O segundo longa-metragem de Robert Bresson, As Damas do Bois de Boulogne, é vagamente baseado em um segmento do romance Jacques le fataliste et son maître (1796) do filósofo francês Denis Diderot, sobre um homem manipulado a se casar com uma prostituta. A obra não perde tempo para nos situar do conflito principal, nos instantes iniciais apresentando Hélène (María Casares), uma mulher rica que está sendo avisada por um amigo de que seu marido, Jean (Paul Bernard), provavelmente não nutre mais amor pela personagem. Logo em sequência, Hélène decide descobrir a verdade de um jeito manipulativo, levando Jean a acreditar que ela não o ama mais. Enganado a acreditar nas mentiras de sua esposa, Jean também confessa não ter qualquer tipo de sentimento pela mulher; revelação esta que leva Hélène a planejar sua vingança.
Provavelmente o filme mais convencional da carreira do cineasta francês, As Damas do Bois de Boulogne conta uma história bastante objetiva de vingança e melodrama. Como disse, a narrativa é extremamente apressada em nos situar da retaliação de Hélène, sem explorar a causa e os motivos do relacionamento ter chegado nesse ponto. Essa inexistência de exploração do matrimônio – ou de qualquer profundidade para os seus personagens para ser honesto – acaba sendo o principal aspecto da experiência do longa, mais preocupado com o controle de Hélène sobre os eventos em tela do que qualquer tipo de estudo de personagem ou conteúdo temático.
Por um lado, esse foco na maldade da personagem funciona por causa da ótima interpretação de María Casares. A atriz diz muito com seu olhar dominante, carregado de perversidade e cinismo, além de se movimentar com uma certa imponência, sempre encurralando seus peões – Bresson é inteligente em algumas aproximações nesses momentos, somando a altivez da personagem. Há também um ótimo contraste entre a crueldade psicológica de Hélène e o jeitinho inocente e trágico de Agnès (Élina Labourdette), uma jovem dançarina de cabaré que a parisiense rica manipula para se casar com seu marido. Bresson é novamente perspicaz em como filmar a segunda “dama” do longa, com uma certa sensualidade e erotismo quando ela está dançando ou trocando olhares com Jean, assim como enfoque faciais singelos na sua vida íntima desagradável por causa da prostituição.
Por outro lado, a mise-en-scène de Bresson é quase tão genérica quanto a narrativa. Há sim, como eu citei, momentos engenhosos do diretor se tratando da filmagem das personagens femininas, mas isso facilmente se esgota ao longo de uma obra formalmente superficial e sem uma proposta realmente delineada. Assim como ocorre em Anjos do Pecado, o cineasta busca força na simplicidade, com uma narrativa quase didática na maneira que vai de um movimento de Hélène para outro até o clímax, mas Bresson pouco usa de seus cenários para contar a história. Aliás, o caráter simbólico do cineasta é praticamente inexistente no longa, com vários planos comuns basicamente filmando o roteiro pesado na quantidade de diálogos de um quarto a outro. Diálogos estes substancialmente vazios, cheio de conversações melodramáticas cafonas, e Bresson raramente procura meios para “esconder” isso, nos oferecendo shots estáticos, iluminação e ambiente pouco expressivos e seu caráter minimalista meio que sem intuito já que os personagens têm a profundidade de um pires – além disso, a trilha sonora romântica de Jean-Jacques Grünenwald não combina com a narrativa.
É possível notar vislumbres de brilhantismo formal, como na ótima cena que Jean tenta fugir de Hélène no carro, com o personagem masculino parecendo encurralado pela ex-esposa ao ficar manobrando o veículo com dificuldade, assim como uma eficaz construção imagética da maléfica Hélène – mais mérito da atriz do que do cineasta. No entanto, As Damas do Bois de Boulogne é, pelo motivo de não encontrar um termo melhor, genérico. Para além de uma história bem convencional de vingança, o longa pouco propõe em sua mise-en-scène qualquer tipo de proposta ou elemento que não seja uma filmagem passível e monótona de personagens desinteressantes dizendo frases desinteressantes em cenários desinteressantes; tudo bem aquém do trabalho de Bresson. O contextualmente deslocado desfecho romântico e otimista é o ponto final de um filme perdido tematicamente. Não chega a ser uma experiência completamente ruim por causa de María Casares e momentos esparsos da técnica de Bresson, mas caramba, que filme enfadonho.
As Damas do Bois de Boulogne (Les Dames du Bois de Boulogne) – França, 1945
Direção: Robert Bresson
Roteiro: Robert Bresson, Jean Cocteau
Elenco: Paul Bernard, María Casares, Élina Labourdette, Lucienne Bogaert, Jean Marchat
Duração: 84 min.