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Crítica | As Bodas de Satã

A abordagem da Hammer para o satanismo.

por Iann Jeliel
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Cada movimento ou subgênero cinematográfico que estabeleça certas tendências por um grande período traz duas “garantias” em sua trajetória histórica: um outro movimento em resposta que subverte suas convenções e uma revitalização do mesmo movimento (tempos depois) com essas subversões aplicadas. O cinema de terror teve como seu primeiro grande subgênero/movimento popular os monstros clássicos da Universal, que dominavam as telas dos cinemas nos anos trinta e quarenta e foram começando a perder força nos anos cinquenta, com o surgimento de outros subgêneros em resposta, em especial, filmes mais focados na construção de um horror psicológico e humano.

Nisso temos a Hammer Films, famosa produtora inglesa, que apesar de surgir na década de trinta, teve seu auge nesse mesmo momento de resposta às convenções dos monstros clássicos, mas, ao contrário da tendência de negação às monstruosidades, ela abraçava essas figuras e lhes aplicava uma revitalização de convenções sobre olhar britânico. O grande nome que conduziu essas releituras foi o cineasta Terence Fisher. Responsável por filmes como A Maldição de Frankenstein (1957), O Vampiro da Noite (1958), A Múmia (1959), A Noite do Lobisomem (1961), dentre outros, o diretor no fim de carreira (que batiam com a perda de força da produtora), decidiu se arriscar em algo mais psicológico com As Bodas de Satã (1968), adaptação do livro The Devil Rides Out, de Dennis Wheatley.

O mais interessante foi como essa aposta de falar sobre ocultismo sem necessariamente envolver um demônio explícito visualmente, no estilo teatral da Hammer e visual do diretor já com suas convenções clássicas bem impregnadas, acabou trazendo uma mistura bem original da abordagem com tema na narrativa. O tratamento do satanismo é muito semelhante ao de uma possessão, como se as vítimas do culto sofressem lavagem cerebral, hipnose como demonstrada pelo líder Mocata (Charles Gray), em vez de simplesmente se converterem por acreditarem naquele dogma. Parece ruim essa escolha para a teórica abordagem psicológica do filme, mas ela existe sobre outra forma que é bastante eficiente também, especialmente no primeiro ato.

A introdução do Duque de Richleau, Nicholas (Christopher Lee) e de seu amigo Rex van Ryn (Leon Greene) indo visitar o sobrinho Simon (Patrick Mower), que está em festa com uma sociedade secreta, contempla um senso de tensão e presságio muito efetivos. Dois estranhos num ninho ainda desconhecido, insistindo em investigar pelo desconfiômetro do protagonista. Lógico que perde um pouco a espontaneidade, ele é  colocado como  um profundo conhecedor da magia profana, sendo o didata não só para as explicações nessa parte, como para as demais surgidas no decorrer da história. Felizmente, isso não é um problema única e exclusivamente pela entrega sempre enérgica do lendário Christopher Lee, fazendo um dos seus raros papéis na produtora como mocinho.

Depois dessa primeira e ótima sequência, o teor investigativo ganha a tela por mais alguns minutos, quando a premissa é enfim estabelecida. A dupla precisa resgatar o sobrinho antes que ele seja batizado pelos satanistas. Nisso, eles começam a procurar o paradeiro de uma das moças do culto (Nike Arrighi) com quem haviam conversado na cerimônia disfarçada, buscando, através dela, encontrar o jovem . Pena que isso se resolve muito rápido e a trama passa a se concentrar no processo de reabilitação de Simon e Tanith, com os ocultistas perseguindo os principais personagens. Isso é interessante pela questão conceitual original, mas infelizmente traz uma quebra ao possível início de uma nova crescente até a próxima aparição dos ocultistas, que ocorre muito cedo enquanto primeiro clímax e mostra demais, fazendo o ápice  perder força lá no final.

Apesar disso, e de alguns momentos com aparições de monstros com visual extremamente datado nos efeitos, as sequências de rituais de As Bodas de Satã são devidamente impactantes. A teatralidade característica da Hammer surge como um triunfo para torná-las mais verossimilhantes, viscerais apesar do pouco sangue e nudez, com os figurinos carnavalescos e exagerados bem críveis à época – de certo modo, referência, pois a aparição do demônio com cabeça de bode desse filme acabou popularizada na cultura popular quando colocada no clipe de The Number of the Beast do Iron Maiden –, divertidos e eufóricas pela forma de vê-las hoje, mas inegavelmente funcionais quando aliados na construção cênica e atmosférica cuidadosa de Fisher.

As Bodas de Satã tem suas irregularidades como concepção narrativa que fica no meio entre o psicológico e o explícito, traz um final bastante “blasé” do bem vs. mal e ao lado do maniqueísmo que sempre vence, mas é um filme que abriu portas para outros terem mais coragem de explorar o tabu de seitas no gênero. Junto a O Bebê de Rosemary, popularizam esse assunto como um subgênero mais raro do terror, que apesar de ser pioneiro, traz uma abordagem única de suas convenções.

As Bodas de Satã (The Devil Rides Out | EUA – Reino Unido – Irlanda do Norte, 1968)
Direção: Terence Fisher
Roteiro: Richard Matheson, Dennis Wheatley (Baseado no livro The Devil Rides Out, de Dennis Wheatley)
Elenco: Christopher Lee, Charles Gray, Nike Arrighi, Leon Greene, Patrick Mower, Gwen Ffrangcon Davies, Sarah Lawson, Paul Eddington, Rosalyn Landor, Russell Waters
Duração: 96 minutos

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