O prolífico diretor sul-coreano Hong Sang-soo, capaz de lançar dois, três, quatro e até mais filmes por ano trabalhando não só na direção e roteiro como em diversas outras “posições” como compositor de trilha sonora e montador, faz nova parceria com a sempre sensacional atriz francesa Isabelle Huppert em As Aventuras de uma Francesa, que pode ser considerado como uma continuação, ou melhor, uma nova parte de A Visitante Francesa, de 2012. Trata-se de uma obra no estilo bem próprio do diretor, um pequeno recorte de uma situação que, em sua simplicidade, esconde discussões mais profundas, assuntos que ele costuma tratar com leveza, mas que, na verdade, levam o espectador à reflexão.
No longa, Huppert vive Iris, uma mulher francesa de meia idade que está na Coréia do Sul por razões não especificadas, mas que muito claramente se relacionam com sua situação financeira, talvez até mesmo questões pessoais (amorosas ou não) em seu país de origem. Ela parece muito mais vagar do que ter um propósito, mesmo que, quando o longa começa, ela é vista dando aula de francês para uma jovem coreana usando um método no mínimo peculiar, em que Iris escreve pensamentos de sua aluna em fichas e pede que ela os leia em voz alta diversas vezes e os grave em suas horas vagas.
Ao longo de apenas um dia, vemos Iris viver a mesma situação descrita acima – que, claro, tem muitos outros detalhes que envolvem música, fumar sair para fumar cigarro em espaço aberto, beber makgeolli (vinho de arroz típico da Coréia) e fazer perguntas sobre o que suas alunas sentiram, além de escrever nos cartões – com pequenas variações, em uma abordagem pitoresca de Sang-soo, quase farsesca, diria, que funciona para revelar a completa falta de rumo da “estranha em terra estranha” que, porém, parece estar em paz consigo mesma, talvez a paz da ignorância já que ela não fala nada de coreano a não ser o nome da bebida e de alguns pratos da culinária local, mas possivelmente, também, a paz da distância de tudo aquilo que ela porventura tenha passado em sua outra vida. Iris parece querer começar de novo sem o peso daquilo que vivenciou na França ou seja lá o país de onde veio.
Como parte desse processo, ela vive no apartamento de um jovem coreano, jovem esse que a conheceu em uma praça e que foi quem deu ideia para ela começar a dar aulas de francês para ganhar algum dinheiro, mesmo que ela nunca tenha sido professora e mesmo que seu método seja potencialmente ineficiente, algo que ela, por vias transversas, afirma para sua segunda aluna, uma mulher mais velha que a primeira, aparentemente bem de vida e já casada. Seu parceiro coreano é só isso mesmo, um parceiro, alguém com quem ela divide um teto – ou melhor, alguém que a acolheu sob seu teto -, sem conexões amorosas ou até mesmo intenções aparentes de se seguir por esse caminho. Iris está apenas ali, no estado em que se encontra, contente de ter onde morar e alguém com quem conversar e, claro, bebida suficiente para manter-se em uma espécie de torpor constante que ela disfarça com aquele ar blasé que, se eu disser que é tipicamente francês, dirão que estou sendo preconceituoso…
Mas As Aventuras de uma Francesa não vai além, não caminha efetivamente para a frente e, como Iris, parece estar contente em “apenas ser”, com Hong Sang-soo trabalhando uma câmera parada naturalista, com fotografia a partir de luzes aparentemente naturais e sem fazer uso de qualquer trilha sonora que não seja diegética (com exceção dos últimos segundos da projeção), quase como um Dogma 95 da vida, só que bem mais polido e visualmente agradável. A ausência de toda e qualquer ambição do roteiro, porém, acaba esvaziando o que poderia ser uma obra contemplativa realmente interessante e provocadora, restando, apenas, a curiosidade que é acompanhar Iris por seu dia (esqueçam as “aventuras” do título em português, pelo menos na literalidade) e, claro, o prazer que é ver Huppert viver uma mulher comum, de cara lavada, vivendo a vida que pode – ou talvez queira – viver sem dever nada a ninguém. Bem, na verdade talvez esse seja todo o objetivo do filme, claro, e ele, sob certos aspectos, se basta assim mesmo.
As Aventuras de uma Francesa (Yeohaengjaui pilyo – Coréia do Sul, 2024)
Direção: Hong Sang-soo
Roteiro: Hong Sang-soo
Elenco: Isabelle Huppert, Lee Hye-young, Kwon Hae-hyo, Cho Yun-hee, Ha Seong-guk, Kim Seung-yoon
Duração: 90 min.
