Home FilmesCríticas Crítica | Caixa de Pássaros (Bird Box)

Crítica | Caixa de Pássaros (Bird Box)

por Ritter Fan
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Quando acabei de ler Caixa de Pássaros, romance de estreia de Josh Malerman, fiquei intrigado e receoso pela vindoura adaptação cinematográfica por Susanne Bier, já que o bom romance de suspense depende muito fortemente do que não é visto e, sendo o filme uma mídia eminentemente visual, caberia à direção principalmente manobrar por esse terreno pantanoso e difícil. Se a protagonista não pode ver e o livro, por sua natureza, presta-se exatamente a esse artifício, como estabelecer a mesma atmosfera em um longa-metragem?

Infelizmente, a diretora dinamarquesa, já muito bem estabelecida com obras como Segunda Chance, Em um Mundo Melhor e a minissérie televisiva The Night Manager (ou O Gerente da Noite, como acabou sendo batizada por aqui), não consegue sair do básico ao tentar enfrentar o desafio posto pela fonte literária. A ameaça misteriosa que leva as pessoas a cometerem atos de violência e a se matarem quando ela é meramente vista, ganha uma representação quase corpórea, com direito a sombras ameaçadoras, ventanias ensurdecedoras e outros artifícios que evocam a presença de algo muito estranho, incluindo desenhos de um determinado personagem. Tudo isso acaba reduzindo Caixa de Pássaros (o Netflix manteve no original em inglês, Bird Box) a um “filme de monstro” que, pela sua premissa, lembra Um Lugar Silencioso, mas que não chega aos pés do trabalho de John Krasinski.

E é aí que o problema repousa. Independente da comparação com o livro, que realmente não importa, se é para ser um “filme de monstro” apenas, então que seja um bom filme de monstro. Bier, porém, entrega algo visualmente rasteiro, ainda que o roteiro de Eric Heisserer (autor ao mesmo tempo do maravilhoso texto de A Chegada e do péssimo de Extinção, mesmo que em co-autoria neste último) capture com alguma eficiência o espírito da narrativa de Malerman. Ameaças “invisíveis” formam um dos pilares de obras do gênero, com exemplares como TubarãoAlien, o Oitavo Passageiro e Enigma do Outro Mundo ou até mesmo o menos do que ótimo, mas ainda assim interessante Fim dos Tempos, pelo que a diretora tinha uma ampla fonte da qual sorver inspiração, o que torna o resultado, aqui, ainda mais preguiçoso.

Usando os cinco ou dez minutos iniciais para estabelecer a situação catastrófica do filme em uma progressão exageradamente acelerada que pelo menos tem a vantagem de não deixar o espectador pensar muito, Bier logo coloca a grávida Malorie (Sandra Bullock) em um casa com diversas outras buchas de canhão, digo, pessoas, dentre elas os contrapontos Tom (Trevante Rhodes), sempre bondoso e atencioso, e Douglas (John Malkovich), constantemente rabugento e egoísta, estabelecendo uma dinâmica clichê que telegrafa cada passo do que acontecerá sem que o espectador tenha que fazer qualquer esforço. Isso automaticamente mina o suspense, fazendo-o esvair-se a cada cena que depende de sussurros, sombras ou entreveros entre os três, com os demais assistindo sem ter muito o que fazer a não ser, vez ou outra, morrer.

Malkovich, que já desistiu de atuar há algum tempo, vive uma caricatura dele mesmo e, desconfio, propositalmente, quase que como se ele estivesse desafiando a diretora a extrair algo mais dele. Mas se podemos até segurar o riso com as caras e bocas do outrora ótimo ator, o mesmo não é possível em relação a Sandra Bullock e, nesse ponto, preciso tirar algo há tempos entalado na minha garganta e perguntar: o que raios a atriz fez com seu rosto desde Gravidade? Apesar de um Oscar sobre a lareira, Bullock nunca foi uma grande atriz, mas ela cumpria bem o seu papel de “atriz de ação”. Agora, com uma bocarra botocada e um rosto paralisado que me lembra o de Val Kilmer, toda sua não muito desenvolvida latitude dramática foi para o brejo e ela não consegue convencer seja como mãe hesitante, seja como mulher durona ou mesmo como alguém que parece ter passado cinco anos no inferno, já que o filme é contado em dois momentos temporais, o presente, com Malorie e duas crianças em fuga desesperada em um bote pelo rio e o passado (começando cinco anos antes e progredindo até as duas linhas temporais se encontrarem) com ela ainda grávida e no começo do apocalipse que obriga os sobreviventes a usarem vendas para não verem as criaturas.

Com Bier mantendo a câmera muito próxima ao rosto de Malorie em uma tentativa frustrada de criar uma atmosfera claustrofóbica, a estranheza em relação ao rosto de Bullock é amplificada, o que tem o potencial de distrair o espectador. E, mesmo que essa barreira seja ultrapassada – ou não incomode ninguém – resta ainda a progressão episódica da história que não permite que nos aproximemos de verdade de qualquer personagem, nem mesmo de Malorie ou Tom, o que retira de vez o senso de urgência e de perigo, já que sentimos pouco por aquelas pessoas que estão ali na tela.

Caixa de Pássaros era um filme realmente difícil de se fazer e o trabalho de Susanne Bier, ao não materializar à altura a premissa, acaba ruindo sob seu próprio peso, algo amplificado por personagens estereotípicos, atuações enrijecidas e uma tentativa de criar suspense literalmente com o vento. Sem dúvida, faltou visão para tornar a adaptação do livro de Malerman algo mais do que uma versão diluída de um subgênero amplamente explorado pela Sétima Arte.

Obs: O título do filme inicialmente constante como sendo o título oficial brasileiro era Às Cegas, mas ele foi alterado, do nada, para Caixa de Pássaros que não só é a tradução literal do título em inglês, como também é o título nacional do livro de Josh Malerman.

Caixa de Pássaros (Bird Box, EUA – 2018)
Direção: Susanne Bier
Roteiro: Eric Heisserer (baseado em romance de Josh Malerman)
Elenco: Sandra Bullock, Trevante Rhodes, John Malkovich, Sarah Paulson, Jacki Weaver, Rosa Salazar, Danielle Macdonald, Lil Rel Howery, Tom Hollander, Colson Baker, BD Wong, Pruitt Taylor Vince, Julian Edwards, Vivien Lyra Blair, Parminder Nagra, Amy Gumenick, Taylor Handley, David Dastmalchian, Happy Anderson
Duração: 124 min.

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