Home LiteraturaConto Crítica | Arsène Lupin: O Viajante Misterioso e O Colar da Rainha, de Maurice Leblanc

Crítica | Arsène Lupin: O Viajante Misterioso e O Colar da Rainha, de Maurice Leblanc

por Luiz Santiago e Kevin Rick
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Os dois contos aqui analisados tiveram a sua primeira publicação em formato de coletânea no ano de 1907, sob o título Arsène Lupin, Gentleman-cambrioleur. São aventuras da primeira fase de Maurice LeBlanc com o seu personagem Arsène Lupin, que justamente por conta dessa coletânea acabou ficando mundialmente conhecido como “Ladrão de Casaca”. Desejamos uma boa leitura a todos. E não se esqueçam de comentar sobre o que acharam dessas histórias e de nossa opinião sobre elas!
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O Viajante Misterioso

O Viajante Misterioso traz uma curiosa inversão de trama às histórias do ladrão-cavalheiro: torná-lo a vítima do crime. O conto acompanha um narrador que embarca em um trem a caminho de Rouen, compartilhando da companhia de uma mulher rica e receosa, a Madame Renaud, e de um passageiro misterioso, que a senhora acredita ser o fugitivo Arsène Lupin! Ao longo da primeira metade da obra, a figura desconhecida assalta os dois membros do vagão, e então descobrimos que nosso narrador temeroso e bondoso é, de fato, o Ladrão de Casaca, e que ele foi passado para trás!

Depois da tríade inicial das aventuras de Lupin, onde o autor Maurice LeBlanc busca uma mistificação do personagem, até mesmo quando ele é capturado em A Detenção de Arsène Lupiné realmente divertido e interessante ler uma história em que o criminoso está em uma posição arriscada e fora do seu planejamento. A confiança e insolência do personagem saem de cena para dar espaço para um breve Lupin indignado com a situação, inseguro do seu próximo movimento e com receio de ser pego pelas autoridades por causa de um erro de iniciante. Acompanhar o gênio do crime neste momento adverso proporciona uma leitura verdadeiramente prazerosa.

Obviamente que o tempo de hesitação acaba, e nosso protagonista coloca sua astúcia para manobrar a situação a seu favor, convencendo a Madame Renaud a mascarar sua verdadeira identidade – sem que ela saiba – e também ajudá-lo a persuadir os policiais de que ele deve auxiliar na captura do “verdadeiro” Arsène Lupin. A partir daí, LeBlanc faz o que sabe de melhor: desenvolver o jogo de adversário, mas novamente com uma gostosa inversão de narrativa às aventuras de Lupin ao colocá-lo como perseguidor.

É de uma satisfação maravilhosa finalmente acompanhar a mente astuta de Lupin em “tempo real”, sem ser da perspectiva do enganado ou então das suas explicações petulantes, mas sim presenciar sua ironia aliada com urgência, o raciocínio rápido para descobrir os próximos passos de seu adversário e, claro, a deliciosa ironia de como lida com os agentes ajudando-o e no desfecho que continua o caminho de mistificação do personagem para o mundo, mas agora o leitor também sabe de algo: Lupin passa apuros, e vê-lo em ação nesses momentos é diversão na certa.

O Viajante Misterioso (Le Mystérieux Voyageur) — França, 1906
Autor: Maurice LeBlanc
Publicação original: Je Sais Tout #13 (fevereiro de 1906)
Primeira coletânea: Arsène Lupin, Gentleman-cambrioleur (1907)
Edição lida para esta crítica: O Ladrão de Casaca: Edição Bolso de Luxo
Tradução: André Telles, Rodrigo Lacerda
Editora: Zahar
18 páginas

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O Colar da Rainha

Quem não gosta de uma historinha de origem, não é mesmo? E bem que inesperadamente chegamos aqui a esse tipo de aventura na vida de Arsène Lupin! Neste ponto da coletânea, fica mais fácil entender os artifícios de narrador do personagem, mas ainda assim não dá para não se espantar com a astúcia com que ele realiza os seus roubos e, principalmente, com a maneira irônica como lida com os indivíduos que empregaram sua mãe em um regime, olhando sob a perspectiva contemporânea, de condição análoga à escravidão.

Eu confesso que fiquei espantado com essa abordagem. Primeiro porque não esperava ver esse tipo de trama num texto de Lupin, e depois porque o autor colocou o talento para o furto desde muito cedo na vida do personagem, tudo de maneira orgânica e sem fazer o leitor torcer o nariz para coisas forçadas ou impossibilidades diante da idade representada.

A esse propósito, vale dizer que quando o cavalheiro convidado para uma certa reunião de alta classe começa a resolver o crime, comecei a me perguntar qual seria o plano de Maurice LeBlanc para a cena. Qual a ideia desse indivíduo tão ciente do que tinha acontecido no passado? E quando a resposta se tornou clara (porque ela esta lá o tempo inteiro), me repreendi por não ter colocado as coisas em seu devido lugar desde o começo e identificado a pessoa óbvia.

O final da história foi o momento do conto que menos me chamou a atenção. Gosto bastante do início, porque dá aquela sensação de expectativa para o crime — ainda mais quando estamos falando de um colar tão valioso, pelo menos no nome — mas o desenvolvimento tropeça um pouco, com situações que não chamam tanto a atenção, o mesmo se dando com o final, que é regradinho e classudo demais para o meu gosto. Ainda assim, a ironia de Lupin, o sentimento de dor ao falar da mãe e a vingança por ele aqui executada são coisas absolutamente deliciosas!

O Colar da Rainha (Le Collier de la reine) — França, 1906
Autor: Maurice LeBlanc
Publicação original: Je Sais Tout #15 (abril de 1906)
Primeira coletânea: Arsène Lupin, Gentleman-cambrioleur (1907)
Edição lida para esta crítica: O Ladrão de Casaca: Edição Bolso de Luxo
Tradução: André Telles, Rodrigo Lacerda
Editora: Zahar
20 páginas

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