Home Diversos Crítica | As Horas Vazias (Mistérios do 87º Distrito #15), de Ed McBain

Crítica | As Horas Vazias (Mistérios do 87º Distrito #15), de Ed McBain

Horas lentas.

por Luiz Santiago
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Este 15º volume da série Mistérios do 87º Distrito, As Horas Vazias, reúne três narrativas independentes que exemplificam o talento de Ed McBain para transformar o cotidiano do universo policial em histórias carregadas de complexidade humana, humor sutil e uma certa ironia social. A escolha do título, que sugere um vazio mais existencial do que literal, reflete com precisão o tom das histórias, nas quais os crimes investigados funcionam como um pano de fundo para explorar dinâmicas de poder, identidade e desespero. É uma obra que combina três novelas num único volume e cuja experiência narrativa acaba oscilando, pois nem todas as histórias conseguem traduzir com a mesma força o brilho criativo e o impacto emocional que se espera do autor.

A novela que dá título à coletânea, The Empty Hours, é um mistério policial com um tantinho de enrolação na reta final, onde o contraste entre as aparências e a realidade surge como verdadeiro protagonista. A investigação do assassinato de Angela Davis, inicialmente descrita como uma figura cuja existência não faz sentido – entre lingeries luxuosas e um apartamento decadente –, mostra uma boa manipulação literária de expectativas e a inclinação filosófica do autor para explorar as incongruências humanas. O leitor fica muito interessado pela troca de identidades e pelas reviravoltas que a trama vai ganhando, mas chega um momento em que isso satura, e o autor ainda tem mais umas surpresas para revelar, o que acaba cruzando a linha do aceitável, mas não torna a história ruim, apenas um pouco mais chata em seu desfecho. 

Em J, definitivamrnte a melhor trama do volume, McBain transcende os limites do mistério convencional e traz à tona a herança judaica de Meyer Meyer, transformando a investigação do assassinato de um rabino em um espelho das tensões sociais e culturais que são frequentemente afetados pela violência. A letra “J”, pintada na cena do crime, não é apenas uma pista para o desenlace da história, mas uma provocação simbólica que convida o leitor a refletir sobre as camadas de preconceito que permeiam tanto os personagens quanto a sociedade que os molda. Meyer, dividido entre seu papel de detetive e sua identidade como homem judeu em um ambiente que frequentemente marginaliza essa dimensão, oferece um contraponto profundamente humano à frieza da lógica investigativa. O autor entrega não apenas uma crítica social afiada, mas também um lembrete de que o verdadeiro crime não é apenas o ato violento, mas o sistema que permite que ele seja normalizado.

Já em Storm, a narrativa se desdobra como um espetáculo irônico, onde Cotton Hawes, num período de folga, encontra o caos numa isolada estação de esqui (sem querer, o autor brinca com algo que chamamos de “mistério aconchegante”). A neve incessante, o isolamento forçado e a incompetência quase cômica da polícia local criam um cenário que beira o absurdo, mas que nunca perde de vista as complexidades do mistério central – cujo processo de investigação e revelação é medíocre, mas não descartável. O hotel, com suas engrenagens ruidosas e hóspedes excêntricos, transforma-se em uma microcosmo da sociedade (piscadela para Isola?), onde cada personagem carrega uma dualidade que desafia o leitor a decidir quem é cúmplice, quem é vítima e quem é o verdadeiro vilão.

O denominador comum dessas histórias é a habilidade de McBain em capturar o paradoxo humano – a constante tensão entre a ordem e o caos, a racionalidade e o instinto absurdo. Cada narrativa começa com a descoberta de um corpo, mas a verdadeira morte que McBain investiga é a da ilusão de controle que frequentemente guia os vivos. Se em As Horas Vazias somos confrontados com o vazio existencial que permeia as escolhas humanas; em J, a morte do rabino simboliza a luta de uma identidade cultural por reconhecimento; enquanto em Tempestade, o caos da natureza emoldura a desconstrução da arrogância diante do imprevisível. As motivações dos assassinos nem sempre são as mais interessantes aqui, mas permanecem como um lembrete de que a lógica é apenas uma tentativa desesperada de dar sentido a um mundo que frequentemente opera fora dos limites da razão.

As Horas Vazias – Mistérios do 87º Distrito #15 (The Empty Hours: 87th Precinct #15) — EUA, 1962
Autor: Ed McBain
Edição lida para esta crítica: Thomas & Mercer, 2012
254 páginas (edição digital)

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