O que mais nos espanta nesta segunda parte de As Aranhas é o quanto o enredo se afasta do interessante caminho apresentado em O Lago Dourado, lançado em 1919. Parte de uma cinessérie pensada em quatro capítulos — mas que só teve dois deles produzidos — O Barco de Diamantes (1920) é o tipo de filme cuja avaliação tende a ser um tanto paradoxal. Isso porque, de um lado, observamos a capacidade de Fritz Lang, diretor e roteirista do filme, em criar e guiar enredos com forte aura de mistério, convidando o público a buscar respostas e se entretendo no meio do caminho.
Por outro lado, é impossível comprar a ideia de “total novidade” desse roteiro, e isso se deve a dois principais motivos: 1) ao final de O Lago Dourado havia a clara indicação de que a sequência daqueles eventos seria vista em um filme seguinte (este), o que, a rigor, não acontece; e 2) a passagem almejada pelo diretor entre a trama do Lago Dourado e a do diamante precioso dessa aventura se dá com um fio quase invisível de organicidade, o que compromete (e muito) o resultado final da obra. Aqui, pelo que havia sido prometido, deveríamos ter uma linha de vingança aventureira de Kay Hoog (Carl de Vogt) contra Lio Sha (Ressel Orla), indomável líder da organização conhecida como “Aranhas”, cuja finalidade é se apropriar de relíquias ao redor do mundo e de toda a sorte de riquezas e tesouros, peças arqueológicas, obras de arte, joias imperiais, raridades colecionáveis… almejando riquezas e dominação política. Só que essa linha de vingança é praticamente inexistente.
O primeiro ponto de incômodo no roteiro é justamente esse — fuga do que deveria ser uma sequência –, embora o espectador se mantenha, em toda a primeira parte da fita, maravilhado com a direção de Lang e com a direção de arte e fotografia, que ainda nos trazem cenas admiráveis como as da caverna do tesouro, onde se encontra o diamante com o formato da cabeça de um Buda. Aí também se destaca a cena de correria dos “invasores” da caverna, com a fumaça mortal expulsando a todos. A reação do aprisionado Kay Hoog, a escolha da iluminação e a forma como Lang mostra o rosto do ator em desespero faz desse um dos momentos dramaticamente mais interessantes do longa. Todavia, a busca que levou o aventureiro até este momento tem como princípio uma base de motivações inteiramente diferente daquela que deveria ter.
O roteiro não explora a passagem de Hoog pelo luto e nem mostra um verdadeiro plano do aventureiro para se opor a Lio Sha. Muito pelo contrário. A citação à índia assassinada pelos Aranhas no filme anterior é dita apenas en passant e, aqui, vemos se desenvolver uma aventura independente, com Hoog mais preocupado em também perseguir “o tesouro da vez” e impedir os bandidos de pegarem o diamante… do que qualquer outra coisa. Nessa toada, o roteiro se segmenta demais, muitas vezes confundindo o espectador com sua abertura épica de caça ao diamante que é frustrante, em intenção, porque tem tanta coisa acontecendo — e todas elas são tão superficialmente trabalhadas –, que não nos importamos de verdade com esses dramas individuais. Exceto pela primeira parte do filme, a mais pé no chão e com roteiro ensaiando alguma fluidez, todo o restante avança com problemas de ritmo e confusão ou atropelamentos dramáticos no desenvolvimento.
Mesmo com o bom trabalho de direção (atrapalhado fortemente pela montagem) e de arte, O Barco de Diamantes falha como sequência e falha também como obra isolada. O gosto do diretor por culturas e elementos exóticos se mantém nesta película e são abundantemente expostos na tela, gerando cenas de grande impacto visual. Mas à parte esse aspecto, ficamos com uma história que, de algo realmente bom, só tinha a grande promessa. Uma promessa que Fritz Lang, pelo menos dessa vez, não cumpriu como deveria e sabia fazer.
As Aranhas – Parte 2: O Barco de Diamantes (Die Spinnen, 2. Teil – Das Brillantenschiff) — Alemanha, 1920
Direção: Fritz Lang
Roteiro: Fritz Lang
Elenco: Carl de Vogt, Ressel Orla, Georg John, Rudolf Lettinger, Thea Zander, Reiner Steiner, Friedrich Kühne, Edgar Pauly, Meinhart Maur, Paul Morgan, Karl Römer, Paul Rehkopf, Paul Rehkopf
Duração: 104 min.