumidamente teatrais. Um ótimo exemplo é a cena em que a esposa de Orlac, Yvonne (Alexandra Sorina), como em um verdadeiro pesadelo, se senta encolhida em uma cadeira, de costas para seus credores, que balançam a cabeça negativamente de forma sincronizada a seus apelos.
Mas o maior mérito de Wiene, juntamente com a intensa atuação de Veidt é transformar as mãos do protagonista em verdadeiras personagens dentro do filme, algo que se pensarmos bem, era vital para que a proposta da obra funcionasse. O cineasta compõe os quadros para que as mãos do protagonista permaneçam sempre em primeiro plano, sempre de forma natural. Veidt, por sua vez, realiza toda a sua movimentação corporal em função das mãos, estabelecendo um conflito constante entre Orlac e seus novos membros.
O design de produção de As Mãos de Orlac aposta no minimalismo, uma opção inicialmente curiosa para uma obra do Expressionismo, mas que funciona bem, complementando a angústia dos personagens que a narrativa propõe. Cenários como o salão vazio onde Orlac segura o suposto punhal do assassino cujas mãos ele carrega, ou a mansão do cruel pai do protagonista, onde um crime ocorre, surgem como expressões dos sentimentos de seus personagens.
Apesar de suas falhas, como a duração excessiva e um roteiro que sinaliza as suas reviravoltas em demasia, sabotando assim o nosso envolvimento com as dúvidas do protagonista, As Mãos de Orlac ainda é um filme que merece ser conhecido. A direção habilidosa de Weine e a fantástica atuação de Veidt como um sofrido Orlac deve agradar aos admiradores do cinema Expressionista e os fãs de um bom thriller psicológico.
As Mãos de Orlac (Orlacs Hände) — Áustria. 1924
Direção: Robert Wiene
Roteiro: Louis Nerz (Baseado em romance de Maurice Renard).
Elenco: Conrad Veidt, Alexandra Sorina, Fritz Kortner, Carmen Cartellieri, Fritz Strassny, Paul Askonas, Hans Homma.
Duração: 112 Minutos.