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Crítica | As Branquelas (2004)

A vida atrapalhada de dois agentes policiais.

por Arthur Barbosa
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“Makin’ my way downtown, walkin’ fast
Faces pass and I’m homebound
Starin’ blankly ahead, just makin’ my way
Makin’ a way through the crowd

And I need you
And I miss you
And now I wonder

If I could fall
Into the sky
Do you think time
Would pass me by?
‘Cause you know I’d walk a thousand miles
If I could just see you
Tonight…” – três primeiras estrofes da música ‘A Thousand Miles’, da cantora Vanessa Carlton, que faz parte da trilha sonora do filme.

Sucesso na Sessão da Tarde da Rede Globo, As Branquelas – apesar de não ter sido apreciado pela crítica especializada americana – é um filme aclamado aqui, no Brasil. Isso se justifica por ela ser uma comédia que foge do politicamente correto, pois, assim como em American Pie – A Primeira Vez é Inesquecível (1998) e em Vovó… Zona (2000), é um besteirol para passar o tempo e, justamente por ter essa característica, ela consegue cativar o telespectador mais afeiçoado pelo início dos anos 2000. Embora ele seja adorado por muitos, desde o seu lançamento no ano de 2004, White Chick (nome no original) possui muitas críticas negativas e polêmicas, como as cinco indicações ao Framboesa de Ouro, premiação para as piores obras cinematográficas dos Estados Unidos da América (EUA), uma sátira ao Oscar americano. Contudo, apesar disso, nós, brasileiros, conseguimos tirar aquilo de melhor que conseguimos fazer: diversos memes nas redes sociais são compartilhados, colocando As Branquelas sempre nos Trends do X (o antigo Twitter), quando é exibida na TV Aberta ou disponível está disponível em algum catálogo de streaming, por exemplo. 

Dirigido por Keenen Ivory Wayans, a história gira em torno de dois irmãos agentes do FBI, Kevin Copeland e Marcus Copeland, os quais são interpretados pelos também irmãos Shawn Wayans e Marlon Wayans, respectivamente. Eles, no caso, se disfarçam como irmãs herdeiras, pois as verdadeiras mimadas e irmãs loiras Brittany Wilson (Maitland Ward) e Tiffany Wilson (Anne Dudek) estão sendo ameaçadas com um possível sequestro em relação a uma retaliação ao pai das garotas. Além da caracterização brilhante como as irmãs praticamente “gêmeas” – livremente inspiradas na famosa socialite americana Paris Hilton -, eles ofereceram uma interpretação equilibrada, evitando excessos caricatos, ou seja, a dupla conseguiu mostrar humanidade em seus personagens. O resultado disso não poderia ser outro: uma performance divertida e, ao mesmo tempo, capaz de provocar gargalhadas no público.

Para piorar ainda mais a vida dos dois, eles esbarram com as rivais das irmãs Wilson: as também irmãs Heather e Megan Vandergeld, interpretadas pelas atrizes Jaime King e Brittany Daniel. As brigas e as provocações são um primor, com destaque para as cenas em que elas provocam umas às outras, com difamações às mães logo no início de As Branquelas, e ainda na pista de dança, visto que elas deram um show nas coreografias, com direito até mesmo a rodarem de cabeça para baixo como peões ininterruptos. O longa, desse modo, consegue transformar qualquer comportamento tosco – como um arroto – em cenas hilárias, ou seja, tudo ocorre ao contrário, principalmente quando algum assunto é relacionado ao contexto nos modos da sociedade, de etiqueta, de sexo e de confusões entre as mulheres na luta por status social. É uma forma de ruptura com a realidade conservadora, ou seja, são apresentados personagens fora dos padrões aceitos pelo capitalismo, com relacionamentos e estilos de vida nada antiquados, isto é, livres de rótulos e de tradições.

Outra característica marcante é a dublagem brasileira, a qual conseguiu cativar os fãs brasileiros, porque a experiência de assistir ao longa no idioma original é completamente diferente, e não tão divertida. Inclusive, as piadas não causam o mesmo impacto, uma vez que as vozes dos dubladores brasileiros têm uma irreverência icônica e, em função disso, o reconhecimento internacional é notório, sendo o nosso país uma referência no ramo, como no filme Procurando Nemo (2003) e na série Família Dinossauro (1991). Para títulos de exemplificações, na infame cena do provador, quando o grupo de amigas vai às compras, por exemplo, a falsa Brittany até grita que irá chamar a saudosa apresentadora Hebe Camargo para ajudar Lisa (Jennifer Carpenter) com as peças de roupa. São pequenos detalhes nos diálogos como esse que fazem com que o público se identifique com a trama e, claro, de certa forma, é como se As Branquelas tivesse sido gravada em nosso território nacional.

Além disso, nota-se que a história é uma grande sátira à burguesia, já que retrata a vida fútil dos ricões de uma forma esculhambada, ou seja, colocando humor em sequências absurdas. É um deleite poder rir dos famosos “brancos privilegiados”, trazendo um certo alívio cômico e inconsciente. Vejam o motivo mais descabido do mundo: deixar de ir em um evento de final de semana por conta de um pequeno machucado na testa e no lábio, que poderiam muito bem ser discretamente tampados com uma maquiagem, pois eram apenas pequenas escoriações? Só poderia ter partido de duas moças superficiais e frescas. Ademais, As Branquelas é recheada de músicas da cultura pop, como a canção A Thousand Miles, da cantora Vanessa Carlton, a qual iniciou esta minha Crítica e foi explanada a plenos pulmões nas cenas em que as amigas estão dentro do carro conversível juntas ou acompanhadas de um pretendente amoroso, como o inesquecível personagem Latrell Spencer, interpretado pelo sorridente ator Terry Crews, conhecido por ter atuado no seriado Todo Mundo Odeia o Chris (2005). Ainda temos outros clássicos, como Crazy in Love, da Beyoncé, This Love, da banda Maroon 5, e Satisfaction, de Benny Benassi. É um repertório musical super convidativo para ser escutado e, claro, dançando junto aos personagens, os quais não se intimidaram da vergonha alheia em soltar piadas ofensivas, contendo: sexismo, racismo, diferença de gêneros, as quais, hoje em dia, com certeza seriam canceladas na internet, comprovando o envelhecimento mal do filme apesar de toda a aclamação brasileira.

Seguindo essa mesma linha de raciocínio, outros pontos problemáticos de As Branquelas podem ser citados, como o leilão de mulheres, os encontros amorosos forçados, o assédio ao público feminino, a tentativa de drogar uma pessoa, resumir as mulheres loiras como “burras” e “ciumentas”… Os tempos mudaram e, agora, há uma consciência coletiva, como o uso de Whiteface e de Blackface não serem mais vistos como aceitáveis, e sim intoleráveis. Acredito que por apresentar essas particularidades, o filme foi feito justamente para não ser levado tão a sério: ele apela para um público que valoriza um humor juvenil politicamente incorreto. Dessa maneira, se fosse levado literalmente ao pé da letra, a produção seria facilmente cancelada e esquecível em 2025, mas a satirização aos temas universais mencionados continuam atuais e pertinentes para a evolução da sociedade.

Portanto, As Branquelas é um exemplo de como a comédia pode ser usada para comentar questões sociais e humanas, embora seja de uma maneira pastelona. Nesse viés, os irmãos produtores disseram que a comédia Quanto Mais Quente Melhor, de 1959, estrelada pela belíssima atriz Marilyn Monroe, também foi uma inspiração para a criação do filme. Na trama, dois músicos se escondem em uma turnê de uma banda feminina, com o objetivo de fugirem de mafiosos, em que Tony Curtis e Jack Lemmon se vestem de mulher para o disfarce. Enquanto um deles se apaixona pela protagonista, o outro descobre eventualmente, em uma ironia do destino, que o figurino feminino lhe cai super bem. Para efeitos de comparação, não foi o caso da dupla de As Branquelas, que só tiveram uma maquiagem exagerada e pronto, com um final simplista, em que a turma das meninas iriam se reunir outras vezes para as compras juntos aos rapazes.

No início deste ano, fomos agraciados (ou não!) com a notícia de que As Branquelas vai ter uma continuação, com as Branquelas 2, sendo uma repaginação da história para os dias atuais. “(…) É o momento, as pessoas amam esse filme. Depois de terminar ‘Todo Mundo em Pânico 6’, ‘As Branquelas 2’ é o meu próximo projeto (…)”, confirmou Marlon Wayans em entrevista à imprensa americana. Ele ainda afirmou que deseja rodar as cenas aqui, no Brasil, com direito, inclusive, à participação da cantora Anitta, em um show no Rio de Janeiro (RJ). Resta saber como será a nova trama e a reformulação das piadas, assim como a caracterização das branquelas mais amadas do Brasil. Até o presente momento, não temos nomes oficiais no elenco, tampouco uma data para o início das filmagens ou do lançamento global. O jeito é torcer para que a continuação seja tão boa quanto a primeira, principalmente em relação ao contexto de cenas memoráveis e das músicas que fazem as pessoas a cantar e a dançar. Finalizo este meu texto com o seguinte questionamento: Será que o politicamente incorreto continuará a ser retratado ou teremos uma comédia menos pastelona?

As Branquelas (White Chicks) | EUA, 2004
Direção: Keenen Ivory Wayans
Roteiro: Keenen Ivory Wayans, Shawn Wayans, Marlon Wayans, Andrew McElfresh, Michael Anthony Snowden, Xavier Cook
Elenco: Shawn Wayans, Marlon Wayans, Jaime King, Frankie Faison, Lochlyn Munro, John Heard, Busy Philipps, Terry Crews, Brittany Daniel, Eddie Velez, Jessica Caufield, Maitland Ward, Anne Dudek, Rochelle Aytes, Jennifer Carpenter, Faune Chambers Watkins, John Reardon, Steven Grayhm
Duração: 114 min. 

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