No Brasil, a lei 12.587/12 trata do Plano de Mobilidade Urbana, documento que versa sobre a importância de se colocar em prática a circulação de bens e pessoas, não somente de veículos, dando, assim, prioridade aos pedestres e ao transporte coletivo, algo que na prática, sabemos, não é devidamente respeitado. Conforme a legislação, o planejamento urbano deve estar ligado as regulações urbanísticas, com metas ambientais e princípios da acessibilidade universal assegurado para todos. Isto é algo que, no entanto, está longe de se tornar efetivo, afinal, mesmo que o governo cuide de tais questões, estamos diante do fator humano nas vias públicas. É mais ou menos sobre isso que podemos refletir no conto em questão, analisado por aqui.
Qual o sentido de uma rua com apenas um lado para se passar? Com uma via asfaltada ou de pedras cortando este espaço, entende-se que as pessoas queiram ter a chance de passar por ambos os lados. Mas, pelo conto de Ignácio de Loyola Brandão, A Cidade Com Ruas de Um Lado Só, este é um privilégio solapado pelo processo de urbanização da sociedade. Ao menos, esta foi uma das mensagens que consegui concluir em sua leitura, história curta, mas eficiente, presente na coletânea Tudo O Que Não Foi, conjunto de contos sobre situações no trânsito, ótimo para reflexão sobre educação numa sociedade como a nossa, de pessoas irresponsáveis e inconstantes nas vias públicas, catalisadoras de sinistros de trânsito frequentes e evitáveis.
O autor, experiente em jornalismo e com produção volumosa, tendo começado a sua carreira com crítica de cinema no jornal A Folha Ferroviária, em 1952, entrega em seu conto diversas situações relativamente atuais sobre acidentes e crimes cometidos no trânsito, como a tenebrosa trajetória do jovem ciclista atropelado e ainda vitimado com o braço arrancado pelo automóvel de um motorista bêbado e inconsequente, notícia que chocou o país nos primeiros anos da década de 2010, numa composição literária que reflete o presente com fatos, mas os transforma em conteúdo para o desenvolvimento literário efetivo e envolvente.
Em A Cidade Com Ruas de Um Lado Só, Ignácio de Loyola Brandão fala sobre memórias. Sobre as suas visitas nas videolocadoras, nos passeios no café, na vida vertiginosa diante da tecnologia, isto é, a internet e seus downloads e novidades, num comparativo com o fluxo frenético da vida cotidiana, das ruas, perigosas e com poucas chances de circulação mais segura, tal como “antigamente”. Assim, temos um conto que reflete negativamente os impactos da urbanização em nossas vidas, um lance necessário para a evolução das sociedades, mas que tirou a liberdade e o conforto do fator humano, agora preso de “um lado só” das vias.
No conto, ele narra as insatisfações de Glorinha, uma vizinha que teve o muro de sua casa acertado por um carro que fez desmoronar tudo, personagem que alegoriza o temor diante dos desdobramentos do comportamento humano no trânsito. Falta de penalidade, saudades do outro lado da rua, comerciantes que abriram negócios para quem se encontrava “ilhado” e críticas ao espaço chamado “faixa de pedestres”, considerado inútil diante da falta de responsabilidade e respeito de muitos condutores: eis alguns pontos tocados neste conto dinâmico e certeiro em sua crítica, deixado espaço para diversas discussões sobre o assunto.
As Cidades Com Ruas de Um Lado Só (Brasil, 2014)
Autor: Ignácio de Loyola Brandão
Editora: Carlito e Caniato Editorial
3 páginas