Nesta estreia ousada na direção, Hossein Amini consegue arquitetar um palco pertinente para os atores corroerem gradualmente. No entanto, alguns pontos do filme expõem o batismo, do até então roteirista, como diretor. Isso não diminui a projeção e visão de Amini ao reger esse suspense homônimo da mesma autora de O Talentoso Ripley, Patricia Highsmith.
A trama, estabelecida na década de 60, apresenta um casal de turistas apaixonado, que desperta a atenção de um guia cheio de lábia e truques. Cabe à Oscar Isaac interpretar este homem poliglota (Rydal), que se equilibra entre Viggo Mortensen (Chester) e Kirsten Dunst (Colette) para erguer a tensão no filme.
Primeiro o espectador é levado a crer na malícia do guia turístico e incute um ar suspeito nele, embora todo tempo Chester guarde um segredo e seja a causa das reviravoltas da trama. Depois que isso é estabelecido, a força do longa passa a ser desviada do roteiro para a atuação do trio. De marido ciumento à personagem intrigante, Mortensen entrega uma atuação cheia de camadas e sutililezas.
A vestimenta polida da personagem dele transmitem a imagem do homem orgulhoso e cheio de si, mas a falta de proficiência em outras línguas mostra a vulnerabilidade dele à medida que isso surge como ponto forte no rapaz que irrompe em seu caminho. Já a personagem de Dunst parece ser mais uma esposa desavisada, quando ganha credibilidade como força motriz para as ações e reações do marido. O figurino dos três conversa com a narrativa e indica que nem tudo o que você vê é o que é.
Dito isso, os cenários são outra forma de angariar a atenção e trabalhar a história. De uma Grécia idílica e mítica eles passam para cidades cada vez mais cheias de ruínas até chegar ao desfecho. Uma coisa que todas elas tem em comum é o aspecto munido de um emaranhado de labirintos. Essa sensação é construída de maneira progressiva e a perda da compostura das personagens segue a compressão dos caminhos a serem tomados.
Cada vez mais, Rydal se perde dentro dessa problemática. E atrelado a isso está a dualidade entre o honesto e o desonesto, entre o inocente e o criminoso. Até aí é interessante. O que incomoda é que a fixação inicial de Rydal com a figura paternal de Chester acaba desaparecendo no meio da tensão sexual entre ele e Colette, para ser convidada de volta apenas em uma cena superficial — que parece assumir ares de uma reviravolta entusiasmante, mas não é levado adiante. Mais tarde no filme e mesmo quando revisitada acaba não tendo tanto impacto mesmo ao amarrar o final.
Existem paralelos entre este dueto, Rydal e Chester, e o firmado entre Ripley e Dickie. Uma morte incomum na narrativa gira o tabuleiro aqui, assim como no outro; existe um triângulo amoroso tortuoso em ambos; o final termina como o filme começa, com certa naturalidade. Mas o que pode muito bem ser argumentado como ponto central de diálogo entre os dois filmes é a absolvição x impunidade.
As Duas Faces de Janeiro (The Two Faces of January) – Reino Unido, França, EUA, 2014
Direção: Hossein Amini
Roteiro: Hossein Amini
Elenco: Viggo Mortensen, Kirsten Dunst, Oscar Isaac, Daisy Bevan, David Warshofsky, Prometheus Aleifer, Karayianni Margaux, Yigit Özsener, Nikos Mavrakis, Ozan Tas
Duração: 96 min.