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Crítica | As Horas, de Michael Cunningham

Três histórias entrelaçadas por fluxos de consciência e muita complexidade narrativa.

por Leonardo Campos
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Sejamos sinceros: As Horas não é uma narrativa para qualquer leitor. Tampouco os contos de Virginia Wolf. Complexos, cifrados e erguidos por um desenvolvimento repleto de alegorias que pedem um repertório cultural e crítico daquele que as lê, essas são narrativas cada vez mais distantes do público contemporâneo, os afeiçoados por entregas rápidas de conflitos e desenvolvimento lineares para facilitar o entendimento. Em 1998, o escritor Michael Cunningham entregou ao público uma história notável, ao explorar temas como identidade, gênero, solidão e busca por significado diante das inconstâncias da vida. Não demorou a ser premiado e ter o seu conteúdo adaptado por David Hare para o cinema, consequentemente dirigido por Stephen Daldry e protagonizado por três grandes representantes do cinema contemporâneo: Meryl Streep, Julianne Moore e Nicole Kidman. Para tecer a sua trama, o escritor recorre ao que Wolf traz em sua complexa novela Mrs. Dalloway.

De maneira sábia, mas não simplória, o romance de Cunningham entrelaça as vidas de três mulheres de diferentes épocas. A primeira delas é Virginia Woolf, na década de 1920, Laura Brown, na década de 1950 e por último, Clarissa Vaughan, nos dias atuais, nos mostrando como o seu entrelaçamento revela questões que dominam o cotidiano das mesmas personagens, situadas em momentos distintos. Ao reler, presumo que um dos pontos nevrálgicos do texto é a busca por significado e propósito na jornada de cada uma das personagens principais, todas diante de seus peculiares dilemas existenciais. São mulheres que questionam as suas escolhas, desejos e arrependimentos, bem como os seus aprisionamentos. Cada uma, à sua maneira, está aprisionada diante de algo mais forte que sua própria força para se esquivar.

A construção paralela das narrativas dessas mulheres é tecida por Michael Cunningham de forma complexa e profundamente humana. Impossível ler e não se identificar. Mesmo nos dias atuais. Enquanto Virginia Woolf luta contra seus demônios internos e toda a pressão social diante da esquizofrenia e a necessidade de compor uma nova história, Laura Brown debate-se com a monotonia e as expectativas de uma vida suburbana, insatisfeita com o casamento que vivencia. Clarissa Vaughan, intensa e preocupada, tenta reconciliar sua identidade com suas relações pessoais, além de mudar o destino que lhe parece traçado com tintas sem possibilidade de remoção. O leitor, diante da complexidade e da profundidade.

Estruturalmente, As Horas traz a alternância entre os diferentes períodos de tempo e a interconexão entre as vidas das protagonistas criam um mosaico de significados e reflexões sobre a passagem do tempo, a memória e a mortalidade. A estrutura fragmentada, que nos pega o tempo inteiro tendo que voltar para entender em que tempo estamos exatamente, já que as fronteiras são tênues, interliga momentos de intensa dualidade entre a luz e a escuridão, pois ao as mulheres em destaques são contaminadas por breves fagulhas de esperança, em contraste com as constantes passagens que revelam desespero, nada conectado com materialismos, mas com a busca por entendimento de suas próprias angústias. Habilidoso, Cunningham utiliza simbolismos poderosos, aproveitados pelos realizadores da tradução cinematográfica, mas outras perspectivas. O abrochar de flores marcantes, a presença misteriosa do mar e a passagem das horas funcionam como metáforas sutis, mas impactantes, ressoam ao longo de todo o livro, uma experiência curiosa, única, mas monótona e difícil de fluir.

É preciso uma leitura contemplativa e muito paciente. No final, por sua vez, a experiência vale a pena. Em As Horas, o autor traz interessantes discussões sobre a interseção entre a vida e a arte, entre o passado e o presente, entre o sofrimento e a redenção, numa estrutura narrativa eu me passou uma peculiar impressão quando o final foi estabelecido: na história, todos parecem lidar com a agonia de estar vivo e a morte parece o bálsamo perfeito para lidar com os problemas que os deixam aflitos. Em linhas gerais, é uma narrativa que transcende emoções ao nos colocar diante da jornada emocional e intelectual de personagens cativantes, mas que de tão circunspectas e guiadas por seus respectivos fluxos de consciência, nos deixam confusos acerca dos nossos próprios sentimentos. A leitura não é agradável, pois requer paciência, foco e ausência de interrupções, algo raro nos dias atuais.

As Horas (The Hours) — EUA, 2002
Autor: Michael Cunnigham
Tradução: Fernanda Pinto Rodrigues
Editora: Companhia de Bolso
192 páginas

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